Vinte e uma horas e vinte minutos de uma sexta- feira. Dia em que a maioria das pessoas queria sair pela noite, se esbaldar em uma boate, ou simplesmente ficar em casa, curtindo a família, os filhos. Eu não fazia parte dessa maioria. Eu não sentia vontade alguma de sair e tentar me divertir. E morava só. Estava totalmente descartada a hipótese de ir para a casa dos meus pais e encarar o eterno namoro deles.
Por isso, eu quase pulei de alegria quando Mike pediu que eu o substituísse no plantão de hoje. E aqui estava eu, Alan Mitchell, passando pelos corredores frios do Port Elizabeth Medical Center, onde exercia minha profissão de geriatra.
Aos vinte e nove anos, sou considerado um dos melhores especialistas em minha área. E de verdade, eu gostava do que fazia. Às vezes, ouvir a sabedoria dos mais experientes não me deixava pensar no quanto minha vida era miserável. Sei que muitos dizem que sou um ingrato, que não dou valor a tudo o que a vida me ofereceu.
Talvez eu fosse mesmo. Jovem, bonito e rico. E sem querer ser convencido, todas as mulheres que conhecia, sempre quiseram algo a mais comigo. Desde as enfermeiras até a diretora do hospital. Mas eu permanecia assim, sozinho. Nada de namoro, tampouco relacionamentos casuais. Quando minha necessidade era urgente, eu saía de Port Elizabeth e ia até Minneapolis, onde procurava alguma profissional para me satisfazer. Eu não queria relacionamentos. E mesmo se quisesse, eu não poderia. simplesmente porque meu coração já estava ocupado. Para dizer a verdade, há anos ele estava ocupado.
Entrei em minha sala e guardei minhas coisas, sentando- me um pouco antes de começar os atendimentos. Passei a mão em meus cabelos castanhos, e sempre que eu fazia isso, o que era constante, meu peito ficava oprimido. Eu me lembrava de como ela adorava meus cabelos. De como ela adorava enfiar seus dedos ali, puxando-me para ela.
Apoiei os cotovelos sobre a mesa e enterrei meus dedos em meus cabelos. Agora estava ficando pior... quase insuportável. Eu simplesmente não conseguia tirá-la dos meus pensamentos. Por isso eu vivia assim. Matando-me de trabalhar, evitando lugares e pessoas felizes demais que destoavam de mim.
Levantei-me e sai, disposto a trabalhar muito. Era só disso que eu precisava. Sei que minha mãe deveria estar preocupada, afinal há dois dias não ligava para ela. Falei apenas com minha irmã Molly, na noite anterior. O assunto, pra variar, era a proximidade das festas de fim de ano. Ninguém parecia entender que eu não tinha espírito para festejar. Se nos anos anteriores foi ruim, nesse estava sendo bem pior. O motivo não poderia ser outro, a não ser a ausência dela.
Três da manhã. Muitos dormiam. Entretanto, Derek e eu conversávamos baixinho. Era um senhor na faixa dos setenta anos, internado com princípio de pneumonia. Hoje já estava recuperado e no dia seguinte teria alta. Ele olhava fixamente para a pequena árvore de Natal sobre a mesa, e suspirou.
–Mais um Natal se aproxima. E provavelmente estarei só novamente, comendo uma ceia sem a mínima vontade.
Franzi minha testa, estranhando suas palavras. Eu sabia que ele tinha dois filhos, afinal estiveram aqui há dois dias.
–Sozinho? Mas e seus filhos?
Deu um sorriso triste.
–Cada um tem sua vida, filho. Estão casados, comemoram com suas respectivas esposas e sogros. Sabe, desde que minha Antônia se foi, eu não tive mais vontade de comemorar o Natal. Fiquei meio... avesso a isso.
–Mas seus filhos não vão visitá-lo?
–Sim, durante o dia. Levam presentes. Mas é só.
Fiquei calado. Não era assim comigo? Ia para a casa dos meus pais, trocávamos presentes, mas pouco depois eu voltava para meu apartamento. E ali passava o resto da noite, na companhia de um bom vinho.
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Milagre de Natal - conto
ChickLitHa seis anos eu fui traído pela mulher que mais amei na vida. Ou pensei que tivesse sido. Eu pedi para que saísse de minha vida, em vez de escorraçá-la como deveria. Meu amor não permitia isso. Com o tempo, a saudade e meu amor intenso fizeram com q...