One

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Acordei, e a minha frente vi a mesma parede de sempre, o tom azul pastel que coloria meu quarto já estava enfraquecendo devido aos muitos anos sem uma pintura renovada.

Tudo bem, isso acontece, nada é para sempre.

E hoje, quem ficou mais velha fui eu, assim que o dia clareou.

Já se passou muito tempo, e a vontade de sair só cresceu. Hoje, eu sinto que estou transbordando.

17 anos. 17 anos da minha vida sem ter contato com nenhum outro ser humano a não ser minha mãe e meu irmão, e ela sempre diz que só quer me proteger... Mas algo me diz que não é só isso, eu desconfio que algo a traumatizou depois do meu nascimento. A minha vida toda eu passei trancada nessa casa enorme, sem poder sair. Ela dizia que era perigoso demais, que o mundo estava um caos agora e que ela não queria deixar nenhum mal me atingir.

Por muito tempo, meu convívio aqui foi natural, sempre brotavam perguntas na minha cabeça, mas minha mãe tinha as melhores respostas, como se houvesse um roteiro.

Com o passar dos anos, eu fui me perguntando o porquê.

A janela pequena acima da minha cama foi me deixando angustiada e contente.

Contente por saber que lá fora não era um caos, era só o mar, e o mar sempre foi lindo desde que eu me lembro. Ele sempre me chamou para conhecer seus segredos.

O mundo, visto daquela pequena janela me pareceu encantador.

Então por que para a minha mãe era tão ruim?

Tudo o que quero é descobrir. Explorar lá fora o que talvez já tenha sido navegado, mas de um jeito diferente. Do meu jeito.

Viver livre acima de tudo.

- Feliz aniversário! - Minha mãe me abraçou quando me viu aparecendo na cozinha.

- Eu amo você, filha! Nem posso acreditar o quanto você cresceu. - Ela chorou e eu sorri, ela sempre fica emocionada ao dizer o quanto me ama.

- Obrigada, mamãe, eu também a amo muito, sou grata por tudo que a senhora sempre fez por mim... - Enxuguei suas lágrimas e ela sorriu.

- Posso ver um filme? - perguntei, e ela me olhou com um semblante apreensivo, tudo para minha mãe parece perigoso. Às vezes é irritante.

- E qual a classificação indicativa? - Disse ela voltando a cortar as batatas.

- mas eu já tenho 17 anos! Mais um ano e eu vou poder ver todos os filmes! - Me joguei no sofá rindo.

- Vá com calma, Maria Luiza. - Alertou ela e eu levantei para pegar uma maçã.

- o Guilherme ainda não acordou? - ela negou com a cabeça. - Hoje é sábado e o professor não vem dar aulas para vocês, mas vou acordá-lo.

Dei de ombros.

Gosto de estudar, mas não tem motivo se eu nunca vou poder passar isso a frente, e compartilhar do que eu aprendi.

Corri para o meu quarto e subi na minha cama mais uma vez.

Morávamos de frente para o mar, e eu sempre ficava o admirando em noites estreladas.

Eu sou uma garota obcecada pelo mar, não sei se é normal ou não mas tudo nele me encanta.

Às vezes, nos dias de sábado bem cedinho, os passarinhos passam cantando e me acordam, e eu posso ouvir a melodia suave que eles ecoam. Tudo se encaixa. O barulho das ondas, o canto dos passarinhos, o céu colorindo-se com a cor dourada do sol.

Cenas que só a natureza nos proporciona assistir.

- Feliz aniversário, mana! - o menino baixinho e feliz apareceu na porta e eu sorri. - É para você.

- Obrigada! - Mordi o cupcake que estava na mão dele e ri.

- Quando você fez isso? - O olhei desconfiada.

- Eu fiz quando você estava estudando... Está muito bom, não é? - Ele disse e eu ri.

- Ah, está mesmo. Você devia ser chefe de cozinha quando crescer. - Baguncei seus fios castanhos claro e ele estreitou os olhos. Levei o pequeno cupcake à sua boca para ele poder saborear.

- Vou tomar banho. - Ele disse e ia saindo, mas voltou e me encarou sério.

- Estava olhando o mar de novo? - Indagou o curioso menino na minha frente.

- Estava, mas não conte a mamãe. - Fiz um sinal de zíper com a boca e ele repetiu.

- A mamãe sempre nos diz que nesse mar moram monstros horríveis que devoram seres humanos. - Ele me olhou com os olhos arregalados.

- Você só tem 8 anos, ela não devia assustá-lo assim... - O abracei. - Não sabemos que tipo de monstro o mar abriga, nos dois nunca nadamos.

- Eu acredito na mamãe. - Guilherme deu de ombros saindo.

A possibilidade dela estar mentindo já me causava tristeza.

Eu cresci acreditando em monstros marinhos, pessoas que matam as outras por nada. Só pelo prazer de fazer maldade.

Isso me parece absurdo. Não quero que ela esteja falando a verdade.

Por aquele pequeno espaço de planeta visto da minha janela, eu posso ver aquela imensidão azul intenso, e ali não parece ser um lugar ruim de se estar.

Eu só quero nadar, será que é mesmo tão mal assim?

Eu só quero sentir como é aquilo, sentir água mais do que me é permitido e ela nunca transbordar como na minha banheira.

Eu não me importo se é perigoso.

Pelo mar, eu enfrento os perigos.

Pelo novo, eu enfrento o desconhecido e já esperado.

E o que devo esperar do lado de lá?

Pessoas amigas? Pessoas más?

Monstros de que tamanho?

O meu sonho é explorar.

- Tudo bem, Malu? - Minha mãe adentrou o quarto e eu assenti rapidamente. Não quero que ela pense que eu estou planejando sair, mas estou.

- Estou com fome. - Saí do quarto e a deixei lá. Pode parecer rude mas foi o melhor a fazer, não consigo mentir para a minha mãe.

Aposto que ela acharia ingrato da minha parte querer sair de barra da saia dela depois de tanto tempo de sua super proteção.

Mas eu acho que preciso enfrentar as dificuldades de lá de fora sozinha também, mesmo que isso me assuste um pouco.

É preciso ter coragem.

Eu vou atrás de aventura hoje, depois da meia noite, quando o dia virar de lado na cama, ninguém vai notar uma garota curiosa e em busca de novas expectativas.

Acredito que todos estejam muito ocupados vivendo suas vidas.

Eu posso viver a minha também, por que não?

Por Trás do Mar (HIATUS) Onde histórias criam vida. Descubra agora