Carlos
Sinto minhas mãos tremerem ao mesmo tempo em que estão geladas. Olho para as portas de vidro acompanhando a queda dos inúmeros pingos d'água que se desprendem das nuvens pesadas e cinzas, responsáveis pela mudança na cor natural do céu. Estou acordado desde a chegada da mensagem de Lucius às seis da manhã reclamando da chuva forte, que nos prende em nossas respectivas casas, barrando nossa corrida diária.
O ruivo é tão viciado nessa atividade quanto eu, ainda mais sendo ele o responsável por me apresentar esse hábito saudável, normalmente no inverno por causa do chão escorregadio e do frio extremo temos o costume de irmos para uma academia. Mas ainda falta mais de um mês para a chegada do dia 21 de dezembro, diferente dos anos anteriores, o outono tem tido algumas chuvas fortes estendendo-se mais do que o normal. Tanto que já estamos pensando em adiantar nosso esporte para um espaço fechado.
Obviamente não é a mesma coisa com toda aquela música alta, conversas paralelas, Tv's ligadas e o barulho de alguns equipamentos, sendo estes os principais motivos que nos fazem adiar ao máximo essa mudança de cenário. Eu gosto da calma, do espaço amplo, do cheiro de terra molhada, do vento frio contra minha pele que o parque proporciona. Já Lucius gosta da sensação de liberdade como o bom sagitariano que é. A academia restringe todas essas coisas e sensações.
Mas não é isso que está me deixando com os nervos expostos, mãos frias e trêmulas, o motivo possui outro nome, sobrenome e um endereço próximo: Werner Neuberger, meu vizinho de corredor. Que ao mesmo tempo em que suas atitudes me lembram muito Lucius, quando este começou a dar claras investidas em mim, elas também me parecem diferentes e isso para mim é assustador. Não quero ter todas as dúvidas e todos os medos que eu tinha naquela época, pode parecer bobeira ou algo infundado para algumas pessoas, mas ninguém sabe mais sobre uma pessoa do que ela mesma.
Werner possui a confiança e a certeza de que basta um sorriso de lado e um olhar firmemente direcionado que qualquer pessoa se renderá aos seus pés, algo que Lucius já tinha com apenas 17 anos. Ambos têm o mesmo brilho que expressa luxúria nos olhos, o mesmo andar felino, a mesma facilidade em puxar assuntos com estranhos os atraindo com suas conversas inteligentes, o mesmo sorriso cafajeste!
Não gosto de pisar em terreno desconhecido e ao mesmo tempo não estou gostando desse terreno familiar. Me sinto dividido entre a promotoria e os advogados de defesa. Sendo a primeira claramente contra minha aproximação com Werner, alegando que as dúvidas sobre os sentimentos dele e o medo de ser traído com qualquer pessoa estarão sempre presentes, assim como aconteceu quando eu tinha 18 anos, piorando à medida que eu acompanhava o estilo de vida de Lucius. A segunda parte é contra a primeira e usa como defesa vários pontos diferentes: o fato de agora eu ter 29, ser um adulto responsável e não um jovem adulto inesperiente; de que Werner não é um dos meus melhores amigos que cresceu comigo em cada aspecto da minha vida; de que ele é alguns anos mais velho do que eu. E o mais importante, a realidade nua e crua de que por mais que ele lembre Lucius, este nunca me traiu enquanto estávamos juntos.
"Certo! A segunda parte está mesmo vencendo.", penso me levantando do sofá e caminhando em direção às portas de vidro. Perto o suficiente levo minhas mãos até as cortinas de cor verde esmeralda e deixo minha cabeça ir em direção a porta, encostando minha testa contra o tecido. Respiro fundo e deixo meus olhos se fecharem na tentativa de que assim eu consiga organizar meus pensamentos.
Mesmo que eles – Lucius e Werner – sejam parcialmente parecidos às sutis diferenças existem e se destacam: a confiança do loiro não chega a ser tão evidente e superior quanto a do ruivo, ao mesmo tempo em que os olhos azuis brilham em luxúria também brilham com carinho enquanto os verdes brilham em pura diversão. Embora o andar felino dos dois seja praticamente iguais, o de Werner desprende um magnetismo diferente do de Lucius que me prende com mais facilidade, além de possuir mais leveza.
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Afortunadamente é Você (Romance Gay)
Romance"Afortunados são aqueles que não perdem a capacidade de amar!" - Maristela Chaves Um advogado e um publicitário. Carlos não procura o amor em cada esquina, não sai com duzentas pessoas ao mesmo tempo, ele é um advogado sério e respeitável quase na...