IV

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O som do sino badalava novamente, mas dessa vez era anunciando o almoço. A chuva ainda caia, desde de ontem, ela não quis parar. Era estranho pois ainda era outono. O começo dele ao menos, se mostrava frio e gelado. Mas não é normal chover do jeito que chovia. Março vinha como uma carruagem real, vindo anunciar algo, mas ela não aparece desde o ano novo.

As cozinheiras esbanjaram criatividade no almoço de domingo. Alessa pensava:
"Ainda bem que hoje não tem aula, se eu ter que ouvir aquela professora de ciências me chamar de anjo novamente eu acabo vomitando nela.

-É sempre assim...hum...O...hum...almoço? - Evilyn olhou torto para Alessa, a sua frente, falando de boca cheia.

-Urg. Por favor, acho que não é muito educado falar de boca cheia, e...É um pouco nojento, vamos combinar.

-Desculpe, Ev, é que... Está tão saboroso - ela engoliu.- que não consigo falar, sem comer. Está uma delícia, isso aqui.

-Você nunca comeu carne de galinha, não é? Ah...Eu tinha esquecido de perguntar, de onde você veio? - Evilyn ficou curiosa olhando o cabelo de Alessa.

-Urg, - Alessa se engasgou.- eu? Eu vim da... da... - foi interrompida pela Gabrielly.

-Olá Alessa, onde estava? Te procurei ontem, na sala de aula, onde você se sentou depois? - Gabrielly chegou por trás de Evilyn, que no mesmo minuto, voltou ao seu almoço.

-Fui para o fundo da sala. E para onde você foi, não te vi no dormitório.

-Ah...Eu estava dormindo na cabana.

-Como assim? Que cabana? - Alessa não estava entendendo nada.

-Ah... é que... eu...tenho que ir pegar meu almoço! Que boba eu...é...tchau!

Gabrielly foi em direção ao banheiro, invés de ir na janela da cantina.

-Sério? Você amiga da Gabru? - Evilyn deu uma risada.

-Quê? - que nome horrível para ser um apelido.

-Sim, essa, Grabiely...

-Ga-bri-e-lly! - ela queria soletrar para Evilyn, mas não dava o custo.

-Isso aí... Ela é bruxa. Por isso dorme em uma cabana. - Alessa revirou o olho, e bufou, com um hálito de deboche.

Alessa começou a pensar e remexer a comida fria.

O sino pequeno tocou. Agora anunciava o final do almoço. Elas vão agora, todas, para o pátio, um lugar já visto por Alessa. Apenas na luz da lua da madrugada, mas viu.

Alessa e Evilyn estavam no meio da multidão de meninas que iam alegre ver o sol no final do corredor, que finalmente, resolve aparecer. Alessa se sentia desconfortável, com tantas meninas prensadas, umas às outras.

"Finalmente chegamos ao fim do túnel." pensou Alessa, com cara de exaustão.

-Ah! O ar livre, terra molhada, luz do sol, passarinhos cantando. Ah, não há coisa melhor. - Evilyn disse num tom tão doce, que parecia ter vindo de um desses contos encantados, com finais felizes de algum livro infantil.

-Urg...Que coisa doce. - ela colocou o próprio dedo dentro da garganta, para simbolizar vômito.

Maria apareceu correndo no corredor, com preocupação nos olhos.

-Ufa... Cansei... Alessa, a Madre quer falar com você, naquela porta alí, oh, do corredor. Tá vendo? Aquela alí ó! - Maria apontou para uma porta de madeira velha, corroída, talvez, por cupins.

-O que é que ela quer? - tom sarcástico àquele dela.

-Eu só fui informada disso, não me disseram mais nada.

Alessa deu um suspiro e foi na direção da porta, batendo alto o pé.

Todas as meninas do órfanato olhavam, e cochichavam.

Alessa parou, olhou a todas, e prendeu o cabelo com um galho do chão. Sem fazer mais nada e seguiu o seu caminho.

-Iiii, parece que a novata se enrencou. Tá indo pra onde esquisita? - Lucy se remoeu de inveja por dentro por não poder fazer aquilo com os cachos.

-Não é da sua conta ladra de mingau, o papai urso não te deu educação não cachinhos óxigenados? Ah, esqueci não tem nem pai, nem urso não é?

-Nossa, a camaleão tá irritada. Deve estar muito encrencada mesmo. - Lucy cruzou os braços e olhou de lado para Alessa.

-Desvia-me garota! - Alessa voltou a andar.

Pelas costas dela, Lucy ficou repetindo a palavra "óxigenada" baixo, tentando entender o que era.

Alessa, agora, no meio do corredor, ficou de frente para a porta de madeira, corroída, parte dela pelos cupins. A empurrou, o ranger dela era assustador.

-Entre Alessa, que surpresa você por aqui. - Alessa se pôs a entrar. Madre parecia uma psicopata com a aquela tesoura na mão. -Como você já deve ter percebido, todas as meninas desse órfanato, tem o cabelo curto. É uma forma de evitar, e diminuir os piolhos. Já que você reside no nosso órfanato, deverá cumprir nossa regra. Sente-se... - Madre empurrou uma cadeira na direção de Alessa.

-Mas eu não tenho piolho, nunca tive, e nunca vou ter! - o medo mostrou-se real nos olhos da menina.

-Se não respeitar, terá que sair daqui. E muitas pessoas na vila, aposto, vão querer uma quase bruxa dentro de casa. - Madre ameaçou, não era brincadeira não meu povo.

Alessa refletiu um pouco. Pensou como sobreviveria fora daquele órfanato, de onde tiraria a sua comida, onde dormiria. Então veio a resposta:

-Tudo bem, farei. - uma lágrima escorreu no olho da menina.

-Sinta-se em casa. Ah, desculpe, voce não tem... - Madre empurrou mais um pouco a cadeira. Credo em cruz, não quero essa velha nem vigiando meus cachorro.

Alessa seguiu, se sentou. A Madre tirou aquele galho, (gentilmente, horroroso.) e começou a cortar.

Enquanto ela cortava as mechas, cabelos iam caindo no colo de Alessa, mas não eram mais azuis, eram brancos, brancos sem vida, um branco que caia entre os dedos de Alessa, junto às lágrimas dela.

Os cabelos anelados azuis que iam até o seio agora eram cabelos lisos que paravam no ombro, ainda azul, mas não tinha o mesmo brilho de antes.

A cabeça de Alessa moveu-se para cima, com as mãos trêmulas, cheias de fios brancos. Os olhos que eram cor de mel, agora eram cor de sangue.

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⏰ Última atualização: Jun 16, 2018 ⏰

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