A Rasga-Mortalha

287 89 77
                                    



Quando o sol apareceu manhoso naquele dia, o tempo se manteve calmo durante toda a manhã e a temperatura estava agradável.

Rafael não percebeu essa tranquilidade, mas toda essa calmaria o ajudou a dormir muito bem pela manhã.

Assim que acordou e viu as horas, achou melhor nem tomar café e partir direto para o almoço. Era fígado frigido naquele dia e ele detestava. Resolveu, então, fazer macarrão instantâneo. Ele sempre gostou muito e esse era um bom momento para degustar.

Já de barriga cheia, o garoto lembrou por alguns momentos o que havia acontecido durante a noite, mas soube, rapidamente, mudar o foco da sua atenção. Rafael pegou o CD Wonderful Wonderful do The Killers, sua banda preferida, e colocou no Micro System para ouvir no volume máximo. Era disso que ele precisava, uma bela distração musical. Enquanto ouvia loucamente as músicas do álbum, não hesitou em cantar, mesmo sabendo quase nada de inglês.

Ouvir o CD lhe distraiu bastante, mas, após alguns minutos, sentiu necessidade de fazer algo novo. Não passou muito tempo e a decisão foi convicta: maratonar uma série nova. Ele escolheu uma série famosa, mas não o fez porque estava em alta. Quando Rafael escolheu Stranger Things para assistir, inclusive, foi bastante relutante, justamente por causa da alta popularidade.

Ele levou algumas horas para terminar a série e toda essa história de mundo invertido mexeu com a cabeça de Rafael. Ele realmente passou a jurar que tudo aquilo era real e que o possível monstro que o atormentava era o demongorgon.

Era até engraçado ver a loucura que Rafael enfrentava apenas nesse primeiro dia de terror. Mal sabia ele que isso tudo duraria um ano. Realmente eu não posso me conter de rir. Dizendo assim, eu posso parecer alguém muito mal, mas, na verdade, eu sou apenas um livro e a minha voz quem cria é a sua mente. Isso não justifica o fato de eu ser do bem ou do mal, apenas reitera que eu não tenho poder nenhum sobre a história. O meu objetivo é apenas contar. Contar o que aconteceu, como começou e como terminou. Mas se queres uma dica, vai por mim, eu sou um bom livro.

Tão maleável, saciável e carismático eu sou, que lhe darei uma antecipação do que está por vir: Rafael não tem a mínima ideia do que se trata tudo isso, mas nessa noite, apagará toda a certeza da não existência de Deus. A partir de hoje, Rafael terá uma certeza "Quem me amedronta é Satanás, e se ele existe, consequentemente Deus também". Foi com esse pensamento que o garoto deixava definitivamente de ser ateu.

Infelizmente, acreditar na existência de Deus não é o suficiente para se manter a salvo de tudo o que é maligno. A proteção divina vêm de muitas formas, mas nem todos conseguem entender o que é necessário para mantê-la por perto. Rafael não sabia, mas tentou nessa noite.

Ele já sabia desde ontem que precisava estar preparado, e começou pela tarde a fazer o seu "ritual". Rafael resolveu pegar a bíblia e começou a ler durante uma hora. Não somente isso, Rafael também decidiu fazer várias orações para pedir proteção.

Quando começou o relógio marcava 17:00hs e quando Rafael terminou os ponteiros já ultrapassavam pouco mais de 20:00hs.

A apreensão era cada vez mais visível no rosto do garoto. Quanto mais o horário da madrugada se aproximava, mais o garoto ficava pálido.

Sua mãe, passou muito tempo fora de casa, mas certamente participaria do culto do filho, o que não foi possível, pois a mesma preferiu dirigir-se à igreja da qual frequenta para orar pelo filho.

Não que sua mãe estivesse tão preocupada, mas Dona Edilene sempre teve muita fé em Cristo e acreditava veemente que o ocorrido não passaria da noite anterior.

Às 21:30hs, Dona Edilene chega em casa. Ela percebe Rafael cochilando com a Bíblia na mão e de joelhos, provavelmente devido às orações.

A mãe de Rafael, então, ao ver essa cena, decide arrumar o garoto em sua cama e apagar as luzes para que ele possa dormir tranquilamente.

Confiante, Dona Edilene vai assistir a sua novela favorita, enquanto fica atenta a qualquer grito que o filho der.

Rafael, agora arrumado em sua cama, cochila perfeitamente. Parece que finalmente todo esforço valeu a pena. Ele estava tão cansado, que neste momento, não conseguia sentir muita coisa.

Passaram-se duas horas e tudo estava bem. Dona Edilene já estava agradecendo por tudo estar dando certo, mesmo sabendo que a noite não tinha acabado. A fé que ela tinha era muito grande. Ela confiava bastante que nada aconteceria.

Percebendo que nada mais na televisão chamou-lhe a atenção, decidiu desliga-la e ir se deitar, para poder dormir. Após 40 minutos, Dona Edilene já estava em sono profundo.

Vamos agora para o quarto de Rafael. Estava tudo normal e tranquilo, até que, sem nenhuma explicação, uma coruja da espécie rasga-mortalha surge em seu quarto. Ela estava quieta e Rafael estava dormindo intensamente. Obviamente o garoto não percebeu a presença da ave, não naquele momento.

Passou-se dez minutos e a coruja decidiu manter-se batendo as asas a uns 70cm do corpo de Rafael na cama. A ave parecia atenta e impaciente. Era como se tivesse encarando algo ou alguém.

Não bastou cinco minutos nessa posição e de repente o terror começa. Dessa vez um pouco mais complicado. Era um toque forte, como alguém que não somente queria assusta-lo, mas também machuca-lo. Rafael, logo quando sentiu, deu um grito muito alto, assim como a coruja. Foi algo muito sincronizado. Parecia que haviam ensaiado.

Sua mãe, após ouvir o grito, foi imediatamente ao quarto do filho e perguntou se estava tudo bem e Rafael respondeu que estava muito assustado.

Realmente foi um grande medo e a tentativa de entender o que estava acontecendo foi ainda pior que o dia anterior. O que diabos uma coruja estaria fazendo ali naquele momento? Rafael não entendeu plenamente, mas pôde perceber que após o grito a coruja parecia brigar contra alguma coisa. Mesmo não tendo certeza do que acontecia, ele percebeu que aquela coruja era uma aliada que tentou ajuda-lo e que não estava ali por acaso.

Rafael contou isso à sua mãe, mas quando ela entrou no quarto a coruja não estava mais lá. Ela não desconfiou da presença da ave, até mesmo porque ouviu o som do animal quando o filho gritou. O que ela não quis acreditar foi na hipótese que a ave tentou proteger seu filho, pois, como uma senhora bastante cristã, preferiu acreditar que isso tudo era obra de satanás e que uma coruja não teria poderes especiais.

Apesar de sua mãe pensar dessa forma, Rafael tinha uma certeza: A coruja realmente tinha algo especial e ela poderia lhe ajudar de alguma forma.

Pensamentos à parte, essa noite terminou como a anterior: Ninguém mais dormiu até que o dia amanhecesse, quando realmente os dois pegaram no sono e conseguiram descansar.

Teu ToqueOnde histórias criam vida. Descubra agora