Continuação

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Alguns segundos depois, o inglês desaparecia na noite.
Na manhã seguinte pagou a conta do hotel e tomou o Brabant Express para Paris. Corria o dia 22 de julho. Sentado à sua mesa, o coronel Roland, chefe do Serviço de Ação do SDECE, lia dois relatórios de rotina que tinham chegado naquela manhã.Ambos referiam um nome que o intrigou.
O primeiro relatório era a sinopse de um despacho de Roma comunicando que Rodin, Montclair e Casson continuavam enclausurados na sua suíte do último andar. Mantinha-se o processo que lhes permitia contatarem o mundo exterior ("ver relatório de Roma de 30 de junho"). O correio continuava a ser Viktor Kowalski. Fim de mensagem. O coronel Roland folheou um dossiê pousado sobre a mesa, ao lado da cápsula de granada serrada de cento e cinco milímetros que lhe servia de cinzeiro, e os seus olhos percorreram o relatório de Roma de 30 de Junho. Todos os dias, leu, um dos guardas saía do hotel e dirigia-se a pé à estação principal dos Correios, onde a OAS tinha um apartamento em nome de Poitiers. O guarda fora identificado como Viktor Kowalski, membro da primitiva companhia de Rodin na Indochina. Qualquer tentativa para interferir na recolha do correio da OAS acarretaria um surto de violência, já rejeitado por Paris. Fim de mensagem. O coronel Roland pegou o segundo relatório. A Polícia Judiciária de Metz informava que fora interrogado um homem identificado como desertor da Legião Estrangeira chamado Sandor Kovacs. Kovacs era procurado devido a uma série de assassinatos terroristas perpetrados pela OAS na Argélia em 1961. Nessa altura atuara em cumplicidade com outro atirador da OAS ainda à solta chamado Viktor Kowalski. Fim de mensagem. Roland apertou uma campainha e pediu o dossiê de Kowalski. Decorridos dez minutos, traziam o arquivo e passou uma hora a lê-lo. Depois chamou o seu secretário pessoal e um especialista caligráfico da Documentação.
— Senhores — disse —, vamos redigir e enviar uma carta.

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Pouco antes do almoço, o trem do Chacal chegou à Gare du Nord, onde ele tomou um táxi que o conduziu a um hotel pequeno, mas extremamente confortável, próximo da Place de la Madeleine. Nele se instalou tranquilamente, tomando o café da manhã com croissants e café no
quarto. Numa charcutaria das imediações comprou uma geleia de doce de laranja para substituir o doce de groselha preta servido no café da manhã no hotel. Era cortês com o pessoal e falava algum francês, com a habitual pronúncia atroz dos Ingleses.
— Monsieur Duggan — disse um dia a proprietária ao recepcionista — é extrêmement gentil.
No primeiro dia comprou um mapa de Paris e assinalou os lugares de interesse que mais desejava ver. Lugares que visitou e estudou com extraordinário empenho. Durante três dias rondou pelas proximidades do Arco do Triunfo. Do Café de l' Élysée observou os telhados dos edifícios que rodeavam a Place de l' Étoile, no centro da qual se ergue o memorial. Depois de visitar o ossário dos mártires da Resistência Francesa, em Mont-Valérien, foi aos Inválidos, onde se encontra o túmulo de Napoleão.
Interessou-se sobretudo pelo lado ocidental da enorme Place des Invalides, e passou uma manhã sentado num café da esquina. Quem o visse, não adivinharia com certeza que o elegante turista que admirava a arquitetura calculava mentalmente que do sétimo andar do edifício que lhe ficava sobranceiro, o 146 da Rue de Grenel e, um homem armado poderia dominar a maior parte da praça.
Um bom lugar para uma última resistência, mas não para um assassinato.
A distância entre as janelas mais altas e o ponto onde os automóveis parariam, na base dos degraus, era superior a duzentos metros. Passou um dia nas imediações de Notre-Dame. Aí os telhados, ao longo da minúscula Place Charlemagne adjacente, eram muito unidos, e seria fácil às forças de segurança enchê-los de vigias. Por fim visitou o largo em tempos chamado Place de Rennes e a que posteriormente fora atribuído o nome de Place du 18 Juin 1940, em memória do dia em que o altivo exilado em Londres pegara no microfone para dizer aos Franceses que, por terem perdido uma batalha, não haviam perdido a guerra. Aquela praça, limitada a sul pelo volume acachapado da Gare Montparnasse, fez parar o assassino. Depois de observar o trânsito que descia o Boulevard du Montparnasse, que atravessava a praça de leste para oeste, o Chacal olhou para norte, para os edifícios altos e estreitos que se erguiam de ambos os lados da Rue de Rennes, sobranceiros à praça.

Espreitou, através da grade, o átrio da grande estação dos caminhos de ferro. Na semana anterior examinara todos os lugares que se esperava fossem visitados pelo presidente da França no dia previsto. Era indubitavelmente aquele o que lhe oferecia a maior garantia de êxito. Com um olhar prático, o Chacal examinou todos os edifícios que dominavam o átrio. A própria estação estaria cheia de homens da segurança. No entanto, as duas primeiras casas de ambos os lados da Rue de Rennes, no ponto em que esta desembocava na praça, eram escolhas óbvias. Para lá delas, o angulo de tiro para o átrio tornava-se excessivamente apertado.

O Chacal aproximou-se e observou mais de perto os prédios residenciais que escolhera como possibilidades. Acima dos cinco ou seis andares de fachada de pedra havia parapeitos, e a seguir telhados íngremes onde ficavam os sótãos, rasgados por janelas de trapeira — outrora alojamentos da criadagem, atualmente habitações dos pensionnaires mais pobres.

Os telhados e as janelas seriam certamente vigiados no dia em questão. Mas o último andar abaixo dos sótãos, além de suficientemente alto não seria visível do lado oposto da rua. Como esperava disparar no meio da tarde, aguardou até as quatro horas, momento em que pôde verificar que o Sol, no seu movimento para ocidente, se encontrava ainda bastante alto para brilhar nas janelas dos apartamentos do lado leste da rua.
Restavam-lhe portanto os dois prédios do lado ocidental, em cujas janelas mais altas incidia apenas um raio oblíquo. No dia seguinte sentou-se num banco da Rue de Rennes, perto das portas dos dois prédios que ainda lhe interessavam.
Sentada a uma das portas, a porteira tricotava. Pelo modo como dizia um “Bonjour, monsieur” às pessoas que entravam ou saíam do seu prédio, e pelo sorridente " Bonjour, Madame Berthe" que todas as vezes recebia em resposta, o observador sentado no banco a seis metros de distância calculou que ela devia ser uma boa alma, compadecida por todos os infelizes deste mundo. Pouco antes das quatro horas, a mulher meteu o tricô numa ampla sacola e, de chinelos, desceu a rua até a padaria.

O Chacal levantou-se e entrou no prédio. Precipitou-se silenciosamente pela escada que subia contornando a caixa do elevador. No sexto andar, duas portas davam acesso a apartamentos voltados para a frente do edifício. As placas respectivas indicavam os nomes de "Ml e Béranger" e "M. et Mme Charrier". Escutou, mas não ouviu ruído algum em qualquer dos apartamentos.

Examinou as fechaduras, estavam ambas cravadas na madeira maciça e tinham provavelmente como canhão uma grossa barra de aço. Constatou que precisaria de chaves... e Mme Berthe tinha com certeza uma de cada apartamento no seu pequeno cubículo.
Poucos minutos depois descia rapidamente a escada. Em cada andar havia um patamar de serviço, com uma saída de emergência. No primeiro andar abriu a porta e transpôs com o olhar o pátio interior. O lado oposto do largo formado pelos prédios era atravessado por uma passagem coberta. Quando saiu do edifício, virou à esquerda subindo a Rue de Rennes, passou por uma estação dos Correios, contornou a esquina e encontrou-se numa travessa estreita que dava acesso a um pátio banhado de sol. No lado oposto divisava os últimos degraus da escada de emergência do prédio de onde saíra. Encontrara a sua via de fuga.
Ao chegar à esquina do Boulevard du Montparnasse, um policial de motocicleta parou no cruzamento, encostou a máquina à beira do passeio e começou a mandar parar o trânsito. Soaram sirenes de carros da Polícia e o Chacal viu um cortejo de veículos vir na sua direção. Precediam-no dois motociclistas de reluzentes capacetes brancos, seguidos pelas bocas-de-sapo de dois Citroëns DS.
Inclinando-se para a direita, os motociclistas entraram velozmente na Avenue du Maine, seguidos pelas limusines. No banco de trás do primeiro automóvel via-se um vulto alto, de terno cinzento-antracite. O Chacal teve um vislumbre da cabeça ereta e do nariz inconfundível, antes do cortejo desaparecer. "Da próxima vez que vir a sua cara", disse silenciosamente à imagem desaparecida, "será através de uma mira telescópica."

Depois meteu-se num táxi e regressou ao hotel. As seis da tarde dirigiu-se a um pequeno café, de onde fez um telefonema de longa distância para o estúdio de Bruxelas. Mais abaixo, perto da saída da estação Duroc do metrô, da qual acabara de emergir, outra pessoa viu o perfil característico no banco de trás do primeiro Citroën, e seus olhos tinham brilhado com fervor apaixonado.

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⏰ Última atualização: Dec 06, 2017 ⏰

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