O galo ainda afinava a voz quando Raimundo Batalha percebeu o fogo.
Pela janela do seu quarto pôde ver as labaredas lambendo o céu estrelado. O incêndio começara no prédio da cadeia, se alastrara para a pousada e parecia estar fora de controle. Batalha pôs um gibão sobre as ceroulas, calçou as alpercatas e saiu sem prender o rabicho. As ruas estavam apinhadas de curiosos em roupas de dormir.
Na praça as pessoas se perguntavam pela vida do carcereiro e paradeiro dos prisioneiros. As chamas formaram uma barreira infernal no pórtico de entrada do prédio. Um valentão jogou a camisa e o chapéu no chão e se embrenhou para dentro do prédio. Mais dois o seguiram. Retornaram instantes depois. Segundo eles o fogo não havia atingido a carceragem e se concentrava somente na área administrativa. Não encontraram sinal do carcereiro, e as grades das celas haviam sumido.
Sabendo da fuga do quarteto de criminosos, Batalha dirigiu-se para a casa do prefeito. Quando se virou nos calcanhares com toda sua fúria entrou no caminho de um pobre rapaz, fazendo-o derrubar o balde com água que este trazia.
— Preste atenção, amaldiçoado!
— Desculpe, seu Batalha!
Enquanto perdia tempo chutando para longe o balde e xingando o rapaz, Batalha foi abordado por Cicinho.
— Calma, Batalha, deixe o moço. Vá meu filho, pegue outro balde.
— Eles fugiram, Cicim! Eu sabia que eles iam fugir. Eu avisei, mas alguém escuta o que o velho Batalha diz?
Naquela noite, ainda sob efeito do álcool, Batalha foi até a casa do prefeito e pregou aos quatro ventos sobre a necessidade de abaterem os cangaceiros, em vez de mantê—los presos, pondo em risco as crianças e mulheres de São Lázaro do Oeste. O prefeito assistiu ao espetáculo da janela, escondido atrás das cortinas, e esperou o velho se cansar e ir para casa.
Cicinho se esforçava para acompanhar a marcha de Batalha. Para ele era mais difícil, pois se preocupava em não esbarrar nas pessoas ao passar por elas.
— Bora prefeito! — gritou Batalha tão logo avistou o chefe do executivo e seus partidários no cenário de sempre. — Os cabra fugiram! Bora agir!
Na escadaria do sobrado também se encontravam o vigário e o jovem repórter, Ricardo Mota.
— Estamos agindo, senhor Batalha, dentro de nossas possibilidades.
— É sêu prefeito? O senhor botou quem para ir atrás dos cabra?
— Senhor Batalha, o senhor há de concordar que a nossa prioridade no momento é conter as chamas, evitar maiores danos ao patrimônio e à vida.
— Muito bem falado, senhor prefeito — aclamou o vigário. — Por sorte o fogo não atingiu nossa capela de São Lázaro e destruiu nossas relíquias. Infelizmente ele avançou sobre a pousada, mas graças à ação rápida e organizada do prefeito, ninguém foi ferido.
— Tivesse me ouvido tudo isso teria sido evitado. Teria cortado o mal pela raiz.
— Aqui não fazemos justiça com as próprias mãos, Seu Batalha. E além do mais, não há como saber se o fogo foi provocado pelos prisioneiros — disse o prefeito.
— Senhor Batalha, o senhor está de ânimos exaltados — falou o vigário. — Na sua idade não faz bem se agoniar tanto — disse o vigário.
— Ora, acredito que até esse sereno lhe seja prejudicial — concluiu o prefeito, e foi seguido pela gargalhada dos bajuladores.
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Raimundo Batalha contra Cangaceiros e Volantes
Historia CortaÉ em uma mesa de bar, em uma cidade no interior do Nordeste Brasileiro, que Raimundo Batalha tem o terrível pensamento: Se eu morresse hoje, sera como se eu nunca tivesse existido. Com essas palavras em sua mente e muitos palavrões na ponta da língu...