Cap 59. Guilty

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Domingo Camila tentou ficar o máximo de tempo possível falando comigo.  Eu me sentia dividida entre não querer atrapalhar seus estudos e a querer por mais tempo, do jeito que fosse. Cheguei perto de contar que eu tinha saído na noite anterior várias vezes, mas sabia que isso resultaria numa briga e era tudo que não precisávamos naquele momento. 

Eu não tinha feito nada demais, além de sentar e beber. Mas o fato de ter sido com Alexa seria o bastante pra gerar um stress enorme, então me convenci que na verdade eu estava fazendo um bem escondendo isso dela. Era só não fazer novamente.

Minha semana começou cheia e eu nunca sabia se voltar pro meu apartamento no fim do dia era um alívio ou um tormento. Eu ainda não tinha me acostumado com o vazio, não conseguia entender como vivi sozinha assim antes. Eu pensava toda hora em ligar pra Camila pedindo pra que ela voltasse, mas me segurava sabendo que esse era um impulso muito egoísta, até mesmo para os meus padrões.

Na quarta, depois de mais uma interminável reunião do conselho, me joguei no sofá. Paçoca pulou em minha barriga, empolgado como sempre, e sorri um pouco retribuindo seu carinho. Tirei minhas botas com os pés e as joguei no chão sem cuidado. Virei minha cabeça para olhar os souvenirs de Nova York que Camila tinha posto na mesa de centro.

Eu não me sentia lá e ela não estava aqui, pensei emburrada. Nos últimos dias, suas ligações e seu cuidado pra me incluir em sua vida, começaram a ter o efeito contrário. Ao invés de me acalmar, fazia com que minha saudade crescesse ainda mais. Decidi que iria passar uns dias com ela, sabia que isso era tudo que eu estava precisando.

Fiquei mais um tempo deitada com o Paçoca, que se aconchegou em meus pés se preparando pra dormir. Assim que comecei a me sentir menos deprimida, peguei meu celular e liguei pra Camila. Antes do primeiro toque, meu coração já disparou, estava ansiosa para ouvir sua voz.

- Oi amor. - Atendeu doce com sempre.

Fechei meus olhos e não contive o sorriso bobo que ela sempre causava.

- Oi amor. Estou atrapalhando?

- Não, você nunca atrapalha. Chegando agora em casa?

Respondi com um som nasal e ela continuou.

- Como foi a reunião?

- Chata.

- Só chata?

- Sim.

Camila sorriu e eu também. Esse diálogo já estava virando uma tradição entre a gente.

- Eu estou com saudades, amor. - Voltou a falar mais séria.

Dessa vez apenas respondi com a primeira coisa que veio em minha mente.

- Volta pra cá.

Ela respirou fundo, como se estivesse realmente pensando na possibilidade.

- Você não pode me falar isso com essa voz de filhote abandonado, eu fico realmente tentada a fazer o que me pede. - Disse sorrindo após um tempo em silencio.

- Volte e assuma a presidência da construtora, assim resolve meus dois problemas ao mesmo tempo. – Falei rindo, tentando manter a conversa leve.

- Mas o conselho não está querendo que um Jauregui assuma?

- Você será uma Jauregui em breve. Se voltar hoje, casamos amanhã e isso também fica resolvido.

Falei ainda sorrindo, mas essa brincadeira, assim como todas as outras, tinha um fundo de verdade. Camila sorriu também, talvez sabendo disso.

- Quero uma festona de casamento, Lo. Você não vai se livrar disso tão fácil assim.

- Bom, pelo menos eu tentei.

- Já decidiu o que vai fazer com a Construtora? - Perguntou com uma certa preocupação.

- O Conselho acha incoerente o fato de nenhum dos sócios majoritários trabalharem lá. Não entendem porque simplesmente não vendemos.

- E você não quer vender?

- Não. Mas também não sei se estou pronta pra assumir um cargo assim.

- Amor, você disse que estagiou com seu pai durante todo seu curso, você conhece a empresa e é competente, claro que está pronta.

- Não é só isso, Camz. Tem a J+I, nós estamos indo muito bem. Eu gosto do que faço e não quero sair de lá. E tem a Vero também, somos uma dupla, sei que posso confiar nela. Assumindo a construtora estarei sozinha comandando algo bem maior do que quero nesse momento.

- Você pode integrar o escritório a Construtora, caso decida assumir a presidência. - Camila sugeriu.

- Amor, você é meio que uma gênia. - Falei vendo pela primeira vez uma luz no fim do túnel.

- Eu sei. - Disse sorrindo convencida. - Pense com calma em suas opções, eu sei que você vai tomar a melhor decisão. Eu estarei aqui lhe dando todo o apoio.

- Isso é o mais importante. - Camila tinha conseguido, como sempre, me deixar mais relaxada. Por outro lado, a saudade passou a apertar ainda mais. - Vou dar um jeito de lhe visitar logo. Arranje algum tempo pra mim.

- Está brincando? Tenho todo o tempo do mundo pra você. - Ela ficou claramente feliz com a noticia.

- Eu queria ir nesse fim de semana, mas está muito em cima, não sei se terá como. Mas irei logo.

- Keana estará aí nesse fim de semana, não é? - Eu tinha comentado com Camila anteriormente sobre isso e fiquei surpresa por ela lembrar.

- Sim.

- Se comporte, tá bem?

- Sim, senhora.

- Estou ansiosa pra lhe ver logo. Vou esmagar sua cabeça.

- Carinhosa como sempre.

- E também vou dar uns beijinhos pra compensar.

- Assim é melhor. - Sorri e me levantei do sofá, finalmente criando coragem para tomar um banho. - E como estão as coisas por aí?

- Acho que essa semana finalmente termino o projeto inicial. Se o professor não inventar que eu preciso ler um artigo em mandarim ou alguma dessas coisas malucas que ele tira não sei de onde.

Sorri um pouco e Camila continuou com sua tagarelice habitual, contando tudo, desde o tombo que levou na sala de aula até as fofocas mais recentes da universidade, sem se importar com o fato de que eu não fazia ideia de quem era as pessoas das quais falava. Na verdade, nem eu me importava com isso. O poder que o som da sua voz e de sua risada tinha sobre mim era inacreditável, quase um tranquilizante natural.

Infelizmente, conversas longas assim não aconteciam todos os dias. E eu sabia que agora seria mais raro ainda, uma vez que ela teria que adiantar algumas coisas pra quando eu fosse visita-la. Mas apesar de tudo, estávamos indo bem. Não brigávamos fazia algum tempo, as duas se esforçando para que a distancia fosse nosso único problema.

Com isso em mente e me convencendo mais uma vez de que era a coisa certa a fazer, não avisei Camila quando decidi sair na quinta feira com o Matos, Claire e o pessoal do escritório. Liguei pra ela dentro do carro, dizendo que estava indo pra casa. Ela avisou que dormiria logo, pois teria aula cedo no outro dia.

Cheguei em casa mais tarde do que previ incialmente, mas ainda em condições de dirigir. Dormi abraçada com o Paçoca e tive a impressão que o despertador tocou minutos depois que eu fechei os olhos.

Minha cabeça doía e eu senti a sensação familiar de ressaca, antes de levantar, conferi o meu celular, Camila tinha mandando uma mensagem logo cedo.

Tenha um bom dia, amor. Eu te amo e sinto mais saudades a cada minuto.

Reli algumas vezes antes de bloquear a tela. Afundei ainda mais a cabeça no travesseiro e apertei meus os olhos brevemente, sentindo a sensação não tão familiar assim de culpa. 

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