I m p u n e s

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E L L A    N A R R A N D O

-O que aconteceu com você?- Tyler pergunta e uma lágrima aquece minha bochecha.

Em passos apressados, fujo da escola e das perguntas de Tyler.

Minha cabeça começa a doer e fico um tanto inconsciente enquanto eu corro para algum lugar que eu ainda não sei qual é.

Como um perfeito clichê, a água da chuva se mistura com minhas lágrimas e sinto meus pés latejarem, mas eu continuo correndo na rua molhada e escorregadia.

A raiva faz com que eu sinta meus pulmões quererem explodir e minha garganta fica seca por gritos de socorro que eu não gritei naquela noite.

Subo as escadas com pressa e minha mão bate repentinamente e forte demais na sua porta.

-Já vai!- sua voz parece estressada.

Seus olhos se arregalam ao me ver e eu adentro seu apartamento já afogada em minhas próprias lágrimas.
Felix fecha a porta e fica me observando enquanto eu perco as forças e caio sentada no chão de madeira de sua casa. Abraço minhas pernas e escondo meu rosto entre as mesmas.

-Vai ficar tudo bem- sua mão alisa minhas costas enquanto eu soluço.

-Você estava certo- é tudo que eu consigo dizer.

Ele se senta ao meu lado no chão e me puxa para seu peito.

Diferente de todos os toques que eu senti desde o de Victor, o toque de Felix não me faz querer recuar ou vomitar. Na verdade, o calor de seus braços finos e magrelos fazem-me sentir o mais próximo de protegida que uma menina recentemente... Uma menina como eu poderia sentir.

-Ninguém pode te ferir aqui- ele sussurra enquanto eu choro exprimida e reconfortada em seu peito.

-Eu to com medo- falo com dificuldade- Eu só quero que as coisas voltem ao normal.

Felix continua me abraçando e quando eu consigo parar de chorar, afasto meu rosto de seu peito para olhá-lo.

-Você não precisa me contar o que aconteceu- ele fala com um sorriso confortante nos lábios.

-Eu quero esquecer o que aconteceu- minha voz está trêmula, assim como minhas mãos.

-Tudo bem- ele se levanta e some por uns instantes.

Felix aparece com uma copo d'água e me entrega antes de se sentar ao meu lado no chão.

Eu beberico um pouco e fico encarando o chão por tempo suficiente para, em uma situação normal, ficar desconfortável, mas não fica. Parece que o silêncio se enquadra perfeitamente na situação, como um abraço de urso que aquece e conforta.

Depois de minutos assim, pelo canto do olho, vejo Felix abrir a boca mas fechá-la logo em seguida.

-Eu vou embora- falo me levantando e ele se levanta em seguida.

-Eu quero te contar o que houve comigo- ele fala sem me olhar nos olhos.

-Você não precisa- eu falo mas ele balança a cabeça negativamente.

Nós voltamos a nos sentar no chão, mesmo existindo dois sofás no cômodo.

-Eu tava me trocando no banheiro depois da aula de educação física quando três alunas chegaram. Uma delas era minha "amiga"- ele move seus dedos fazendo aspas- e sabia sobre minha homossexualidade. Elas falaram que queriam me ensinar uma lição e eu tentei fugir ou gritar mas ninguém me ouviu- vejo seus olhos ficarem úmidos e como reflexo seguro sua mão- Eu prestei queixa mas todos os pais das meninas contrataram ótimos advogados e todas as três saíram impunes.

-Impunes?

-Sim- Felix sorri sem mostrar os dentes e limpa uma lágrima que escorre por seu rosto- Os primeiros advogados que meus pais procuraram riram quando souberam que era um menino que havia sido violentado.

-As pessoas são uma merda- falo e ele ri nasalado.

-As pessoas são uma merda- ele repete, concordando.

-Não fizeram nada com as meninas?

-A escola expulsou as três, mas nada ficou normal depois do que houve. As pessoas riam de mim pelos corredores e tudo que eu conseguia fazer era me esconder. Faltava aulas direto. Meus pais entenderam quando eu pedi para nos mudarmos, então assim fizemos, mas não ajudou muito na questão do bullying.

-Como assim?- pergunto.

-Eu continuo sendo homossexual, Ella, e isso, por algum maldito motivo, age como um alvo para críticas e julgamentos- depois que Felix fala isso ficamos em silêncio por alguns minutos.

Tento digerir o que ele acabou de me contar mas ainda não consigo entender tudo. Não consigo entender como as pessoas são tão más, não consigo entender como Felix sobreviveu a tudo isso e não consigo entender como ele se sente seguro depois de todos os acontecimentos obscuros de seu passado.

-Como você fez pra se sentir seguro de novo?- pergunto.

-Eu nunca me senti totalmente seguro- ele dá uma pausa e suspira pesado- Não depois do que aconteceu- Felix me lança um sorriso sem mostrar os dentes antes de falar- Tudo que eu consegui fazer foi aprender a revidar. Eu entrei em cursos de luta e fiz aulas de defesa pessoal. Então toda vez que alguém vem me perturbar, eu sei me proteger.

-Eu queria saber me proteger- admito.

-Eu poderia tentar te ajudar. Eu sou novo aqui na cidade mas posso procurar sobre aulas de defesa pessoal e até ir com você a alguma- sugere.

-Eu não sou forte o suficiente, Felix. Eu nunca conseguiria...- eu nunca conseguiria empurrar Victor se ele me atacasse novamente. Eu nunca conseguiria socar Victor quando ele me olhasse. Eu nunca conseguiria me defender. Eu nunca conseguiria me sentir segura novamente.

Sinto minha garganta arder e meus olhos umedecerem.

-Tudo bem- ele se levanta, some no corredor por alguns instantes e volta com um pedaço de papel com números escritos- Esse é meu celular, se você precisar de qualquer coisa, me avisa- Felix me entrega o papel e eu me levanto- Já contou pra mais alguém?- ele pergunta e eu balanço minha cabeça negativamente.

-Acho melhor eu ir agora- falo depois de guardar o papel no bolso traseiro da minha calça jeans.

-Okay- ele sorri mais uma vez antes de abrir a porta e me deixar ir.

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