capitulo 10

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Incapaz de esboçar uma reação — mesmo a mais simples delas —, permaneci encarando os olhos ocre-esverdeados do Chewb... Professor Adônis! É professor Adônis, Rebecca, ralhei comigo mesma, pestanejando enquanto a minha mente lutava para calcular qual a chance de aquela estranha coincidência estar acontecendo na minha vida. Dentre todas as pessoas do mundo inteiro, precisava ser o meu vizinho insuportável? — A donzela vai entrar ou queria só atrapalhar a aula mesmo? — rosnou, com o cenho franzido. — Sinto muito — murmurei, passando cabisbaixa por ele, tal como um cachorrinho que sabe ter chateado o dono e, por isso, coloca o rabo entre as pernas, aguardando o castigo merecido.

Caminhei discretamente para a fila da parede, triste por não ter conseguido o meu lugar preferido do mundo: a primeira carteira da fila do meio. Apesar de que, com aquele estúpido, talvez fosse realmente melhor passar despercebida. Arrastei a cadeira suavemente, sentindo o peso do olhar da sala inteira sobre mim. Minha garganta ficara terrivelmente seca e eu tinha consciência do quanto meu rosto deveria estar vermelho naquele exato momento. Quando terminei de tirar o caderno de dez matérias de dentro da mochila e posicionar sobre a mesa, notei que ele estava parado de frente para a minha mesa, com os seus quase dois metros de altura.

Mordi o lado de dentro da bochecha, nervosa com a sua imponente e perturbadora presença. Próximo o bastante para que o seu perfume delicioso penetrasse minhas narinas, roubando a minha sanidade. — Como é o seu nome? — R-Rebecca — balbuciei. — Bom, Rebecca — meu nome estalou em sua língua, ele parecia se deleitar com o meu nervosismo —, como estava dizendo para os seus colegas, eu não tolero atrasos. Em hipótese alguma. Cada vez que atravessar essa porta depois que ela já estiver fechada, é um décimo a menos na média. Estamos entendidos? — Sim. — Sim, senhor. — Sim, senhor — ecoei, sentindo-me ridícula. Ele nem era tão mais velho.

Na verdade, não tinha como saber exatamente, com toda aquela barba, mas eu duvidava que chegasse aos trinta. Por uma fração de segundo interminável, ele continuou me encarando, os olhos brilhando intensamente. Eu conhecia aquele tipo de olhar... Era raiva. Prendi a respiração, sentindo-me severamente exposta e só voltei a usar os meus pulmões quando ele se afastou da mesa, prosseguindo em explicar como seria o seu método de dar aulas. Apesar de tentar me focar em sua voz grossa como o sopro do vento em uma tempestade, meus pensamentos insistiam em me levar para longe. Santo Deus, qual era o problema dele comigo? Eu não o havia dado motivo algum para me tratar assim, a menos que ele considerasse o nosso breve encontro no dia de sua mudança como uma justificativa plausível para o seu desprezo. No entanto, não era só comigo, e eu sabia. Caso contrário, não estariam todos com aquela expressão de morte nos rostos, cujos olhares vazios focavam em direção nenhuma. Estiquei o pescoço para os lados, observando um por um. Pareciam todos desconfortáveis em permanecer ali. A sensação pairando pela sala era semelhante à de uma ida ao ginecologista: embora necessário, era terrivelmente incômodo e difícil. Eu não sei quanto tempo passei distraída observando os outros reféns do Chewbacca do mal, mas foi só ao ouvir um pigarro impaciente que me dei conta de que ele — assim como os demais — me observava com atenção. Então tive a certeza de ter divagado o suficiente para me arrepender por isso. Droga, eu deveria ter dado atenção ao conselho de Arthur. Como queria poder voltar no tempo e jamais ter entrado nesse calabouço! Não hoje, e não tão despreparada!

— Começando por você, Rebecca. Conte para nós a razão para ter escolhido o curso. — Eu adoro ler — limitei-me a dizer, querendo acabar logo com aquilo. — Uma aluna de Letras que gosta de ler! Nossa! Eis um caso que precisa ser estudado. A ironia estava presente em cada uma de suas palavras. Senti o rosto queimar enquanto o estômago gelou — uma antítese de sensações. Aquele idiota... Ouvi poucas risadas ressoarem pelas paredes da sala e constatei que a maioria estava apenas mortificada, temendo ser a próxima vítima. Apesar da provocação de Adônis, resolvi não revidar. Vovô dizia constantemente que eu era uma garota orgulhosa (às vezes ele trocava a palavra por tinhosa), e esta era uma característica da qual eu não me envergonhava. Eu não daria o gostinho para ele, afinal. Embora ele tivesse debochado de mim, eu respondi sua pergunta. Porém, Adônis parecia não gostar de ser contrariado, por isso, inclinou-se ligeiramente em minha direção e insistiu, mudando a pergunta.

O cheiro suave de menta vindo dos seus lábios me deixou momentaneamente desnorteada, como se eu conhecesse aquele cheiro de algum lugar. — O que planeja para depois da faculdade? Ler? Dessa vez, a quantidade de risadas foi maior. Senti as orelhas esquentarem, tamanha era a minha raiva. — Na verdade, isso é exatamente o que planejo, professor! — devolvi, cuidando para não soar muito agressiva. — Quero trabalhar em uma grande editora, então receio que, sim, planejo ler bastante. 

Ele arqueou as sobrancelhas, deixando transparecer a surpresa pela minha resposta. Babaca estúpido! Bem feito para ele se achou, mesmo por um segundo sequer, que eu ficaria acuada. Meus membros delgados, assim como as bochechas rosadas destacando-se no mar lívido da minha pele; ou os olhos de pistache... todo o conjunto contribuía para a imagem de fragilidade que eu tanto odiava. Contudo, eu suspeitava que o agravante fosse o corte de cabelo, com aquela franjinha reta. Ela me roubava vários anos, fazendo parecer que tinha recém completado quinze anos. O grande engano das pessoas sempre foi tomar a minha aparência de maneira errônea, literalmente julgar o livro pela capa. Olhando para mim, a maioria imaginava que eu era uma garota delicada demais para conseguir me defender sozinha. Mas não poderiam estar mais enganados! Eu não queria ser aquela mocinha dos romances. Pelo contrário, eu ansiava ser a heroína das fantasias, empunhando espadas e vestindo cotas de malha. Assentindo levemente com a cabeça, Adônis se afastou alguns passos, voltando-se para outra aluna. Tratava-se de uma garota loira sentada na extremidade oposta, ocupada em descascar pacientemente o esmalte roxo das unhas. Com um som que parecia uma tosse, ele chamou a atenção dela e logo pude ver a cor ser drenada para fora de seu rosto harmonioso.

Foi só então que consegui reparar no meu professor. Eu digo reparar mesmo nele. Porque até aquele segundo, eu apenas estivera olhando, sem verdadeiramente enxergar. Com o seu perfume amadeirado ainda presente nas minhas narinas, permiti meus olhos o estudarem com atenção. Ele usava um jeans rasgado nos joelhos tão justo que não conseguia cobrir os coturnos de couro marrons e, por isso, terminava acima deles. Uma camiseta branca contornando perfeitamente os músculos misturava-se a sua pele tão pálida quanto a minha, por cima da qual um cordão de couro pendia com um reluzente anel prateado servindo de pingente (não pude deixar de associá-lo ao Frodo, de Senhor dos Anéis). Por fim, um relógio no pulso esquerdo, cuja grossa pulseira, também de couro, parecia ter sido feita para o pulso dele. Empertiguei-me na cadeira ao me dar conta de que estava deliberadamente o engolindo com os olhos. Qual era o meu maldito problema? O cara era um tirano... Eu nem devia gastar o meu tempo dando a ele qualquer tipo de atenção. Quando subi o olhar novamente para o seu rosto, para tentar me concentrar no que dizia, encontrei os olhos claros me estudando com intensidade. Parecia até mesmo lerem os meus pensamentos. Ele foi tão rápido em desviar o olhar que eu me perguntei, ainda arfando com nosso breve contato, se tinha sido mesmo real.

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