9
E L L A N A R R A N D O
-Ah, senhorita Campbell! Pode entrar- a professora de literatura fala sorridente quando eu adentro a sala de aula.
Silenciosamente, caminho até a carteira entre Mary e Lauren e, no trajeto, sinto o olhar de todos em mim.
-Pensei que o primeiro tempo era de história- sussurro assim que me sento.
-Era, mas Victor está doente- Mary explica.
-É uma pena que hoje não terei o professor mais sexy dessa escola para alegrar meu dia- sinto ânsia de vômito depois da fala de Lauren- E aí? Você não vai nos contar o que tramou pra sumir?
-Eu estive doente- sussurro enquanto a professora explica alguma coisa na lousa- Altamente contagioso.
É a única mentira na qual consigo pensar que justifique o meu isolamento.
-Ficamos preocupadas, por que não mandou uma mensagem?- Anne, que está sentada atrás de mim, pergunta.
-Porque meu celular tá com o Tyler- olho para as carteiras no fundo da sala e consigo ver meu namorado sentado no seu lugar de costume. Ele tem seus olhos sob mim e ainda parece chateado pelo que aconteceu no outro dia.
-Harry falou que ele tá bem pra baixo esses dias- Lauren se refere ao seu namorado, Harry, quem é melhor amigo de Ty.
-Acho que vocês precisam conversar- Mary fala.
-Sim, precisamos- concordo, pondo um fim na conversa.
As aulas se passaram lentamente.
O fato de Victor estar doente e não ter comparecido na escola me acalmou um pouco, mas todas as vezes em que a porta da sala fora aberta, meus olhos voavam para ver se era meu professor de história.
São cinco horas da tarde quando a aula acaba -um dos desfavores de estar no último ano é ter que passar o dia na escola- e estou esperando Tyler no meio das arquibancadas da quadra, como ele mesmo pediu durante o intervalo.
-Oi- falo assim que o vejo adentrando a quadra.
-Oi- ele se aproxima e se senta ao meu lado, não muito distante, apenas o suficiente para nossos joelhos se tocarem de lado- Toma seu celular- ele me devolve o aparelho que, por ter demorado tanto tempo para eu recuperar, está sem bateria.
-Obrigada- falo o guardando na minha mochila- Sobre o que queria conversar?
-Eu quero saber o que tá acontecendo- Tyler fala- A gente namora há dois anos e eu não quero que termine... Não assim, Ella.
-Do que você tá falando?
-Você tá distante- ele suspira pesado- Naquele dia eu fui tocar em você, você ficou toda estranha e até vomitou... Eu fiz algo de errado? Há algo de errado comigo?
Por algum motivo, eu sinto vontade de chorar quando Tyler pergunta isso.
Nós nos conhecemos no primário e sempre fomos amigos, o que facilitou muito quando, há dois anos atrás, Ty me chamou para um encontro e me beijou como eu nunca tinha sido beijada antes. Eu o amo demais e nunca quis o magoar, nem o meter nessa confusão que minha vida se tornou nos últimos dias.
-Não, Ty- suspiro pesado- Eu só não to muito bem esses dias... Não é nada com você, eu só preciso de um tempo.
É o melhor que eu posso dizer.
Dizer a verdade para Tyler não só o deixaria devastado como o enlouqueceria. O afastar é a melhor opção... Só mais alguns dias e a polícia vai descobrir o que Victor fez e tudo vai ficar bem. Ou, só mais alguns dias, e meu corpo vai ser descoberto enterrado em uma floresta.
Manter Tyler afastado de toda essa loucura é o melhor que eu posso fazer.
-Um tempo?- seus olhos ficam úmidos e eu quero abraçá-lo, mas não o faço- Quanto tempo, Ella?
-Eu não sei...- me levanto- Eu só preciso de um tempo- desço os degraus da arquibancada e, ao chegar na quadra, me viro para o olhar- Me desculpa.
-Ella, você não...- ignoro sua fala a saio andando apressada e cansada.
Cansada de ter Victor controlando todas minhas ações e cansada de eu mesma que não sei o que fazer além de me afastar. Me afastar da escola, dos meus amigos, da minha mãe, do meu namorado e da vida que eu tinha antes de tudo isso.
Na noite em que Victor fez o que fez, logo depois que tudo acabou, eu pensei que eu estaria livre de sua ameaça. Por alguma razão, eu pensei que ser estuprada seria a pior coisa que Victor poderia fazer comigo. E foi. Mas toda essa incerteza nas possibilidades de Victor me matar, ou voltar para me abusar novamente, ou apenas me deixar em paz, está me matando. E o que mais me irrita é que eu não sei o que fazer.
Ninguém nunca me ensinou o que fazer quando eu fosse estuprada. Ninguém nunca me disse se eu estaria segura indo para a polícia mesmo sendo ameaçada para não ir. E ninguém nunca disse para Leslie que ela iria para a polícia, e lá, onde ela deveria estar segura, ninguém a ajudaria.
Eu não sei se foi Victor quem realmente matou Leslie. Eu não sei se Victor realmente é capaz de fazer alguma coisa de novo. E eu não sei se eu seria forte o suficiente para derrubá-lo se ele voltasse.
Mas de uma coisa eu sei: Eu não vou mais deixar Victor controlar minha vida... Ou o que sobrou dela.

VOCÊ ESTÁ LENDO
P O W E R F U L
De TodoNão há nenhuma forma bonita de dizer que Ella foi estuprada, abusada ou violentada. Chame do que quiser, ainda fora o ato mais brutal, humilhante e assustador pelo qual ela passou. Antes, Ella era uma garota exemplar. Boas notas, boas maneiras, bo...