Auschwitz-Birkenau, 16 de setembro de 1944
Wjera sentia dores na cintura e nos quadris. Estava tonta e queria urrar de tanta dor. "Onde estará Normand?" — ela pensava no marido que não via desde que chegara àquele lugar. Àquele inferno.
Ela não resistiu. Gritou!
Helena a mandou ficar calada enquanto punha um pano umedecido em água quente em sua testa.
Wjera estava sentada na maca moribunda da enfermaria de Auschwitz-Birkenau. Ela suava frio. Queria gritar e não podia ou algum oficial perceberia a agitação e a levaria embora dali. Embora da vida e longe daquele bebê que se encontrava bem seguro em seu útero. Nove meses em Auschwitz. Nove meses esperando uma criança judia. Se não fosse por Helena, ela não estaria viva agora e seu filho ou filha também não.
A dor aumentava e latejava até sua coluna vertebral na parte traseira de seu corpo. Ela gritou novamente.
— Fique quieta ou tudo que fizemos nestes meses irá por água abaixo! — ordenou Helena em um tom firme.
— Desculpe Frau Schäffer, não vai se repetir.
As duas permaneceram caladas. Helena forrava a maca com lençóis velhos e rasgados que mais pareciam panos de chão.
— Até quando consegue segurar? — ela questionou.
— Acho que nem mais um minuto. —respondeu Wjera.
Então, Wjera se deitou na maca forrada e começou a esforçar suas entranhas para expulsar o bebê dali de dentro. Ela seguia os comandos de Helena em total silêncio, embora sua vontade fosse de gritar até suas cordas vocais se arrebentarem.
Alguém bateu à porta. Tensão. Wjera parou de se esforçar e começou a ficar nervosa. Mas, Helena sabia muito bem quem estava ali. Kittel não falhava mesmo. Além disso, a alta patente e o uniforme negro da SS lhe conferiam tamanha autoridade para fazer o que quisesse e quando quisesse.
— Continue. É o Kittel. — ela ordenou.
Wjera ficou extremamente desconfiada. Como ela sabia se tratar do Hauptsturmführer* Kittel sendo que nem sequer perguntou quem era?
— Como sabe? — ela sussurrou.
— Ele deu duas batidas! Foi nosso combinado.
Então, Wjera ficou cerca de 25 minutos naquele trabalho de parto agonizante até que um bebê bem franzino escapuliu de dentro de si.
— É um menino. — disse Helena sem esboçar qualquer reação.
Os olhos de Wjera lacrimejaram de tamanha emoção. Um menininho. Como Normand sonhava. Era o seu Tsalig, o Tsalig dela e de Normand somente.
Wjera viu Helena embrulhar seu Tsalig numa manta branca. Nesse momento, Kittel entrou no quarto e viu o neném envolto nos braços da enfermeira.
— É esse? — questionou o capitão.
— Sim. É um menino. — respondeu-lhe friamente Helena.
— Hei! Não vou poder vê-lo? —perguntou Wjera num tom de tristeza. Queria pegar seu Tsalig no colo e niná-lo, dar de mamar a ele e enterrá-lo em seu peito materno.
— Não há tempo para isso Wjera! — respondeu Helena já impaciente.
O olhar de Wjera foi ao longe naquele instante. Ela lembrou-se de sua majestosa vida. Que não iria voltar. Era um luxo, agora, querer carregar o filho. Ele poderia morrer. Morrer por estar com a própria mãe. Do nada, aquela dor iminente voltou a recobrar o corpúsculo de Wjera que se permitiu urrar novamente, mesmo sabendo que isso era proibido.
— Silêncio! — disse Helena.
O capitão Kittel fitava a judia deitava sobre a maca em estado de desespero.
— Será que não tem outro bebê aí dentro? — ele questionou voltando-se para Helena que agora estava boquiaberta diante do que presenciava.
Dois bebês? Tinham planejado tudo para um só!
— Não é possível. — desanimou Helena.
Helena se aproximou de Wjera e apalpou sua barriga que não era muito grande apesar da gravidez.
— Sim. Parece que há outra criança aqui. Vamos, força Wjera!
Wjera estremeceu o máximo que pôde. Daí, um outro frágil ser humano saiu de dentro dela. Dessa vez, uma menina.
Tzipora. Era esse o nome dela. Ela e Normand já haviam conversado sobre os nomes dos filhos que teriam um dia. Claro que nunca imaginavam que seriam pais em uma situação assombrosa como aquela.— Eu não posso levar dois bebês comigo. — lamentou Kittel perto de Wjera na maca. — Sinto muito Wjera. Eu realmente queria poder fazer mais por você.
Wjera não disse nada. Apenas olhou para baixo e deixou as lágrimas escorrerem de seu rosto.
— Deixe-a segurar os filhos Helena! Já estou atrasado. Darei mais um tempo a ela. — interceptou o capitão.
Helena se aproximou e entregou os dois bebês à mulher que sorriu como nunca. Eles eram tão magros e finos que poderiam ser colocados em cestas sem que ninguém os notasse. Wjera tinha certeza de que os dois juntos não pesavam 3 quilos.
— O que faremos? — indagou Helena em tom de preocupação.
— Eu levarei um bebê. — disse Kittel convicto. — levarei a menina. Será uma boa companhia para Liesel.
Wjera detestou aquilo. Ele escolheria o destino de seus filhos?
— Liesel vai adorar brincar com ela...
— Tzipora. — disse Wjera. — Por favor, não troque o nome dela Herr
Hauptsturmführer.— Certo. Eu manterei o nome. —
Kittel se abaixou e pegou Tzipora no colo acariciando suas mãozinhas. Ele sorriu para a bebê e começou a niná-la. Era pai de Liesel de dois anos e sabia muito bem cuidar de uma garotinha.
Helena tomou Tsalig nos braços. Wjera enrijeceu.
— Ele ficará comigo. — disse Helena.— Ele vai morrer? — questionou Wjera tremendo dos pés à cabeça.
— Claro que não! Ele será meu filho agora. Assim como a menina será filha de Kittel.
Wjera entendeu tudo. Seria melhor assim. Seria melhor que Tsalig e Tzipora nunca fossem seus filhos. Embora, sempre seriam...
*Hauptsturmführer - patente da SS equivalente à capitão.
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Os gêmeos de Auschwitz
Historical FictionCapa por:@leeh-adorandoojerry Wjera Lehmann é uma professora judia que acabou sendo levada a Auschwitz-Birkenau durante o Holocausto. Lá, ela descobre que está grávida. Helena Schäffer é uma enfermeira do Reich que foi designada para trabalhar na e...