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Ana observava as gotinhas da chuva que iam de encontro à janela do ônibus escorrerem devagarzinho. Sentia o frio arder em suas narinas, bem como o latejo dos seus dedos congelados. Por outro lado, a extensão de seu pescoço e ombros se encontravam aquecidos por seu longo cabelo castanho claro. Acomodou sua cabeça no assento enquanto encarava extasiada o verde molhado da estrada.
Ana estava deixando tudo para trás, porque acreditava que podia ser muito mais com tudo que viria a encontrar pela frente, no entanto, não era nem um pouco fácil começar do zero, isso ela sabia devido ao buraco negro em seu peito, onde uma vozinha insistia em dizer que era uma ideia muito, muito ruim.
Cinquenta e seis reais e oitenta centavos. Era a quantia exata em sua carteira, junto a um cartão de crédito para emergências, que ela não fazia ideia ainda como faria para pagar, caso o usasse. Ana já não tinha um trabalho para voltar, nem uma casa, nem um abraço.
Ouviu os freios do ônibus sofrido, suspirou fundo, pegou sua mochila e contornou seu caminho rumo à porta de saída. Lá fora estava mais frio do que podia imaginar, já não chovia, mas ainda era possível sentir a umidade na pele. Observou maravilhada a fumacinha que saia da boca das pessoas enquanto conversavam.
Escolherá essa cidade a dedo, queria algo no campo, afastado, tranquilo e de clima frio. Sabia qual seria sua primeira parada, a Cafeteria Literária, duas incríveis combinações. Caminhou tranquila em suas botas pela descida em que a levaria ao centro da cidade, no caminho, ficou maravilhada com as casinhas parecidas feitas de contos de fada, ou algum filme europeu. As árvores estavam do jeito que Ana amava, secas e com suas folhas cobrindo o chão. Pegou sua câmera e começou a registrar a paisagem. Um burburinho agitado começou a se elevar a cada passo; do outro lado da rua, pôde ver o estabelecimento. Atravessou animada, e ao entrar, foi preenchida com o aroma de café, chocolate e pães. Caminhou pelo local observando as grandes prateleiras de livros, escolheu Outros Jeitos de Usar a Boca de Rupi Kaur, e se sentou em um banquinho em frente ao balcão.
- O que deseja querida? - Uma simpática e rechonchuda senhora de cabelos bem branquinhos, coberta em um avental amarelo a recebeu enquanto passava um paninho no balcão.
Ana deu uma espiada no cardápio, pediu um chocolate quente e um bolinho de limão.
Folheou o livro.
"você tem dores
morando em lugares
em que dores não deveriam morar"
Encarou a página, e refletiu sobre o motivo, a dor e o lugar que a trouxeram a estrada; a este lugar. "Dores são para serem sentidas" - pensou, e tudo o que ela tocasse dentro de si, seria uma lição, seria um anticorpo a mais, seria o seu renascer. Entretanto, a dor que percorria todo o seu ser, era muito mais que apenas um coração partido.
Nada mais seria igual para Ana, mas era exatamente isso que ela esperava, que fosse tudo diferente.