- CUIDADO! Abri os olhos, sobressaltada. Tateei a cama em busca do celular e, tão logo o alcancei, descobri ser pouco mais de três da manhã. Com o coração batucando de maneira violenta contra a caixa torácica, esperei os olhos se acostumarem com a escuridão do quarto, lutando para organizar os pensamentos caóticos o mais depressa possível. Um grito, eu ouvira um grito.
Não no meu sonho, mas ali no prédio. Foi a razão para eu ter acordado de maneira tão repentina. A voz ainda ressoava na minha mente, angustiada, sofrida e tão alta que parecia ter vindo de algum cômodo do apartamento. Um arrepio percorreu minha espinha e resolvi levantar para averiguar se Arthur tinha mudado de ideia e voltado para casa. Caminhei até a parede oposta, tocando-a em pontos variados, em busca do interruptor. A luz feriu meus olhos. Pestanejei até adequar a visão. - CUIDADO! - um novo urro reverberou pelas paredes, varrendo a cor para longe do meu rosto. Pela máscara do Vader, o que foi isso?, pensei comigo mesma, notando minhas mãos ligeiramente trêmulas. Mudando de ideia, atravessei novamente o quarto, a fim de buscar alguma pista pela janela. Lá em baixo, o estacionamento se encontrava deserto. Se fosse um filme de faroeste, provavelmente seria a cena em que uma bola de feno passaria rolando com o vento. Não tinha ninguém. As folhas nas árvores farfalhavam com o constante sopro do vento e, no céu, a lua minguante refletia uma luz pálida. Suspirei fundo, resignada. Destranquei a porta do quarto e perambulei pelo apartamento como uma alma penada, em busca de algo fora do meu alcance. Pesquei a garrafa de água dentro da geladeira, despejando uma quantidade razoável em um copo de vidro estampado com corações. Sentia-me incapaz de afastar da cabeça a lembrança dos berros. O dono deles parecia tão atormentado e cheio de dor... Era difícil ignorar a urgência com a qual clamara. E o mais estranho era não se tratar de um pedido de socorro, ou uma demonstração de medo.
Ele gritara "cuidado". Mas cuidado com o quê? Esfreguei o rosto, constatando ter perdido qualquer resquício de sono. Como poderia voltar a dormir depois de uma súplica como aquela? Depositei o copo dentro da pia e, no mesmo instante, fui surpreendida pelo som de uma porta sendo destrancada e aberta. Ouvi tão claramente que poderia ter sido ali dentro. Sem pensar muito, percorri a distância até a entrada do apartamento, repetindo as ações da pessoa ao lado de fora. Dentro de mim, existia a certeza de ser o dono do grito. Eu não sabia exatamente o porquê, mas precisava descobrir mais a respeito. Bem, ele havia me acordado, então essa já era uma boa desculpa. Não encontrei ninguém no andar e, por isso, desci as escadas apressada, tomando cuidado para não embolar as pernas. Somente na metade do caminho fui me dar conta de que me achava descalça e ainda vestindo um pijama estampado com inúmeros Stormtroopers. Minhas bochechas queimaram, porém segui o caminho mesmo assim. Eu perdi o juízo, só pode ser isso, pensei comigo, começando a calcular as inúmeras razões para não ser uma boa ideia seguir uma pessoa desconhecida na calada da noite. No entanto, eu apenas não conseguia virar as costas e subir. Sentia-me atraída tal como as abelhas são atraídas pelo açúcar.
Quando alcancei o térreo, reconheci a silhueta alguns metros a minha frente mesmo que o dono dela estivesse contra a luz. Chewbacca. Ou melhor, o professor Adônis. Conforme me aproximava de maneira hesitante, meus olhos foram captando fragmentos da imagem. Eles me deixaram atordoada ao extremo. Ele vestia apenas uma bermuda de moletom preta, os pés descalços como os meus e o tronco nu. Reparei na tatuagem nas costas, pouco abaixo do ombro. Tratava-se uma sereia, constatei ao chegar um pouco mais perto, feita em escala de cinza, cujos enormes cabelos ondulados espalhavam-se ao redor dela. Um lindo desenho feito por um ótimo profissional. Chewie fumava outro cigarro e, tão logo senti o aroma de menta no ar, entendi a razão para o seu hálito ter aquele cheiro. Então, observando-o ali em seu momento tão íntimo, comecei a me questionar sobre o que, de fato, eu pretendia fazer. Já o conhecia minimamente para imaginar a sua reação. Provavelmente seria grosseiro e me mandaria arrumar algo para me ocupar. Preparei-me para subir novamente, querendo dar uma última olhada no corpo forte e alto dele. Exatamente como o verdadeiro Chewbacca. Jamais existiu apelido que funcionasse tão bem para alguém quanto esse funcionava para Adônis.
Como que pressentindo a minha presença, meu vizinho olhou por cima dos ombros, a surpresa tomando seu rosto em questão de segundos. Os olhos, pela primeira vez, não me fitaram com raiva, mas sim com curiosidade. Então, o inesperado aconteceu - ele deu um passo para o lado, fazendo um gesto com a cabeça como se me convidasse para lhe fazer companhia. Mordi o lado de dentro da bochecha, cursando o trajeto até a posição indicada. Senti o peso do seu olhar e, ao buscá-lo, deparei-me com as íris de Outono me estudando com atenção. Da mesma maneira como fizera na aula, tão intensamente a ponto de eu me sentir desnuda. - Já é tarde - comentou e, apesar de despreocupado, tinha o tom impaciente de sempre. Como se, de maneira inconsciente, me alertasse a ficar longe. - A donzela deveria estar dormindo a uma hora dessas.
- Eu estava. - E por que não está mais? - Pela mesma razão que você também não - respondi, arrependida por ter descido. Onde eu estava com a cabeça, no fim das contas? Tragando o cigarro com vontade, Chewie desviou a atenção para um casal em uma moto particularmente barulhenta, que acabava de chegar. Observei-os estacionar, imaginando onde poderiam ter passado a madrugada de uma quarta-feira. Minha imaginação sempre foi muito fértil e, por isso, fiquei tão entretida que ouvir a voz do professor Adônis próxima da minha orelha me fez pular de susto. - Desculpa te acordar - disse simplesmente, deixando a voz morrer o ar. - Então foi você? A memória do rugido retornou muito vívida à minha mente. Cuidado!, tratava-se de um pedido excessivamente simples. Porém, a maneira como foi feito e a urgência naquele berro desentoado... De repente me vi sem fôlego. - Se estou pedindo desculpas... - murmurou ele, carregado de ironia. Seus olhos passearam pela estampa do meu pijama e um sorrisinho rasgou os lábios. Meu rosto esquentou em um misto de vergonha e raiva. Por que ele precisava ser sempre tão grosseiro, sempre tão fechado?
Ignorando o alerta dado pelo meu subconsciente, de virar as costas e deixar o Chewbacca mal humorado para trás, aproximei-me dele um passo, motivada a descobrir a razão dos gritos. Afinal, uma pessoa não berrava no meio da noite sem um bom motivo. - O que houve? - Hum? - Ele arqueou as sobrancelhas, estudando-me com atenção. - Para você gritar... daquele jeito. - Daquele jeito como? Sua voz aumentava o tom a cada nova pergunta feita por mim. Por Bilbo Bolseiro, aquele cara parecia um cão raivoso prestes a avançar a qualquer momento! Abracei o próprio tronco, na tentativa de me proteger do seu crescente descontentamento com a situação. - Eu não sei... Como se alguma coisa horrível estivesse prestes a acontecer na sua frente. Minhas palavras acionaram algum gatilho, pois Chewie fechou a cara em uma carranca assustadora. Suas grossas sobrancelhas se uniram, formando vincos na testa. Ele levou a mão direita ao cabelo e afundou os dedos compridos nele. Balançou a cabeça negativamente, tão indignado como se eu tivesse acabado de pedir para se despir ali mesmo. O que não seria bem uma má ideia..., fui surpreendida pelo pensamento e respirei fundo, querendo recobrar o juízo.
- Nada - respondeu. - Não aconteceu nada. Pode voltar a dormir, donzela. Por alguma razão inexplicável, o tom mandão me deixou uma pilha de nervos. Isso e também o maldito apelido que não tinha nada a ver comigo. Espera aí, se eu estou acordada a culpa é dele! O mínimo que mereço é uma explicação!
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Verdadeiro amor
RomanceSe você se sentir um turista na sua própria cidade Então é hora de ir embora E definir um destino Há tantos lugares diferentes para se chamar de lar.