5 - Depressão

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Estava bem ontem, mas João não conseguia levantar de sua cama hoje. O que sentia era indescritível, haviam dias bons e na maioria ruins. Em dias bons, era livre e leve, cada coisa que falavam para ele era como uma conquista. Sim, ria a toa, era bom sentir o calor do sol em seu rosto, a brisa batendo, o verde das plantas era tão vivo, mas ao dormir e se levantar novamente. Sua vida havia tornado-se cinza, lágrimas escorriam de seus olhos por simples bom dia que recebia, não estava bem, ninguém até hoje conseguira o ajudar. Parte desse processo, era carregar sua mochila, que estava sempre sobre suas costas, com pesos de duzentas toneladas. Por isso não conseguia se erguer em frente a cada dia. Quando via que as pessoas se sentiam mal, ele ficava pior. Era justo? Ser assim sem motivo, todos tinham suas razões, mas João não. Não se sentia digno, não se sentia vivo, na verdade, não se sentia nada. Seu corpo apenas estava em meio a um quarto escuro, entre cobertas, não tinha reação, mas mesmo assim, sem motivo, lágrimas inundavam seu dia. Ele já havia tentado, tentado de verdade, lutar contra isso, mas quem consegue se levantar carregando tal peso sozinho? Ele sabia que havia pessoas que podia contar, mas elas não sabiam o que ele passava, aliás, não entendiam.

Eu mereço morrer?

Pensava nisso todos os dias que estava em tal situação. Mas pensava também que isso traria problemas a pessoas que talvez tivessem algum sentimento por ele.
Sentimentos, fazia, realmente um bom tempo que não os tinha. Não se lembrava do que era raiva, do que era amor, do que era paixão, de suas cores, de nada, não, não, não, não, ficava louco só de pensar que um dia fôra normal. Sua vida era mórbida. Nesses momentos que pensava muito em suicídio. Não sentia o menor prazer em respirar.
Ao lado de sua casa haviam feito uma mudança no dia anterior a esse. Uma jovem de uns vinte e poucos anos estava coordenando uma equipe que carregava uma caixa gigantesca para dentro da casa. João estava muito bem naquele dia, e enquanto aproveitava um devaneio de sua mente a viu, ela era linda, jovial, na verdade, tinha quase a mesma idade que ele. Sentiu-se atraído a ela. Seu sorriso era encantador, e ao se lembrar dele, conseguiu sair de sua cama. Ao se dirigir para a cozinha, sua janela aberta estava de frente a um dos cômodos da casa. Ela estava abrindo a caixa gigantesca que vira no dia anterior. Um piano de cauda, preto, com detalhes vermelhos nas bordas surgiu em meio ao monte de papelão. Na sala não havia nada além dele, apenas o piano, uma pequena cômoda que devia ter partituras e  o banco. Ela viu João, que ficou sem graça por estar, de certo modo, espiando. Ela, novamente sorriu, e acenou, deixando parte do peso de João de lado naquela ocasião, e, abriu a janela, já que na verdade ainda era cedo.
- Venha, eu vou tocar um pouco!
João aceitou com a cabeça e dirigir-se à casa da moça. Lá conversaram sobre assuntos diversos, tomaram café, e ela se sentou ao banco para começar a tocar. O som dela era colorido, ecoava por todos os lados da sala. As notas flutuavam pela sala,   e quando chegou perto de seu corpo, as notas explodiam em cores e cheiros, sensações que João nunca sentira antes. Sentiu todo o peso de sua mochila ir embora. Ela o chamou para tocar junto. Mesmo nunca tendo tocado piano antes, já havia tocado outros instrumentos, e isso o ajudou bastante a fazer coisas simples no piano, o som de Mozart, Beethoven, Saint-Saens, Tchaikovsky, invadiu o quarteirão, dando bom dia aos outros vizinhos.
João sentiu em muito tempo, algo que achou que não existisse mais: amor. Sim, algo que para os outros é, de certo modo, banal, foi a salvação de João, foi o que o fez, sair, de um ciclo finito que não acabaria bem.

Sentimentos à Flor da PeleOnde histórias criam vida. Descubra agora