Embarcados - II

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Então, seguiram-se dias de sol escaldante que cozinhava a cabeça do pequeno Bérin. Seu rosto antes branco, agora estava todo vermelho e inflamado.

Mona tentou puxar assunto com ele após a tempestade, mas ele mal conseguia falar.

— É tudo culpa sua... se não tivesse sido uma enxerida, estaríamos viajando por terra, e em segurança.

Depois disso calou-se, exausto. Mona ficou com pena dele. Aportaram em Homenase, um reino vizinho de Lacoresh, para consertar o navio.

Uns dias ali foram bons para a tripulação e passageiros recuperarem as energias. Principalmente para Bérin, que melhorou um pouco sob os cuidados de Mona. Valéria apoiou, pois se deixasse por conta de Syrun, o pequeno estrangeiro poderia bem morrer sem produzir o antídoto.

As notícias que tiveram de Lacoresh foram no mínimo, interessantes. O reino havia quase sido varrido do mapa após a praga de mortos-vivos que o assolou. Três das grandes cidades remanescentes tornaram-se reinos independentes, mas recentemente, um conflito acabou resultando na reunificação do reino sob o comando de um novo Rei, Edwain de Kamanesh.

Já estavam bem próximos do destino e Valéria ainda tinha nove doses do antídoto. Um dos magos homenaseanos chegou a vir à bordo do navio para examinar Valéria, mas não obteve sucesso na neutralização do veneno.

Bérin finalmente cedeu aos questionamentos de Mona. Eu gostava de observar os dois, pois também estava curioso. Nunca havia visto seres assim, nem mesmo em eras passadas.

— Você poderia colocar seu povo em perigo se falar para estranhos alguma coisa a seu respeito?

Bérin olhou-a desconfiado — Não, nada disso. Meu povo, provavelmente está todo morto a esta altura. Os demônios encontraram nossa cidade. Foi uma loucura. Se não morreram, foram capturados para assimilação.

— Assimilação?

— É... Os malditos tentam seduzir ou quebram sua vontade para arrastá-los consigo.

— Não sei muito sobre demônios, exceto lendas da grande invasão que foi repelida há muitos séculos.

— A ignorância de vocês me assusta.

— Por favor, fale sobre seu povo.

— Meu povo, nem sempre teve essa aparência doentia. Já fomos belos e capazes de grandes feitos, mais até mais que os elfos.

— Elfos? Mas não passam de lendas...

— Suponho que o sejam, de uma forma, pois boa parte deles também sofreu consequências terríveis próximo do final da grande guerra. Os seus descendentes, os fracos e perecíveis Silfos, assim como nós, são apenas mera sombra de raças superiores extintas...

— Vocês são descendentes dos grandes homens?

— Sim, somos o que restou dos Vetmös que seguiram o comando do Imperador Merrin. As escrituras antigas que estudamos e preservávamos se referem a nós como os Amaldiçoados de Merrin. Mas sejamos justos, não podemos atribuir toda culpa da grande tragédia da Era Maldita a apenas um homem. A verdade é que a grande maioria dos nossos antepassados se acreditavam como iguais aos deuses em direitos e poderes. Mas a única coisas realmente grande que possuíam era uma ambição desmedida. Estavam cegos quanto às intenções dos demônios. Foram tolos em crer que podiam controlá-los.

— E os demônios agora estão de volta.

— Sim, eu antevi o retorno deles.

— Por que não fez algo a respeito?

— Tentei convencer o conselho, mas os cabeças duras achavam que nossa cidadela era inalcançável. Estavam errados. Apenas eu e talvez um punhado de outros guardiões conseguiu escapar trazendo relíquias.

— Que relíquias?

— Eu trouxe a matriz de nexo que poderá salvar Lacoresh. Outros colegas estavam com antigos artefatos do Hostenoist. Não sei se escaparam.

— Como as lâminas elementais de Syrun?

— Se seu chefe idiota soubesse do poder que elas realmente têm...

— Bem, já o vi fazer coisas impressionantes com elas.

— Bah, duvido...

Era verdade o que o pequenino dizia. Syrun não sabia lidar nem com metade do potencial das espadas. Eu nunca fiz questão de ensiná-lo... O ego dele poderia até explodir se o aprendesse.

— Por que resolveu vir até nós? Não havia um outro jeito?

— Sim e não. Coisa complicada. Meus sonhos mostram lampejos do futuro. Uma imagem que vi, foi da matriz do nexo reintegrada à antiga torre protetora de Taux'Te. Também vi o mercenário com as antigas espadas, demônios e morte vindos do mar.

— Já pensou que você pode estar tentando escapar destas visões, mas esteja preso a confrontá-las?

— O pior é que pensei.

— Então veja o lado bom. Ao que parece, estamos nos aproximando do sucesso da missão.

— É talvez, mas não confio tanto em premonições. São como castelos de areia. Podem ser soprados pelo vento, ou engolidos pela maré.

Bérin olhou para Mona com novo interesse.

— O que uma garota esperta como você, faz viajando com um cara estúpido como Syrun?

Ela riu para dentro.

— Acho que não sou tão esperta... A primeira coisa é que ele salvou minha vida. Mas não o sigo por causa desta dívida, o problema é que ele roubou meu coração. A despeito das coisas ruins, eu o amo. Não consigo deixar de amar.

— Ah, o amor. Ouvi falar disso. Felizmente, meu povo encontrou uma solução melhor para promover a perpetuação da espécie.

— Mas o amor é mais que isso...

— Bem, isto é o que você pensa. Mas não é nada mais que isso, um instinto de procriação, como nas criaturas, só que mais refinado. E que pode causar muitos problemas, isto sim, se quer saber minha opinião.

— É, nisso eu vou concordar, senhor Vorianu. É um grande causador de problemas.

E então Syrun voltou à bordo do navio acompanhado de Mirna, ambos sorridentes. Os dias em terra junto com ele fizeram o sorriso da garota voltar ao rosto. Era uma coisinha bonita de se ver. Agora era hora de seguir com a etapa final daquela viagem. Segundo os planos, em dois dias estaríamos atracando em Lacoresh.

O Bando de ValériaOnde histórias criam vida. Descubra agora