15. Choro

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"Homem não chora, foda-se, eu tô chorando."

Baco Exu do Blues, En Tu Mira (Interlúdio ESÚ).

4 de agosto, 2010.

Adam passou os últimos dez minutos encarando aquela porta. Gravou em sua mente cada sulco e ressalto feito em padrões geométricos; cada tonalidade de castanho envernizado, desde o mais claro até o mais escuro desgastado pela umidade e pela gordura de um sem-número de mãos; cada arranhado de chaves e unhas atrapalhadas na fechadura e na maçaneta.

Ficou encostado naquela parede branca, descascada e empoeirada. De frente pra porta, encarando com tanto afinco que a porta deveria ter a decência de se partir ao meio. Com as mãos nos bolsos, fechadas em punhos trêmulos, tão apertadas que seus ossos ressaltaram pela pele e pelos cortes em seus dedos cobertos de sangue, sujeira e fiapos de tecido dos bolsos cutucando a carne.

Ele respirou pesado e inaudível entre os lábios apertados, seu maxilar travado e os dentes doendo como se fosse rachar um contra o outro.

Uma criança veio corredor pelo corredor, cabeça raspada, pele mais escura que Adam, sorriso banguela amostra e tênis baratos rangendo no piso. Adam pensou em colocar o pé na frente, fazê-lo tropeçar e dar com o nariz batata contra o chão sujo. Sorriu, pensou, mas não o fez.

Depois que a criança passou, Adam se aproximou mais um passo da porta, seus ossos vibrando pela carne, sua garganta secando em desespero. Não queria, mas fez: bateu na porta, fez contato com a madeira exatamente onde seus dedos estavam cortado, torcendo pra que uma farpa entrasse. Engoliu a dor aguda que se espalhou. Castigo prévio para o que faria.

Quando a porta abriu, ele sentiu frio. Aquele tipo de frio que dói na pele até os ossos, o tipo de frio que precede sonhos cruéis e febris. Não conseguiu se forçar a sorrir.

— Oi, bebê. — Rose sorriu.

Rose, com seus olhos azuis cinzentos sempre adornados com olheiras escuras e adoráveis, com seu cabelo escuro confuso preso num coque que Adam odiava — ela se apressou em desfazê-lo quando o viu na porta — e seu sorriso capaz de derreter geleiras inteiras. Exceto naquela tarde.

— Oi. — Adam resmungo no fundo da garganta seca — Posso entrar?

Entrou sem esperar resposta.

Sentiu o cheiro familiar do apartamento enquanto desviava o olhar pro sofá azul escuro, era um cheiro de livros e café preto e forte, espalhado pelos pequenos cômodos: quarto, banheiro e sala, cozinha, todos anexados. Adam os conhecia com a palma da mão.

Tentou criar alguma distância, com as mãos feridas escondidas nos bolsos e os olhos estudando qualquer canto empoeirado que encontrasse, tudo para não encarar aquelas grande e gentis olhos azuis dela.

Obviamente, não deu certo.

Rose se lançou sobre ele como sempre fez, esmagando as costelas com uma força surpreendente para seus braços finos. Sempre beijando, beijando queixo, bochechas e pescoço com a boca macia dela. Dava arrepios a Adam.

— Senti sua falta. — ela disse com as mãos emoldurando o rosto dele — Anda dormindo direito? Você está com uma cara horrível. E isso? É um machucado? — cutucou um hematoma grosseiro na lateral da testa dele. Levemente inchado, uma coloração roxa com veios verdes e amarelos, Adam apertou os dentes com a pontada de dor sentida — Senta no sofá, vou pegar uma pomada.

— Não precisa...

— Quieto, senta. — a voz decidida e autoritária como a deu uma mãe. Desapareceu pelo único corredor do apartamento.

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