Capítulo 6

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Ficou nem se lembra direito quanto tempo em seu quarto, esperando a raiva e a dor passarem. Bem, a raiva passou. Logo ele estava novamente em si. Mas a culpa, essa parecia que não desapareceria nunca mais. Levantou a cabeça por um instante. Olhou para o espelho. Um homem triste se mostrou. Enxugou as lágrimas. Ainda era jovem e estava muito disposto a dar o seu melhor, como é próprio da juventude. Mas nem jovens e nem experientes jamais estão livres de um dia muito ruim. Ou as vezes o mês inteiro de pedras sobre si.

Levantou-se. Era hora de fazer alguma coisa e consertar os seus erros. Olhou no relógio. Pelo horário, tinha que conferir se as crianças estavam devidamente prontas para a escola. Correu de volta para o quarto o mais rápido que pôde. Não havia mais ninguém lá.

-Já cuidei de tudo. As crianças vieram me contar sobre o que houve com Guilhermo e Theo. A propósito, Theo já foi ao colégio com Jaime e Gabriela. Guilhermo está esperando você na minha sala.

Era o senhor Caetano, que, apesar de ter todo o direito de estar muito bravo com ele, e talvez até disposto a desligá-lo do orfanato, direcionava um olhar de compreensão.

-Você... Brigou com ele?

-Eu o encontrei chorando em um canto, no jardim dos fundos. Ele disse que você disse coisas horríveis para ele. Depois as crianças me explicaram o que aconteceu, e, bem, acho que isso é sobre vocês dois, então tem que ser resolvido entre vocês dois.

-Dessa vez eu não posso castigá-lo. Porque eu fui tão ruim quanto ele. Fico feliz que ele não tenha tentado fugir. De novo.

-Eu... Vejo que você tem se sentido muito pressionado com todas as necessidades que esse garoto, Theo, precisa, ao mesmo tempo em que tem que continuar cuidando dos outros. Sei que você não está bem. Se quiser, nós podemos deixá-lo com outra cuidadora. Ou então, quem sabe, solicitar verba a prefeitura e contratar mais um cuidador para ficar só com ele. Eu sei que...

-Não! Não quero desistir do Théo! Ele é a criança mais especial que já apareceu por aqui, por causa das suas diferenças! Ele precisa muito de alguém agora! E me desculpe se isso possa soar ruim de alguma forma, mas eu não acredito que vamos encontrar tão facilmente alguém que possa entendê-lo, entender como se sente e como as coisas tem sido difíceis para ele!

-E Guilhermo?

-O mesmo para ele. O senhor bem sabe que as crianças que mais precisam de amor são aquelas que o renegam. Eu não vou desistir dele também. Com licença!

* * *

Entrou devagar na sala do senhor Caetano. Tinha total liberdade de sentar em sua cadeira se quisesse, mas não era hora de hierarquizar a conversa. Puxou outra cadeira e sentou-se próximo de Guilhermo, de frente para ele. O garoto tinha chorado e isso estava visível em seu rosto.

-O que você quer?

-Conversar. Sobre o que aconteceu meia hora atrás. Porque, Guilhermo? Porque você fez isso? Nós e as outras crianças conversamos várias vezes sobre Theo. Você sabia que isso poderia machucá-lo. Bem, ele não foi o único que foi machucado. Nós todos fomos. Você também. Porque?

-Eu disse... Que nós o raptamos para fazer experiências com ele. Que somos cientistas malucos.

-Não perguntei o que disse. Perguntei por que você fez isso.

-Para ele ir embora.

-Porque não quer ele aqui?

-É tudo sobre ele! Você está o tempo todo com ele! Até sai do orfanato com ele às vezes!

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