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A aula de filosofia corria monótona. Michonne sempre se sentava na carteira na frente de Carol, lá pelo meio da sala.

"Imagino que todos vocês tenham concluído seus testes vocacionais semana passada. O resultado sai amanhã. Quero que façam um relatório sobre suas expectativas em relação ao futuro, ao que acham que vai ser o resultado, a como acham que isso vai influir na sua escolha de uma carreira... enfim. Só pra aquecer nesse começo de bimestre", sorriu o professor.

Eles estavam no penúltimo ano do colegial. Todo mundo estava meio ansioso e meio de saco cheio sobre esse assunto.

"Além disso", prosseguiu o professor, "quero que façam esse trabalho em duplas... escolhidas por mim", ouviram-se murmúrios descontentes pela sala. "Para que vocês troquem ideias com pessoas que talvez não tivessem contato antes."

"Maggie e Paul. Rick e Michonne. Glenn e Daryl..."

Carol estava distraída até esse momento, quando viu-se olhando para Daryl e percebendo que ele só olhou em volta meio perdido. Glenn, ao lado de Carol, acenou para o rapaz, que gesticulou com a cabeça para indicar que o tinha visto. No segundo seguinte, porém, Daryl voltava a parecer muito perdido naquela aula, olhando para o nada e parecendo impaciente.

Carol voltou a atenção para a frente enquanto o professor continuava a falar nomes. Rick se sentava praticamente ao lado de Michonne, e olhava para ela como se tivesse sido absolutamente sortudo com a escolha das duplas.

"Ahn... hey", ele disse.

"Oi", respondeu Michonne sem emoção.

O sorriso no rosto dele minguou.

"Não parece muito feliz em ter que fazer isso comigo", ele soltou, meio ofendido.

"Ah... não. Nada pessoal, Rick", Michonne respondeu muito polida. "Não se preocupe. É só que eu acho que não temos muito em comum." E continuou olhando para o professor.

Rick ficou em silêncio, parecendo intrigado. Inclinou a cabeça para o lado e apertou os olhos por um instante. Aos poucos um sorrisinho se formou no canto de sua boca. Mas Michonne não estava olhando.

*

Carol deu um sorriso estranho para Michonne quando elas estavam saindo para o almoço:

"Ei. Por que você falou aquilo com o Rick Grimes?" Michonne sempre era sincera, mas isso tinha sido... estranho.

"O quê...? Ah. Sei lá. É a verdade. Ele é o modelo de bom moço. Ouvi falar que quer ser policial. E eu tenho um pé atrás com gente assim. Vai ser esquisito falar dos meus planos com alguém assim..."

"Alguém assim... você não sabe exatamente como ele é", ponderou Carol.

"É...", Michonne só tentou encerrar o assunto. "Com quem você vai fazer o trabalho mesmo?"

"Um cara chamado Morgan, nunca nos falamos."

"Cadê o Glenn? Ele tá muito sumido no horário de almoço ultimamente."

"Nah. Parece que ele venceu na vida."

Carol apontou com a cabeça para uma mesa no meio do refeitório. Glenn estava sentado, rindo e conversando com a garota mais popular do ano deles. Maggie Greene usava o cabelo castanho num corte chanel e seus grandes olhos verdes eram muito expressivos. Ela era muito simpática e bonita. Na mesa, também estava Rick Grimes e uma garota latina chamada Rosita, que tinha cara de poucos amigos e era a garota dos sonhos de praticamente todos os caras ali.

Elas foram procurar uma mesa, e passaram por Glenn na mesa de pessoas populares. Ele olhou para elas de um modo significativo, como se quisesse dizer um monte de coisas. Elas o olharam de volta com solidariedade.

"Já tem um tempo que o Glenn tem crush na Maggie. Tô feliz que as coisas tão acontecendo pra ele", comentou Carol.

"É verdade. Agora esse Rick Grimes parece estar em todos os lugares..." Michonne levantou uma sobrancelha, percebendo que Rick olhava para ela à distância.

"Ele e a Maggie são representantes do nosso ano, lembra?"

"É, lembro. Vamos parar de falar dessas pessoas?"

"Ok", concordou Carol.

*

Elas estavam indo embora quando Carol viu Daryl novamente. Ele estava no estacionamento, montado na moto, fumando e parecendo
esperar alguém. Carol tinha realmente notado que o irmão dele, Merle, um cara rude e desagradável, não tinha aparecido hoje. E Daryl parecia completamente perdido sem ele.

"...então eu não vou mais treinar boxe aqui, já que posso treinar MMA ou alguma outra coisa na academia do meu pai, e se entrar nos torneios da escola, ganho meus créditos para a faculdade de qualquer jeito."

Michonne estivera falando mas Carol não estava prestando atenção totalmente. Seus olhos eram atraídos para a figura solitária de Daryl, esperando.

"Ah", fez ela.

"É hoje o teste dos cookies?"

"É."

"Não tem como eles não amarem", disse Michonne.

"Obrigada, Mich. Eu preciso de um emprego... ou algo do tipo."

"Vai dar certo."

Quando olhou de novo, Daryl estava conversando com Rick. Era a primeira vez que o via tendo realmente uma conversa com alguém hoje, considerando que o vira várias vezes no dia.

"Eu disse", reiterou Michonne, sem se conter. "Ele é amigo de todo mundo. Não me convence."

Carol não soube o que responder. Realmente, Daryl e Rick pareciam não ter absolutamente nada a ver e, ainda assim, aparentemente, eram amigos.

De repente, um carro buzinou na esquina e ouviu-se a voz arrastada de Merle Dixon. Ele estava no banco do carona com o braço para fora, segurando um cigarro.

"'Bora, Daryl."

Daryl despediu-se de Rick depressa, jogou no chão o cigarro de palha que ele próprio fumava e deu partida na moto. E, como um cachorrinho, em silêncio, seguiu o irmão mais velho.

*

Todo mundo sabia alguma coisa sobre os irmãos Dixon mas ninguém sabia a história inteira. Todo mundo sabia, por exemplo, que ambos só iam à escola de vez em quando porque estavam sendo pressionados pelo juizado de menores (muito embora Daryl tivesse 17 anos e Merle 20, mas ainda sem concluir os estudos). Alguns diziam que era por algo como o pai deles estar correndo risco de perder a guarda dos filhos, outros diziam que era a condição para não prenderem Merle por seus pequenos delitos, e coisas do tipo. Outra coisa que ninguém sabia era se Merle estava se formando ou não, porque quando estava dentro da escola, ele só era visto nos corredores e na sala do coordenador pedagógico. Merle tinha seu grupo de caras ameaçadores e Daryl estava sempre sozinho ou com eles, mas sempre parecia deslocado.

*

Carol ficou satisfeita em saber que a padaria queria terceirizar o serviço dos cookies, e meio que contratá-la. Aproveitou para buscar Sophia na escola e contar a novidade em primeira mão. A garotinha a abraçou forte, radiante. Carol sentiu-se iluminada.

Quando chegou em casa, contou para a mãe, que também a parabenizou e abraçou. Então Carol já preparou mais uma fornada de cookies para levar para a padaria no dia seguinte. Estudou um pouco, ajudou Sophia nas lições e teve o dia mais normal possível.

À noite, antes de se deitar --- Sophia já estava dormindo ---, ela ficou um tempo olhando para o punhal antes de colocá-lo de volta sob o travesseiro. Pensou se devia se livrar dele.

Sua vida era normal. Estava se encaminhando. Ela não ia mais precisar daquilo.

Então, passando os dedos sobre o frio metal do soco inglês, ela pensou: eu me livro dele quando estiver me sentindo segura. Quando sentir que não preciso mais dele. E voltou a colocá-lo debaixo do travesseiro.

Essa noite, Carol não teve pesadelos. E não voltou a ver Daryl Dixon por vários dias.

FortressOnde histórias criam vida. Descubra agora