REPOSTANDO: CAPÍTULO I - O HOMEM NO PARQUE

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Só podia ser a Lilly! Uma hora dessas me tirar da cama para dar um passeio. Dormi apenas duas horas e ela já vem me chamar. Faz isso porque sabe que eu não consigo resistir aos seus choros arranhando a base de madeira da minha cama e muito menos a essa carinha virada de lado com suas orelhas pendendo, como se estivesse adivinhando todos meus pensamentos.

Olhos grandes, cor caramelo. Minha companheira de vida é a única coisa que me restou após a morte de minha mãe.

Lembro-me como se fosse ontem o primeiro dia que tive Lilly em meus braços. Estávamos indo passear na fazenda de uma amiga da minha mãe quando a achamos no meio da estrada, abandonada. Parecia ter nascido a pouco tempo e roubou o coração da minha mãe imediatamente. O meu também claro.

Naquela época eu era uma adolescente muito sozinha. Minha mãe me criava como podia, sem ajuda de ninguém, longe de todas más influências que ela achava que os outros poderiam ter sobre mim (pessoas da família dela que eu nunca conheci direito). Meu pai desapareceu da nossa vida quando eu ainda nem sabia o que era um pai. Avós também. Nunca soube o que era um avô ou uma avó, os meus nunca me procuraram. Acredito que por causa do relacionamento que tinham com minha mãe. Hoje sinto falta de ter na minha vida alguém como uma avó, mas acredito que tenha sido melhor assim.

Na escola sempre tive poucos amigos. Acredito que por causa da minha timidez e por tantos conselhos que minha mãe me dava. Lilly chegou no momento certo.

Me fez ficar mais aberta aos sentimentos, esquecer da dor que eu volta e meia sentia por ter sido abandonada pelo meu pai e me fez sentir viva. Brincávamos o dia inteiro, além das noites que minha mãe muitas vezes precisava invadir meu quarto fingindo estar brava para que nós nos colocássemos a dormir.

Eu tinha 19 anos quando minha mãe não resistiu à um câncer de fígado. Tentaram de tudo para que ela fosse salva. Porém eu conseguia ver o cansaço nos olhos dela e não pude ser egoísta de querer que ela ficasse comigo pra sempre.

Lilly foi minha melhor amiga em momentos da minha vida que eu achei que fosse morrer, que o chão fosse abrir diante dos meus pés e eu cairia em um buraco sem fundo. Ela me deu força, mesmo que não consiga entender - acredito que ela não entenda ao menos - e mesmo que seja um bichinho de estimação, hoje ELA é minha família.

Quando decidi sair do interior do Colorado e me mudar para a capital mais agitada do mundo, não consegui lidar com a ideia de que ela ficaria para trás. Corri atrás de apartamentos que aceitassem bichos de estimação e conseguimos.

É um tanto pequeno, mas qual apartamento aqui na cidade consegue ser grande? Mas é perfeito para nós duas.

Trouxe apenas o que coube em duas malas assim que fui contratada pela Carter Corp. Tinha a sensação que minha vida melhoraria para melhor depois que começasse a trabalhar lá e acertei na mosca.

O salário é maravilhoso, tenho colegas incríveis e estou apaixonada pelo meu trabalho.

Ouço mais um arranhão na base de madeira e afasto todos esses pensamentos repentinos da minha cabeça. Algumas horas eu acabava ficando bem nostálgica.

-Vamos Lilly.
Falei depositando uma das minhas mãos em sua cabeça, lhe dando um breve afago.

Acredito que ficar o dia todo sozinha seja um martírio para ela, por isso mesmo cansada, saio com ela no meio da noite para alguns passeios. Tem dias que ela está simplesmente impossível e me acorda às 3h da manhã. Minha sorte é que essa não é uma dessas noites.

Como cheguei cedo do trabalho hoje, aproveitei pra fazer apenas uma sopa, tomar um banho e me aconchegar debaixo das minhas cobertas. Deitei às 7pm e por isso não me importei de sair com ela pelo parque às 9pm.

OLHAR ELETRIZANTE - Is it Love? MattOnde histórias criam vida. Descubra agora