-Bem, creio que isso é tudo, senhor Caetano. Esses são os documentos. O garoto está esperando no carro. Vai usar um par de muletas por alguns dias. Os documentos já estão com o senhor, e os seus pertences que encontramos em sua casa já estão em uma mala no carro. O resto das coisas, o que for possível, vamos tentar enviar para a família que mora longe.
Na manhã seguinte, o Sr. Caetano recebia o conselheiro tutelar da cidade, um homem alto, forte, negro e careca de óculos escuros, mais parecendo um segurança do local, bem cedo. Era o mesmo homem que estivera com o garoto no hospital. Um carro preto até que bonito estacionado do lado de fora. Theo aguardando em silencio dentro dele, enquanto os últimos detalhes eram discutidos na sala do senhor Caetano no final do grande corredor. A maioria das outras crianças ainda não tinha levantado. Bernardo ajudava a cozinheira a pôr a mesa de café da manhã para as crianças.
-Fizemos isso milhares de vezes, senhor Caetano. Há algo que o incomoda dessa vez?
-N-não, absolutamente! Farei o melhor por essa criança como fiz por todas que estiveram aqui nos últimos quarenta anos!
Achava estar disfarçando melhor sua apreensão atrás do bigode. Ledo engano, entretanto. O conselheiro levantou-se, tirando os óculos.
-Um dia após o outro, resolvendo os problemas pedacinho por pedacinho, com amor e paciência. Como o senhor mesmo me ensinou anos antes! - Sorriu, tirando os óculos escuros por um breve momento.
-Sim, é verdade.
Seguiram ambos para o lado de fora do prédio, no pequeno estacionamento do orfanato. O conselheiro abriu o carro. O garoto de olhos e cabelos castanhos permanecia calado.
-Theo, nós chegamos. Você vai ficar aqui. - Disse o conselheiro.
Timidamente saiu do carro, com apoio do conselheiro, que lhe entregou as muletas em seguida. Como parte da sua coordenação motora tivesse se perdido no acidente, não podia andar sem apoios, e mesmo assim, era um andar lento e sem jeito. O conselheiro em seguida foi pegar sua mala no porta-malas.
-Oi.
-Ola, garoto! - Caetano tentou sorrir. - Vamos cuidar bem de você aqui, ta bom?
-Q-quando eu vou ver os meus pais? - Pergunta, timidamente.
-Não contou a ele?
O conselheiro se aproximou de Caetano com a mala nas mãos, já entregando-a a ele, e dizendo em voz baixa para que ele lesse seus lábios:
"Fiz um teste ontem a noite. Chorou até dormir. Vocês precisam ver como podem resolver isso!".
Fez-se total silêncio por alguns segundos. Enfim, toda a apreensão do Sr. Caetano mostrava-se verdade. O garotinho era um caso raríssimo de amnésia anterógrada que, se tinha visto em um filme ou dois, onde ela foi incluída só para aumentar o drama e fazer o público chorar, agora era uma questão bastante real diante dos seus olhos. E nem seus mais de quarenta anos de experiência com crianças, muitos deles hoje homens feitos, inclusive o conselheiro, eram suficientes para lhe dizer o que fazer ou pensar sobre aquilo. Bem, sempre há algo novo para aprender, esta outra coisa que havia ensinado ao conselheiro anos antes.
-Bem, acho que isso é tudo. - Virando-se para o garoto. - Ainda vai me ver algumas vezes, mas não quero que se preocupe com isso! Eu também fiquei por algum tempo aqui quando tinha a sua idade e são pessoas muito boas, você vai gostar daqui! Te vejo outro dia!
Sorriu e cumprimentou o garoto. Fez uma breve reverência ao Sr. Caetano em seguida, entrando no carro e se retirando depois, deixando os dois a sós.
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Mais que Memórias
General FictionAinda um garoto sofre um grave acidente onde perde os pais. É jogado para fora do carro antes da colisão e bate a cabeça contra o asfalto com muita força, o que trás graves consequências. Parte da sua coordenação motora fica fragilizada e ele "desa...