A gravidez

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Quando Wjera Lehmann e Helena Schäffer se viram pela primeira vez foi só briga.

— Judia puta! Pare de vomitar! Está me sujando toda, olha só!

Wjera olhava para Helena com um ar de súplica. Sim, ela queria muito poder parar de vomitar aquele líquido verde que saía de suas entranhas em direção ao chão da enfermaria moribunda de Birkenau, mas seu organismo simplesmente ignorava aquilo tudo. Helena tentava, em vão, limpar aquela sujeira, afinal havia mais oito mulheres ali no quarto, cheias de tifo e cólera.

— Eu... não... consigo... parar...

E mais líquido verde se espalhava pelo chão.

Helena estava completamente irritada. Estava a ponto de explodir de raiva. Pegou a judia pelo braço e a levou ao banheiro.

— Fique aí. Vomite dentro da latrina. Vai diminuir meu serviço.

E assim Wjera Lehmann ficou vomitando por cerca de uma hora.

Quando Helena voltou ao banheiro, tudo já estava escuro, era noite em Birkenau.

— Você precisa voltar ao barracão. As Kapos vão ficar furiosas. — disse Helena ríspida.

Wjera nada dizia. Estava debruçada na latrina e segurava a barriga com a mão direita. A cabeça pendia para baixo e sua respiração estava ofegante. Se levantasse a cabeça, sentia tudo girar ao seu redor.

— Judia, estou falando com você! — Helena gritou e, por impulso, esbofeteou a cara de Wjera que permaneceu imóvel na beirada da latrina.

Helena pôs-se a olhar para a cara marcada de roxo daquele ser humano a sua frente e concluiu que não era uma boa ideia ficar batendo na mulher. Ela sofria de verdade. Com cautela, segurou-a pelo braço e a levou de volta para a enfermaria, deitando-a em uma das macas.

— O que você está sentindo? — Helena questionou.

— Estou enjoada. E tonta. — Wjera disse baixo, quase inaudível.

— Você andou roubando comida? Não é possível que aquela ração horrível iria te fazer mal.

— Não senhora, não roubei nada.

— Não minta judia infeliz!

— Estou lhe dizendo a verdade, senhorita... — Wjera apertou os olhos junto ao supercílio e pôde ler as letras miúdas bordadas no jaleco amarelado da enfermeira — Schäffer.

Helena olhou para Wjera dos pés à cabeça analisando aquele corpúsculo. O que restava do corpo da bela mulher judia eram apenas pele, ossos e olhos esbugalhados.

— Vou buscar uma coberta para você. Essa noite você dorme aqui. — disse Helena saindo do quarto.

Wjera estava sozinha. Daquelas oito mulheres, cinco morreram na mesma tarde e três estavam de volta aos barracões deploráveis de Birkenau e na certa amanheceriam mortas. Os ventos faziam barulho na janela. Wjera imaginou que poderiam ser os espíritos daqueles que pereciam pedindo ajuda para encontrar a paz. Isso a fez arrepiar.

Helena estava demorando. Wjera pensou que ela a havia abandonado à própria sorte naquela enfermaria moribunda, à espera da morte lenta e gradual. Um desespero acometeu o coração de Wjera Lehmann e ela tentou se levantar da maca, mesmo tendo consciência do seu cansaço físico e emocional. Quando tocou a ponta do dedão do pé no chão, o resto de seu corpo pareceu enrijecer-se por dentro como uma engrenagem velha. Ela suspirou até seus pulmões não aguentaram mais de tanto oxigênio ali e bufou. De repente, a maçaneta se virou lentamente. Num sobressalto, Wjera voltou a deitar-se na maca e, por desespero, fechou os olhos, permanecendo imóvel. Sentiu um calor humano emanar naquele quarto fétido e pensou que morreria ali mesmo, pois quem estava ali não era Helena Schäffer, mas sim um homem.

Os gêmeos de Auschwitz Onde histórias criam vida. Descubra agora