U m T e m p o

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E L L A    N A R R A N D O

-Ah, senhorita Campbell! Pode entrar- a professora de literatura fala sorridente quando eu adentro a sala de aula.

Silenciosamente, caminho até a carteira entre Mary e Lauren e, no trajeto, sinto o olhar de todos em mim.

-Pensei que o primeiro tempo era de história- sussurro assim que me sento.

-Era, mas Victor está doente- Mary explica.

-É uma pena que hoje não terei o professor mais sexy dessa escola para alegrar meu dia- sinto ânsia de vômito depois da fala de Lauren- E aí? Você não vai nos contar o que tramou pra sumir?

-Eu estive doente- sussurro enquanto a professora explica alguma coisa na lousa- Altamente contagioso.

É a única mentira na qual consigo pensar que justifique  o meu isolamento.

-Ficamos preocupadas, por que não mandou uma mensagem?- Anne, que está sentada atrás de mim, pergunta.

-Porque meu celular tá com o Tyler- olho para as carteiras no fundo da sala e consigo ver meu namorado sentado no seu lugar de costume. Ele tem seus olhos sob mim e ainda parece chateado pelo que aconteceu no outro dia.

-Harry falou que ele tá bem pra baixo esses dias- Lauren se refere ao seu namorado, Harry, quem é melhor amigo de Ty.

-Acho que vocês precisam conversar- Mary fala.

-Sim, precisamos- concordo, pondo um fim na conversa.

As aulas se passaram lentamente.

O fato de Victor estar doente e não ter comparecido na escola me acalmou um pouco, mas todas as vezes em que a porta da sala fora aberta, meus olhos voavam para ver se era meu professor de história.

São cinco horas da tarde quando a aula acaba -um dos desfavores de estar no último ano é ter que passar o dia na escola- e estou esperando Tyler no meio das arquibancadas da quadra, como ele mesmo pediu durante o intervalo.

-Oi- falo assim que o vejo adentrando a quadra.

-Oi- ele se aproxima e se senta ao meu lado, não muito distante, apenas o suficiente para nossos joelhos se tocarem de lado- Toma seu celular- ele me devolve o aparelho que, por ter demorado tanto tempo para eu recuperar, está sem bateria.

-Obrigada- falo o guardando na minha mochila- Sobre o que queria conversar?

-Eu quero saber o que tá acontecendo- Tyler fala- A gente namora há dois anos e eu não quero que termine... Não assim, Ella.

-Do que você tá falando?

-Você tá distante- ele suspira pesado- Naquele dia eu fui tocar em você, você ficou toda estranha e até vomitou... Eu fiz algo de errado? Há algo de errado comigo?

Por algum motivo, eu sinto vontade de chorar quando Tyler pergunta isso.

Nós nos conhecemos no primário e sempre fomos amigos, o que facilitou muito quando, há dois anos atrás, Ty me chamou para um encontro e me beijou como eu nunca tinha sido beijada antes. Eu o amo demais e nunca quis o magoar, nem o meter nessa confusão que minha vida se tornou nos últimos dias.

-Não, Ty- suspiro pesado- Eu só não to muito bem esses dias... Não é nada com você, eu só preciso de um tempo.

É o melhor que eu posso dizer.

Dizer a verdade para Tyler não só o deixaria devastado como o enlouqueceria. O afastar é a melhor opção... Só mais alguns dias e a polícia vai descobrir o que Victor fez e tudo vai ficar bem. Ou, só mais alguns dias, e meu corpo vai ser descoberto enterrado em uma floresta.

Manter Tyler afastado de toda essa loucura é o melhor que eu posso fazer.

-Um tempo?- seus olhos ficam úmidos e eu quero abraçá-lo, mas não o faço- Quanto tempo, Ella?

-Eu não sei...- me levanto- Eu só preciso de um tempo-  desço os degraus da arquibancada e, ao chegar na quadra, me viro para o olhar- Me desculpa.

-Ella, você não...- ignoro sua fala a saio andando apressada e cansada.

Cansada de ter Victor controlando todas minhas ações e cansada de eu mesma que não sei o que fazer além de me afastar. Me afastar da escola, dos meus amigos, da minha mãe, do meu namorado e da vida que eu tinha antes de tudo isso.

Na noite em que Victor fez o que fez, logo depois que tudo acabou, eu pensei que eu estaria livre de sua ameaça. Por alguma razão, eu pensei que ser estuprada seria a pior coisa que Victor poderia fazer comigo. E foi. Mas toda essa incerteza nas possibilidades de Victor me matar, ou voltar para me abusar novamente, ou apenas me deixar em paz, está me matando. E o que mais me irrita é que eu não sei o que fazer.

Ninguém nunca me ensinou o que fazer quando eu fosse estuprada. Ninguém nunca me disse se eu estaria segura indo para a polícia mesmo sendo ameaçada para não ir. E ninguém nunca disse para Leslie que ela iria para a polícia, e lá, onde ela deveria estar segura, ninguém a ajudaria.

Eu não sei se foi Victor quem realmente matou Leslie. Eu não sei se Victor realmente é capaz de fazer alguma coisa de novo. E eu não sei se eu seria forte o suficiente para derrubá-lo se ele voltasse.

Mas de uma coisa eu sei: Eu não vou mais deixar Victor controlar minha vida... Ou o que sobrou dela.

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