Domingo, 19 de fevereiro

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Domingo, 19 de fevereiro

Eu acho que a pior invenção da vida é mingau de fubá. Não compreendo
para que ele serve. Se a gente está com fome, toma mingau e a fome aperta
mais. Se não está com fome, bebe mingau e a fome abre. Há tanta coisa boa
para se fazer com fubá: cuscuz, broas, sonhos, bolos, e ninguém quer sair do
mingau de fubá.
Siá Ritinha, a ladrona de galinhas da Cavalhada, levou ontem a noite
inteira aqui em casa, contando casos de pessoas que adoeceram de comer
pepino, e acabou dizendo: “Dona Carolina, tome nota do que eu vou lhe dizer:
pepino é tão venenoso, que só a gente passar a barra da saia no pepineiro faz
mal”.
Veio essa conversa toda por mamãe lhe contar que eu não tomo mingau de
fubá e que como dois pepinos com sal, de manhã. Mamãe me dizia: “Está
ouvindo o que ela está dizendo? Está escutando?”. Eu tinha vontade de
perguntar a Siá Ritinha: “E furtar galinha dos vizinhos também não fará mal?”.

Terça-feira, 21 de fevereiro

Ontem jantei com minhas tias inglesas.
Vou lá sempre depois da Escola, tomo café e demoro um pouco, às vezes
meia hora no máximo. Não me demoro mais porque lá não se tem com quem
brincar, e eu não sou capaz de ficar muito tempo sentada na sala, só ouvindo
conversa de gente grande.
Passei lá depois da Escola, e estava um amigo de minhas tias, que gosta também de mim, Seu Benfica. Ele me perguntou se eu gostava de fantoches. Eu
respondi que muito. Ele disse então que eu fosse avisar a mamãe e voltasse para
jantar com minhas tias, que ele e Dona Teresinha passariam lá, para nos pegar
e levar aos fantoches.
Que noite boa! Nunca vi coisa mais engraçada que a dança daqueles
bonecos. Parecem gente. Então os dois, Briguela e Maricota, são impagáveis. A
gente fica até duvidando que sejam bonecos. Seu Benfica nos levou, no meio do
espetáculo, um pacotão de luminárias e canudos, que fomos comendo enquanto
assistíamos aos fantoches.
Oh, noitezinha boa! Era bem bom se eu pudesse ir todos os dias. Seu
Benfica me perguntou se eu gostei e eu respondi: “Demais!”. Ele então
prometeu que vai me levar mais algumas noites.
Gostei de ele dizer “algumas”. Podia ter dito “mais uma”. Mas minhas
tias me disseram que não contasse muito com isso, porque a mulher dele não é
tão franca como ele. Às vezes ele promete e ela não deixa cumprir.
Também que me importa? Eu já fui duas vezes.

Quinta-feira, 23 de fevereiro

Leontino veio nos convidar para irmos assistir à inauguração do telégrafo,
que eles fizeram em casa, e que tia Aurélia esperava mamãe e a família toda
com muito carajé, chocolate e sequilhos. Fomos todos e Dindinha também.
Ficamos, a metade das pessoas, na sala de visitas e a outra metade na sala de
jantar, no fim do corredor, que é muito comprido. Os da sala passavam
telegrama para os de lá de dentro e a resposta era escrita com uns risquinhos,
que a pena ia fazendo numa tira de papel, que Sérgio lia, e estava certinho.
Dindinha, mamãe e as tias ficavam de boca aberta, de ver como eles passavam
direito, como se fosse no telégrafo. Comemos muito carajé. Tivemos uma boa
mesa de chocolate, café e sequilhos, e as tias saíram falando da inteligência dos
meninos de lá. Tia Aurélia faz tanta coisa boa, porque sabe que todos vão
admirar os filhos dela e ficar com inveja. Mamãe é uma que daria a vida para
nós sermos como os filhos de tia Aurélia, que só vivem estudando. Mas ela
mesma já se convenceu de que tudo que os filhos de tia Aurélia fazem, mais do
que nós, é porque o pai deles é comerciante e pode olhar os filhos. Nós, com
meu pai vivendo fora, na lavra, e mamãe querendo ir sempre atrás dele,
teremos mesmo de ser como somos.

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