cinco - Brigava com o mundo inteiro. Com volante e cangaceiro

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O galo ainda afinava a voz quando Raimundo Batalha percebeu o fogo.

Pela janela do seu quarto pôde ver as labaredas lambendo o céu estrelado. O incêndio começara no prédio da cadeia, se alastrara para a pousada e parecia estar fora de controle. Batalha pôs um gibão sobre as ceroulas, calçou as alpercatas e saiu sem prender o rabicho. As ruas estavam apinhadas de curiosos em roupas de dormir.

Na praça as pessoas se perguntavam pela vida do carcereiro e paradeiro dos prisioneiros. As chamas formaram uma barreira infernal no pórtico de entrada do prédio. Um valentão jogou a camisa e o chapéu no chão e se embrenhou para dentro do prédio. Mais dois o seguiram. Retornaram instantes depois. Segundo eles o fogo não havia atingido a carceragem e se concentrava somente na área administrativa. Não encontraram sinal do carcereiro, e as grades das celas haviam sumido.

Sabendo da fuga do quarteto de criminosos, Batalha dirigiu-se para a casa do prefeito. Quando se virou nos calcanhares com toda sua fúria entrou no caminho de um pobre rapaz, fazendo-o derrubar o balde com água que este trazia.

— Preste atenção, amaldiçoado!

— Desculpe, seu Batalha!

Enquanto perdia tempo chutando para longe o balde e xingando o rapaz, Batalha foi abordado por Cicinho.

— Calma, Batalha, deixe o moço. Vá meu filho, pegue outro balde.

— Eles fugiram, Cicim! Eu sabia que eles iam fugir. Eu avisei, mas alguém escuta o que o velho Batalha diz?

Naquela noite, ainda sob efeito do álcool, Batalha foi até a casa do prefeito e pregou aos quatro ventos sobre a necessidade de abaterem os cangaceiros, em vez de mantê—los presos, pondo em risco as crianças e mulheres de São Lázaro do Oeste. O prefeito assistiu ao espetáculo da janela, escondido atrás das cortinas, e esperou o velho se cansar e ir para casa.

Cicinho se esforçava para acompanhar a marcha de Batalha. Para ele era mais difícil, pois se preocupava em não esbarrar nas pessoas ao passar por elas.

— Bora prefeito! — gritou Batalha tão logo avistou o chefe do executivo e seus partidários no cenário de sempre. — Os cabra fugiram! Bora agir!

Na escadaria do sobrado também se encontravam o vigário e o jovem repórter, Ricardo Mota.

— Estamos agindo, senhor Batalha, dentro de nossas possibilidades.

— É sêu prefeito? O senhor botou quem para ir atrás dos cabra?

— Senhor Batalha, o senhor há de concordar que a nossa prioridade no momento é conter as chamas, evitar maiores danos ao patrimônio e à vida.

— Muito bem falado, senhor prefeito — aclamou o vigário. — Por sorte o fogo não atingiu nossa capela de São Lázaro e destruiu nossas relíquias. Infelizmente ele avançou sobre a pousada, mas graças à ação rápida e organizada do prefeito, ninguém foi ferido.

— Tivesse me ouvido tudo isso teria sido evitado. Teria cortado o mal pela raiz.

— Aqui não fazemos justiça com as próprias mãos, Seu Batalha. E além do mais, não há como saber se o fogo foi provocado pelos prisioneiros — disse o prefeito.

— Senhor Batalha, o senhor está de ânimos exaltados — falou o vigário. — Na sua idade não faz bem se agoniar tanto — disse o vigário.

— Ora, acredito que até esse sereno lhe seja prejudicial — concluiu o prefeito, e foi seguido pela gargalhada dos bajuladores.

Raimundo Batalha contra Cangaceiros e VolantesOnde histórias criam vida. Descubra agora