Faith se assustou com o barulho alto que a porta principal fez ao ser fechada com brutalidade. Ela se aproximou da entrada da sala a tempo de ver Alice subir correndo para seu quarto.
Preocupada, Faith a seguiu. Seu marido, Dominic, já havia lhe contado que a menina ouviu a conversa dele com o oficial da polícia e saiu atordoada. "Alice não pode descobrir... Você sabe que não!" - ele dissera, mas a avó não concordava. Alice descobriria, mais tarde ou mais cedo, ela descobriria.
"Alice...?" - Faith bateu de leve na porta do quarto da neta, mas não obteve respostas. "Meu bem, deixe-me falar com você." - insistiu e ao tentar abrir a porta percebeu que estava trancada.
Faith suspirou fundo antes de decidir o que faria para que ela cedesse, e sem pensar nas consequências disse:
"Vou te contar a verdadeira história de seus pais."E então, a porta se abriu.
Alice estava com os olhos vermelhos e levemente inchados por causa do pranto insistente que a morte de seu gato lhe causou.
Ela abriu minimamente a porta apenas para encarar a avó."Você não está me enganando, está?" - perguntou, desconfiada.
Faith negou com a cabeça, ela estava realmente disposta a falar tudo o que sabia. Custasse o que tivesse de custar.
"Tudo bem, então." - Alice deu espaço para que a avó pudesse entrar em seu quarto, fechando a porta logo em seguida.
"Oh, Alice... O que houve com você?" - Faith disse logo que percebeu os machucados ao longo de suas pernas. Alice teve a impressão que foi só a avó mencioná-los que começou a doer.
"Eu caí de um barranco, no bosque. Mas está tudo bem." - Ela deu de ombros e sentou-se na cama, ao lado de Faith.
"Conte-me tudo, vovó." - Alice pediu com os olhos brilhando em excitação. Faith concordou cabisbaixa. Ela temia o futuro de Alice após ela descobrir o que realmente aconteceu, mas não podia voltar atrás. Alice tinha que saber.
**
"No dia do acidente, seus pais pretendiam te levar para conhecer o parque da cidade. Era o dia do seu aniversário, você ia completar cinco anos. Eles estavam tão felizes.Sua mãe costurou um lindo vestido azul bebê, com um laço enfeitando suas costas. Ela arrumou seus lindos cabelos louros num laço e calçou um delicado sapatinho branco. Você estava linda.
Seu pai nunca pareceu tão radiante como naquele dia... Todos nós entramos no carro e fomos para o parque.
Estava indo tudo maravilhosamente bem, até que..." - Faith engole em seco e fita o rosto cheio de expectativas de Alice. Ela não queria decepciona-la, mas a verdade era que Alice ficaria totalmente instável novamente após ouvir o desfecho da história. Mas era tarde, Faith começava a se arrepender de ter tomado a decisão de contar a verdade."Até que?" - Alice insistiu.
"Até que você soltou da mão de sua mãe e correu em direção a rua, alegando ter visto uma borboleta. Sua mãe gritou por você, mas você era uma criança não sabia que estava em perigo. Então, seus pais correram atrás de você, mas antes que pudessem te alcançar... Um carro em alta velocidade os atingiram. Eu corri até você, te peguei no colo e a tirei daquele lugar... Desde então você bloqueou o que aconteceu na sua cabeça, e seu avô decidiu que era melhor você continuar acreditando que fora um acidente de carro, mas não o julgue, ele só não queria que você se sentisse culpada."
Alice mordeu os lábios e encarou o chão. Agora ela se lembrava daquele dia, se lembrava daquela maldita borboleta que a fez sair correndo. Sim, ela se lembrava! A borboleta nunca mais apareceu para ela, como se seu único objetivo era causar a morte de seus pais.
"Eu me lembro..." - Ela murmurou enquanto algumas lágrimas caiam em suas mãos. "A culpa foi minha, sim.." - Faith a envolveu em um abraço e beijou o alto de sua cabeça.
"Não diga isso, Alice. Você era uma criança, não tinha como saber!" - Alice se soltou do abraço de Faith e correu para fora do quarto indo em direção ao escritório de seu avô. Apesar de estar magoada por ele ter escondido a verdade dela, ele poderia ajudá-la a compreender tudo.
Bateu na porta e esperou alguns minutos antes que ouvisse o clique da porta destrancando."Oh, minha pequena. Entre." - Dominic estava de roupão e um charuto aceso entre seus dedos, desde que Alice se entende por gente ela nunca o vira sem seu charuto. Era como se fosse uma parte dele.
"Sente-se, pequena. Você está bem?" - Ele perguntou, preocupado. Ela pensou em contar a mesma versão que contou a avó, mas era seu avô que estava ali, e ela confiava nele mais que tudo.
"Estou sendo perseguida, vovô." - contou com a voz trêmula, Dominic arregalou os olhos e se ajoelhou na frente da neta.
"O que?! Mas isso é muito sério, Alice!" - exclamou, atordoado. "Você sabe por quem?" - Alice confirmou com a cabeça, mantendo seus olhos no colo.
"Quem?" - ele perguntou."O coelho negro, vovô. Ele voltou e quer me levar para o inferno novamente." - choramingou como se tivesse cinco anos novamente. Dominic já havia escutado aquela conversa antigamente, e isso o preocupava.
"Coelho negro?" - engoliu em seco e se levantou dando às costas a Alice e andando em círculos pelo escritório.
"Sim, vovô. Foi ele quem fez esses machucados e também matou o Cheshire." - limpou algumas lágrimas que deslizaram por seu rosto. Dominic nada disse, virou-se para Alice e tornou a se ajoelhar em sua frente.
"Olha, pequena. O coelho negro é apenas um trauma da sua infância. Com a morte de seus pais, você ficou triste e se afastou dos seus coleguinhas... Depois criou o coelho negro na sua imaginação como um ser ruim que quer levá-la novamente para o dia do acidente." - Dominic acariciou o rosto da neta e sorriu compreensível. Ela engoliu em seco.
"Faz sentido." - ela concordou enquanto analisava aquela teoria, e então tudo se encaixou perfeitamente. Ela sabia que podia contar com seu querido avô, ele a entendia mais que ninguém.
"Mas, e esses machucados vovô? Me lembro perfeitamente dele me arranhando com aquelas garras." - Dominic desviou os olhos por um breve momento, mas logo tinha a resposta na ponta da língua.
"Tudo não passou de um sonho, minha pequena. Você saiu no meio da noite enquanto dormia e caiu no barranco perto do jardim, os galhos caídos te machucaram. Um criado te viu e lhe seguiu, encontrando-a e lhe trazendo para casa."
"Que estranho." - Alice não se lembrava de nada, mas acreditou nas palavras do avô. Ele sabia de todas as coisas e tudo o que dizia fazia sentido.
"Dominic?" - Faith bateu à porta, sua voz transparecia urgência.
"Espere aqui, docinho. Vou ver o que sua avó precisa." - Ele lhe deu um beijo na testa e saiu do escritório, deixando-a sozinha.
Entendiada pela demora de avô, ela começou a andar pelo escritório. Olhou os livros empoeirados nas estantes, abriu algumas gavetas e quase deixou cair um frasco estranho no chão. Ela o pegou delicadamente e o analisou.
"Beba-me.." - Alice sussurrou o que estava escrito no rótulo. O frasco tinha um formato estranho e o conteúdo era vermelho vibrante. Algo naquele frasco estava mexendo com seus sentidos, pois uma vontade incontrolável de beber aquele líquido misterioso se apoderou dela.
"Não posso beber algo que nem sei o que é!" - disse a si mesma, mas sua vontade e curiosidade era mais forte que seu bom senso. Então no instante seguinte, ela havia ingerido todo o líquido.
Primeiro, não sentiu nada. Depois sua visão começou a girar, girar e girar... E seu corpo foi de encontro ao chão, e tudo ao seu redor se apagou.
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O Retorno De Alice
Fiksi Remaja3° lugar no concurso Rosas Douradas ❤ Alice Deschanel vive com seus avós na pequena cidade de Oxford. Após um acidente que tirou a vida de seus pais, ela começa um tratamento psicológico para que sua saúde mental se estabilize novamente. No entanto...