Em pequena meu pai me fez tomar o hábito de escrever o que sucedia comigo. Na
Escola Normal o Professor de Português exigia das alunas uma composição quase diária,
que chamávamos “redação” e que podia ser, à nossa escolha, uma descrição, ou carta ou
narração do que se dava com cada uma. Eu achava mais fácil escrever o que se passava
em torno de mim e entre a nossa família, muito numerosa. Esses escritos, que enchem
muitos cadernos e folhas avulsas, andaram anos e anos guardados, esquecidos.
Ultimamente pus-me a revê-los e ordená-los para os meus, principalmente para minhas
netas. Nasceu daí a ideia, com que me conformei, de um livro que mostrasse às meninas
de hoje a diferença entre a vida atual e a existência simples que levávamos naquela
época.
Não sei se poderá interessar ao leitor de hoje a vida corrente de uma cidade do
interior, no fim do século passado, através das impressões de uma menina, de uma cidade
sem luz elétrica, água canalizada, telefone, nem mesmo padaria, quando se vivia
contente com pouco, sem as preocupações de hoje. E como a vida era boa naquele tempo!
Quanto desabafo, quantas queixas, quantos casos sobre os tios, as primas, os professores, as
colegas e as amigas, coisas de que não poderia mais me lembrar, depois de tantos anos,
encontrei agora nos meus cadernos antigos!
Relendo esses escritos, esquecidos por tanto tempo, vieram-me lágrimas de saudades
de meus bons pais, minha boa avó e minha admirável tia Madge, a mulher mais
extraordinária que já conheci até hoje e que mais influência exerceu sobre mim, pelos
seus conselhos e pelo seu exemplo.
Nesses escritos nenhuma alteração foi feita, além de pequenas correções e
substituições de alguns nomes, poucos, por motivos fáceis de compreender.
Agora uma palavra às minhas netas. — Vocês que já nasceram na abastança e
ficaram tão comovidas quando leram alguns episódios de minha infância, não precisam
ter pena das meninas pobres, pelo fato de serem pobres. Nós éramos tão felizes! A
felicidade não consiste em bens materiais mas na harmonia do lar, na afeição entre a
família, na vida simples, sem ambições — coisas que a fortuna não traz, e muitas vezes
leva.
Rio, setembro de 1942
HELENA MORLEY