quatro: Ninguém lhe tirava a razão

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— Essa é a pior ideia que eu já ouvi em toda a minha vida — falou Cicinho, sem rodeios, depois de ouvir Raimundo Batalha. — Pior até que o plano de André em Uruguaiana.

— Mas deu certo, num deu? — perguntou André a todos na mesa, sorriso de orelha a orelha.

— Deu, a guerra findou e nós tamo aqui, sem nada, nesse cu de mundo, suando e morrendo — disse Batalha amargo.

— Cada qual ganhou sua parte de soldo dos Voluntários, Batalha, se o que ocê recebeu não foi suficiente...

— Quem tá falando em dinheiro, Tenório? Tô falando em ser lembrado. Fomos pra uma guerra, fizemos o diabo e ninguém sabe nem quem nós somos. Pra bem ou pra mal. É como se nunca tivéssemos nem nascido.

Batalha estava berrando e lançando perdigotos para todas as direções. No bar, além de Kim, apenas um par de bêbados adormecidos pelo álcool não davam a menor atenção à mesa dos veteranos.

— E a sua solução é essa? Se arriscar caçando cangaceiro no meio da caatinga?

— Arriscar o quê, Cicinho? Me diga o que há para arriscar. A gente arriscou em 65, isso sim.

— Nós éramos jovens.

— Por isso que eu digo que foi arriscado. Tínhamos algo a perder.

Batalha se pôs de pé. Com uma das mãos batia o nó dos dedos na mesa, com a outra balançava um indicador em riste a quem ele se dirigia. Começou por Manoel André.

— Você tem o quê para fazer naquela palhoça caindo aos pedaços agora que seu filho foi embora dar o rabo em São Paulo?

— E-Ei! — André perdeu o sorriso bobo. — O-Olha o respeito! Meu filho foi estudar advocacia no Rio de Janeiro.

— Desculpe então, errei a cidade. E você, Dirigilson? Suas filhas casaram e foram embora com os macho delas. Até a sua esposa foi embora com o macho dela.

— Você tá por fora, menino — disse Dirigilson em resposta. — Eu troquei aquela por duas de 25.

— Só se foi por duas de 25 centímetros.

Dirigilson engoliu em seco e fez uma careta. Não uma divertida.

— Tenório, você vai amofinar naquela casa véia. Tá com quantos anos que sua mulher morreu? Seus vizinho dizem que nem as janelas da casa você abre mais. Só sai de lá para beber.

Manoel Tenório bebeu toda a aguardente do copo em um único gole e em seguida respondeu sem a cautela habitual.

— Você não tem o direito de falar assim de Veneranda.

— Eu não falei nada da finada Veneranda, Tenório. Ela está em um lugar melhor que você, mas é você que está manchando a memória dela vivendo de uma forma que ela não te deixou.

Tenório serviu-se de outro copo de aguardente.

— Suas filhas e filhos, Bilio-Bode, abandonaram você naquele chiqueiro que você chama de casa enquanto vivem na beira da praia na casa que você construiu no terreno comprado com o dinheiro da venda de outra casa que você também construiu.

Bilio-Bode encarou Batalha com uma expressão difícil de ser interpretada. Foram muitas palavras jogadas por Batalha e não era certeza Abílio ter compreendido todo o raciocínio. Por fim ele tentou cuspir o fumo que mascava, mas acabou engolindo. Enquanto Bilio-Bode engasgava, Batalha Apontou seu dedo para o próximo tamborete, mas encontrou apenas um lugar vazio.

Raimundo Batalha contra Cangaceiros e VolantesOnde histórias criam vida. Descubra agora