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E L L A N A R R A N D O
Os dias se passaram e em nenhum deles eu fui à escola ou até saí de casa. Ignorando telefonemas e não respondendo à campainha, consegui esconder minha existência de Mary e Tyler e qualquer um que tentou me contactar.
Mas hoje era o dia que minha mãe voltaria de sua conferência e, conhecendo minhas amigas e namorado como conheço, tenho certeza de que eles procuraram minha mãe para saber sobre mim.
-Ella?- ouço a voz da minha mãe.
Estou encolhida na minha cama, escondida por baixo do edredom na esperança de que ela acredite que estou dormindo.
-Você não foi pra aula, querida?- consigo ouvir Rosie adentrando meu quarto.
Ela se senta ao meu lado e, mesmo de olhos fechados, consigo sentir seu olhar em mim.
-Filha, acorda- sua mão toca meu ombro e eu abro meus olhos.
-Oi- sussurro.
-O que está acontecendo, Ella? Seus amigos me ligaram preocupados falando que você não atendia o telefone, não abriu a porta de casa e seu celular ficou com Tyler- seus olhos azuis estão concentrados em mim e eu só quero que ela saia do meu quarto.
-Eu não estou me sentindo muito bem.
-O que há de errado?- seus dedos voltam a me tocar, agora em minha testa, verificando minha temperatura corporal- Você não está quente nem nada.
-Eu só não estou muito afim de sair- recuo de seu toque e sento-me na cama com as costas na cabeceira.
-Mary me contou que você tem faltado- ela suspira pesado- Você está no seu último ano, você não pode ficar faltando assim sem motivos.
-Sem motivos?
-Eu estou perguntando o que há de errado, você não me fala!- Rosie diz depois de revirar os olhos- Me conta o que você tá sentindo pra eu poder te dar algum remédio ou alguma coisa.
-Nem tudo pode ser curado com remédios, mãe- me levanto da cama e pego um casaco de moletom preto no meu armário.
-Eu estou cansada, vou tomar um banho e dormir- ela também se levanta- Quando quiser conversar, fale, até lá, você não falta mais aula.
Então minha mãe me deixa sozinha no meu quarto.
Cansada da minha própria casa -e da minha vida também- tranco a porta do meu quarto e vou até a janela, abro-a e vejo a escada de incêndio externa do prédio.
Saio do apartamento pela janela e, como a escada externa de incêndio é literalmente grudada à minha janela, não tenho dificuldades em sair escondida.
Ao chegar na rua, começo a caminhar apressadamente até a loja de conveniência que era a dois quarteirões de distância.
Abro a porta de vidro da loja e um barulho de sino irritante escoa pelo ambiente. Uma menina que estava sentada atrás do balcão me olha com cara de tédio e eu reviro meus olhos antes de sumir entre as prateleiras.
Se minha mãe vai me forçar a ir pra escola, eu vou me preparar.
-Quanto custa isso?- pergunto levando o canivete até a menina.
-Dez dólares- pego uma nota de vinte em meu bolso e, depois de guardar o troco, saio da loja em passos largos, tomando meu caminho pela calçada na direção de casa.
-É o melhor pra você, Ella- minha mãe fala ligando o carro.
Eu tinha pensado na possibilidade de passar o período da aula na escada do prédio, como no outro dia, mas minha mãe fez questão de me trazer até a escola.
-Diga o que você quiser para se sentir melhor- olho pela janela do carro e observo o caminho.
Sinto minha barriga gelar quando passamos pelo beco onde Victor me... Onde Victor fez o que fez.
Toda a vulnerabilidade que aquele lugar representa para mim, me causa um sentimento que nunca senti antes, uma mistura de raiva, ódio, medo e pavor.
-Não esqueça de pegar seu celular com o Tyler, querida- Rosie fala assim que estaciona seu carro na frente da escola.
Puxo o capuz do meu casaco preto de moletom -sim, a mesma roupa da noite anterior- e começo a caminhar para dentro da escola.
Sinto alguns olhares acompanharem a minha pessoa enquanto eu tomo meu rumo em direção ao banheiro.
Meu único plano era passar a aula escondida, rezando para que ninguém sentisse minha falta na sala e que Victor tivesse sofrido algum acidente fatal durante o período em que eu estava ausente.
-Ella?- ouço a voz de Tyler em meio ao barulho do corredor da escola.
Merda.
Finjo que não o ouvi e continuo caminhando.
Pelo canto do meu olho consigo ver meu namorado se aproximando e, quase involuntariamente, eu aperto o canivete no bolso frontal do meu casaco.
-Ella!- Tyler corre um pouco para me alcançar e eu paro de andar para olhá-lo.
-O que aconteceu?- pergunto me referindo às olheiras que cercam seus olhos azuis.
Ele solta um sorriso debochado e desvia seu olhar por um instante. Suas mãos vão para sua cintura e ele é tão mais alto e eu tão baixa e só consigo me lembrar de quão pequena Victor fez-me sentir.
-Eu que te pergunto, Ella!- sua voz demonstra estresse e preocupação- Eu tentei falar com você, eu fui na sua casa e nada! Eu fiquei preocupado, porra! Que merda que aconteceu pra você sumir?
O sinal toca, avisando que a primeira aula acabara de começar, então o corredor se esvazia rapidamente.
-Eu só quero ficar sozinha, Tyler, desculpa- quando me viro para ir embora, sua mão segura meu braço com ferocidade e, em resposta, minha garganta seca, meus olhos ficam úmidos e eu o olho com medo- Não me toca- minha voz falha e Tyler me solta. Minhas mãos tremem e penso no mesmo toque brutal de Victor.
Um gosto amargo surge em minha boca e eu olho ao redor procurando um lixo, mas não acho, então acabo vomitando no chão do corredor.
Sinto as mãos macias de Tyler segurando meu cabelo e me segurando pela cintura como se eu fosse quebrar a qualquer momento.
Assim que acabo de vomitar, recuo para longe de Tyler e ele balança a cabeça negativamente.
-O que aconteceu com você?- ele pergunta e uma lágrima aquece minha bochecha.
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P O W E R F U L
De TodoNão há nenhuma forma bonita de dizer que Ella foi estuprada, abusada ou violentada. Chame do que quiser, ainda fora o ato mais brutal, humilhante e assustador pelo qual ela passou. Antes, Ella era uma garota exemplar. Boas notas, boas maneiras, bo...