dois - Arrumava encrenca e confusão

34 1 0
                                    


— O senhor pode me explicar o motivo daquele tiro em meio a tanta gente? Colocando vidas em risco, inclusive de crianças!

Raimundo Batalha bufou em resposta. Encarava o prefeito com olhos raivosos, mas não rebatia nada.

— O senhor nos aplicou um baita susto! — prosseguiu o prefeito. — A cidade está totalmente desguarnecida de força policial. Como o senhor sabe, o tenente teve que comparecer a uma fazenda a léguas de distância, levou com ele mais três praças para resolver o conflito. Nosso povo está apreensivo, senhor Batalha. Os nervos à flor da pele. Não passou pela sua cabeça que alguém poderia ter lhe respondido à bala?

Batalha seguia em silêncio. Ali, no salão do sobrado, estavam com ele o prefeito, o vigário e três dos chamados Nazarenos. Um desses, Jeová, se apresentava como líder do grupo. Achando de bom tamanho o sermão aplicado em Batalha, o prefeito então se dirigiu a Jeová.

— Como estava falando, estamos sem efetivo policial na cidade, além do carcereiro. Então peço vossa ajuda para conduzir os malfeitores até as celas.

— Caso seja do interesse de Vossa Excelência — disse Jeová, — podemos conduzi-los até a cidade mais próxima, se assim for mais seguro para o vosso povo. Ofereço ainda alternativa, senhor prefeito, podemos nos instalar na cidade até o vosso efetivo ser restaurado.

— De modo algum exigiria de vocês uma coisa ou outra, meu caro. Se bem me lembro, você me disse que estão a serviço do próprio bispo. Não quero ser o responsável por atrapalhar tal missão. Além do mais, mesmo que estes bandidos tenham poderes, nossa cadeia é bem segura. Grades de ferro fundido em paredes de pedra. Se eles tentarem dobrar ou quebrar as barras o carcereiro vai perceber com tempo de sobra para reagir.

— É praticamente um calabouço! — riu o vigário.

— E eu acredito que os bandidos detenham sim alguma habilidade, senhor prefeito. Estavam apenas os quatro em local tão ermo e não portavam armamento.

— Você disse que estavam desarmados, os quatro? — inquiriu o vigário.

— Sim, Vossa Reverência. Tirando algumas facas e punhais, não portavam armamento. É possível que o armamento tenha sido escondido na igreja ruída onde os encontramos. Procuramos superficialmente, não nos demoramos muito, pois havia a possibilidade de ser aquilo tudo uma emboscada e um grupo maior de bandidos nos apanhar desprevenidos. Deixo aqui o rogo para que tão logo esteja estabelecida a guarnição de vossa cidade, seja organizado um grupo de buscas para recuperar os possíveis artefatos bélicos antes de caírem em mãos erradas.

— Sim, sim, está certíssimo, senhor Jeová. Não duvido que este pequeno grupo se trate também de batedores e estivessem se preparando para avaliar nossa precária vila e armar um assalto com o grupo completo depois. Agora venha senhor Jeová, vamos tratar da sua recompensa.

— Já falei antes, senhor prefeito, nós não aceitaremos recompensa. Cumprimos nosso dever. Não há recompensa maior na Terra que a segurança dos mais humildes na divina paz de Nosso Senhor Jesus Cristo.

— Sim meu filho, mas Deus se regozija ao ver a prosperidade daqueles que realizam a obra d'Ele — disse o vigário. — Venha, vamos tratar do assunto em particular.

Os três atravessaram a grande porta dupla do gabinete particular do prefeito. O chefe do executivo tornou a notar a presença de Batalha enquanto fechava a porta e se deteve um instante.

— Ah. Ainda está aqui, senhor Batalha.

— Não, na baixa da égua. Deixei um boneco idêntico a mim pro senhor não sentir minha falta.

Raimundo Batalha contra Cangaceiros e VolantesOnde histórias criam vida. Descubra agora