Dark Weather

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Desde a minha chegada ao Japão, uma série de acontecimentos já haviam decorrido. Primeiro não tive onde ficar, logo depois, encontrei um cara gigante irritantemente bonito e irônico, que fez do meu primeiro dia na terra do Sol nascente, um tormento; e que ainda me atropelou no momento em que eu estava a procura de um apartamento! Entretanto, ele até foi atencioso, me ajudou, me levou para sua casa... em contraparte, ou em compensação, estamos nos beijando nesse exato momento.

Para alguém como ele, esperava que fosse um bruto de mãos pesadas, mas era absolutamente o contrário. Tinha mãos delicadas, uma boca macia e beijo doce.

Minha noção de tempo se perdeu no minuto em que nossos lábios se tocaram, passando tempos sem quase se afastar, exceções de poucos segundos para recuperar o ar que insistia em faltar.

Jill... O que você está fazendo?

Na minha cabeça, essa pergunta rodopiava enquanto o beijava. Mas sempre a afastava para não estragar o momento. A verdade é que eu realmente não sei o que estou fazendo.

Há minutos atrás poderia considerá-lo um empecilho em potencial para minha estadia aqui, porém, agora, estava aos beijos com ele depois de ser atropelado justamente pelo mesmo.

Martirizei-me com pensamentos os quais revelariam arrependimento, se não fossem banhados de confusão. Minha própria voz martelava, garantindo que me machucaria se continuasse.

Tenho mania de pensar demais e, nesse caso, considero isso um problema. Não consigo ser inconsequente e me entregar sem antes ter certeza de todos os prós e contras que poderiam vir com algum sentimento.

Senti sua mão percorrer minha nuca e delinear todo o comprimento de minha coluna, foi então que o afastei. Quebrei o contato dos lábios e o empurrei forte até demais, trazendo à tona um Kaya confuso.

— Fiz algo de errado?

— Não, não fez. Eu que fiz, eu que... — Parei a frase na metade, tentando compreender tudo aquilo.

— Jill? Ei, o que aconteceu? Está sentindo alguma dor? Olha, se quiser, te levo para o hospital. — Disse entre um sorriso de canto e uma voz preocupada.

— Na verdade, deveria ter feito isso antes.

Não tive coragem de olhá-lo, nem mesmo explicar a bagunça que estava na minha cabeça. Mas uma coisa era certa, não podia beijar um estranho;mesmo que o veja diariamente, fazia pouquíssimo tempo, portanto, não sabia nada sobre ele. E nem ele sobre mim.

Abaixei-me, pegando a mochila no chão e ignorando a dor no braço que veio como uma facada, junta da tontura.

É minha culpa, não devia ter vindo aqui e nem devia ter aceitado a carona.

Certamente, Kaya me olhava em busca de esclarecimento. De explicações que eu não daria, não aqui e nem agora.

O que quero é somente sair daqui e ir para minha.

Se tivesse uma. Enfretarei, ainda, mais uma noite vivendo da boa vontade dos outros.

Era algo impressionante como em um momento que você não usa da sua racionalidade tudo pode ir a perder,devia ter saído mais cedo da faculdade, devia não ter entrado no carro de Kaya e muito menos beijá-lo; teria sido mais fácil e agora não estaria nessa situação.

— Jill, dá 'pra falar comigo? Por Deus, o que aconteceu? — Ouvia ele perguntar enquanto eu continuava a deixá-lo sem respostas.

— Por que 'tá saindo assim?

— Não é nada, Kaya, eu já disse que não foi nada.

Com somente um braço livre de dores, estava complicado agir; colocar a mochila foi a pior parte, ou eu achava que era, até ele passar a minha frente e ficar entre mim e a porta, impedindo a saída.

Malditas pernas longas.

— Sai, por favor, e me deixa ir embora. — Procurei firmeza para minha voz.

— Eu não quero dizer nada ao mesmo tempo que não tenho nada a dizer, ok?

— Jill, seja lá o que eu tenha feito e você não gostou, me desculpe. Eu não entendo. Qual motivo para sair assim?

— Eu... eu só quero ir para casa. Por favor, Kaya, só não tente complicar.

Senti os braços longos enlaçando em minha cintura e puxando-me para perto. Difícil resistir ao charme daquele gigante, aos olhos de cachorro pedinte, ao sorriso esperto. Tudo aquilo me despertava algo, e esse algo me amedrontava.

E novamente estávamos nós, frente a frente, olho no olho, com os lábios a centímetros; a diferença é que, dessa vez não, não vou permitir. Faltou pouco e quando os lábios dele encostaram, novamente, nos meus, foi quase que involuntário, o mordi com toda a força, fazendo Kaya recuar com um lábio quase a sangrar enquanto deixava a porta livre.

Que eu não tenha rasgado o lábio do cara... amém.

Dei uma última olhada para ele, o vendo tentar limpar o sangue que escorria. Pelo jeito, a mordida havia sido forte demais.

Passei pela porta como um furacão, desci as escadas quase correndo, então senti uma mão se fechar em meu braço.

— O que foi isso? O que deu em você, chibi? — Disse enquanto me balançava como se tentasse me trazer a realidade.

— Você não me deixou sair, eu pedi com educação. — Retribui, quase aos gritos.

— Não te deixei ir porque esperava por explicações. Você me mordeu, caramba!

— E daí? Quem mandou me beijar? Solta meu braço agora ou mordo de novo. — Ameacei. — E dessa vez eu arranco.

Ele segurou mais forte e começou a machucar, a última coisa que queria era uma marca roxa para lembrar dessa noite. Talvez não fosse intencional, o nervosismo garantia presença, afinal. Tentando entender e explicar o que estava acontecendo, era quase impossível manter o controle.

Com o braço arranhado, segurei firme no de Kaya, cravei as unhas pequenas que ainda tinha e, nesse exato momento, ele me soltou e sua mão foi direto para meu rosto. Não foi tão forte, porém doeu como se um quilo de pedras tivessem sido jogadas ali.

— Você me bateu. — Olhei enquanto levava a mão ao rosto.

— Você me mordeu e me cortou. — Disse mostrando as ranhuras das quatro unhas no braço e os filetes de sangue aparecendo.

— Eu...

Não tive coragem de permanecer ali, dei as costas, correndo porta a fora enquanto ouvia-o me chamar logo atrás. Não quis encarar Kaya, não quero olhar ninguém.

Ele não tinha o direito de bater em mim e eu também não tinha o direito de tê-lo machucado, eu passei dos limites mas ele não ficou para trás. No fim, a dor no braço era o mínimo perto do que havia acontecido.

Corri até o parque ali perto, era bem iluminado e algumas pessoas ainda passeavam por ali com suas famílias e cachorros, sentei no banquinho mais afastado e, por um segundo, segurei as lágrimas até que não fosse mais possível. Elas caíram acompanhadas da culpa.

Preferia ter sido atropelado por um caminhão, um trem, qualquer outra coisa.

Por que vim logo para o outro lado do mundo? Desde quando você muda algo na sua vida, Jill? Ela sempre foi monótona e sempre vai ser você a achar um jeito de estragar tudo!

Queria chorar a noite inteira ali mesmo, naquele banco; chorar por mim, pelo país que deixei, pelos quase inexistentes amigos que ficaram para trás, chorar por Kaya e por ter começado tudo isso, queria chorar por não saber explicar e chorar por não tê-lo beijado de novo quando pude e por não ter evitado tudo isso.

Levantei a cabeça, vi de longe duas pessoas de mãos dadas. Consequentemente, imaginei que um dia pudesse ter sido assim entre eu e ele, um sonho que nunca se tornaria realidade.

Sequei as lágrimas e enxuguei o rosto quando vi o horário, não podia demorar muito em lugares os quais não conhecia.

Procurei por algum táxi ali, avistei rapidamente dois do outro lado da praça. Entretanto, assim que dei o primeiro passo para sair de perto do banco, minha visão turvou e desabei na grama molhada; segurava o celular que caiu ao meu lado e, antes de fechar os olhos, pude jurar ter visto o nome de Kaya na tela de chamada.

Gist of DewOnde histórias criam vida. Descubra agora