17. Cicatrizes

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"Essas cicatrizes não permitem eu esquecer de onde eu vim

Essas madrugadas sempre me lembrando que eu tenho rins"

— BK', Disgraça do Ano.

4 de novembro, 2016.

Rose foi a primeira a chegar no acidente. Ela seguiu Adam como pode nos seus saltinhos que ela havia comprado um par de anos atrás. Ele tinha corrido uns bons oitocentos metros ou algo do tipo. Ela suava quando chegou ao vulco-vulco no cruzamento em direção ao centro com a rua Stelzer. Uma pequena multidão ali e um carro parado com o capô levemente amassado e o para-brisa estraçalhado com vários pedaços faltando. Tinha sangue respingado na carroceria e no vidro.

Ela teria passado direto com o celular na mão, pronta para ligar para Tasha e avisar que Adam, basicamente, — apesar de ser o termo errado e bastante pejorativo que ela não concordava — tinha pirado durante a sessão, onde ele passou a maior parte do tempo em silêncio com os olhos assustados vagando pelo pequeno escritório. A psicóloga sentiu a pele se arrepiar por completo e o coração se quebrar em meio a nostalgia e satisfação mesquinha quando o homem começou a se derramar em lágrimas desesperadas.

E teria ligado para a amiga, se não meio daquela confusão não tivesse visto um celular jogado próximo ao acidente. Ela apanhou-o com cuidado, mordendo o lábio inferior de curiosidade — uma mania que tinha desde de criança — tocou na tela e o brilho se acendeu. A imagem de um belo akita ostentando seu porte em cima de Adam, com a língua comprida para fora e os caninos amostras bem onde a rachadura passava.

Se havia algo que Adam amava além de Tasha e si mesmo, era Kal-el, seu dócil e lindo akita.

Se meteu no meio da confusão com as mãos tremendo, tentando segurar o celular. Uma centena de vozes abafadas enquanto sua consciência gritava o que ela deveria fazer. Algo nela derreteu numa onda triste de nojo quando viu Adam estirado no chão.

Os olhos cerrados com a face coberta com o próprio sangue vindo dos múltiplos cortes que lhe cobriam a testa e as maçãs do rosto, com um longo e profundo rasgo que lhe atravessava o queixo até o olho direito que deixa parte da carne pulsando ao ar livre. Seu moletom careca preto estava coberto em rubro com rasgos por todos os lados, cacos de vidro presos no tecido no grosso e um caco de vidro grande e longo como uma faca cravado abaixo de suas costelas esquerdas. Estirado no chão, meio de lado, a boca pendendo entreaberta com sangue manchando o que dava para ver dos dentes e as pernas moles tremiam em pequenos espasmos.

— Alguém já chamou a ambulância? Quem foi que atropelou ele? Quem viu o acidente? — ela vomitou as perguntas padrões num tom desesperado como se ela realmente fosse vomitar ao ver a carne exposta no rosto do ex-namorado.

Uma mulher, um pouco mais nova que ela se adiantou, tinha o celular na mão e as unhas completamente roídas e marcas de lágrimas pelo rosto até a boca.

— Fui eu. — ela gaguejava, tinha a voz esganiçada que teria irritado Adam — Eu já liguei pra ambulância...

Rose nem ao menos escutou quando a motorista balbuciou começando um novo choro que o caído havia entrado correndo em seu caminho, que não era sua culpa e que o sinal estava aberto, numa velocidade exorbitante que tornou tudo mais difícil de entender a qualquer interessado.

Tocou o rosto de Adam com a mão coberta por um suor nervoso e frio. Molhou as digitais com o rubro denso que escorria desde a testa até o queixo e começava a coagular lentamente. Era estanho para ela vê-lo com expressão tão serena com os olhos cerrados e os traços relaxados e calmos, mas contraditoriamente banhados em sangue.

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