Capítulo 9

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-Qual o seu problema, idiota? - Berrou, assim que me viu.

-O que?

Ela segurou minha mão e me puxou para outro lugar. Qualquer lugar onde pudéssemos conversar a sós. Quando vi, meus olhos viam novamente o jardim. As outras crianças estavam se preparando para o almoço e nós estávamos deliberadamente fugindo da nossa rotina de sempre.

-Porque fez aquilo com o Theo? O que ele fez para você?

-Nada! Além de tomar o Tio Bernardo e todos vocês para ele!

-Como é?

-Digo... Menos você. Mas fora isso, tudo o que tem acontecido aqui é em torno dele. Por um momento esqueci que ele não podia andar e tentei fazer ele fugir! É só isso que eu queria, que ele ficasse longe!

-Você agiu como um idiota hoje!

Ela deu-me as costas. Estava realmente magoada com o que eu tinha feito. E, aparentemente, não tinha nada a ver com o que Theo sofreu pelo que eu fiz, mas sim, com a pessoa que mostrei que era no momento em que fiz aquilo com ele.

-Você... Disse que ia mudar! - Murmurou.

-Eu sei, e eu estou tentando, tá? Eu estou fazendo tudo o que eu posso, mas ninguém olha para mim por causa dele, então ninguém me vê tentar! Por favor, olha para mim!

Realmente me incomodava em um nível absurdo ela falar comigo sem olhar para mim, ou melhor, eu falar com ela sem poder ver os seus olhos. Porque, era aquilo que eu precisava para ficar em paz. Toquei de leve seu ombro.

-Eu vi tudo, eu vi tudo o que você fez, e como se esforçou, para todos gostarem de você, até mesmo o Jaime! O jeito como o protegeu na escola mês passado! Eu sei que você não gosta dele, mas, foi como um irmão mais velho naquele dia! E agora, você destruiu tudo o que se esforçou tanto para construir!

-Você... Vai deixar de falar comigo também?

E então, assim do nada, ela vira-se para mim e me abraça, em silêncio, sem que eu pudesse entender o porquê, o que se passava dentro dela sobre tudo aquilo. Mas eu finalmente sabia o que ela queria. Queria que as coisas continuassem tranquilas dali para frente, para nós dois, para que pudéssemos continuar perto um do outro. Era isso. Então a abracei forte.

* * *

Por mais de uma semana, as coisas estiveram tranquilas. E graças a Deus, o Theo esquece as coisas, porque graças a isso, as consequências do que fiz com ele só duraram até o fim do dia. Se não fosse isso, ele continuaria mal e Gabriela permaneceria magoada comigo. Talvez o tio Bernardo também. Ainda não tinha voltado a falar com ele. Se por um lado, Theo se esqueceu daquele dia, ou assim eu queria acreditar, eu não tinha esquecido as palavras do tio Bernardo.

Mas, em uma bela manhã, outro tio Bernardo entrou pela porta do nosso quarto, no horário em que costumávamos acordar. Sorria de orelha a orelha. Acordou os que dormiam um por um do jeito suave como sempre fazia, foi até o Theo e o acordou explicando as coisas para ele como sempre, e em seguida, se posicionou no meio do quarto, como um apresentador de TV que vai anunciar alguma coisa.

-Crianças, quero que se arrumem agora, mas não irão a escola hoje! Digo, nenhum de vocês tem nenhuma prova e nem nada do tipo, então, não tem problema tirarmos um dia de folga, certo?

-Não vamos a aula?

Essa fala saiu de dentro de mim sem que eu pudesse evitar ou mesmo tivesse consciência de que isso ia acontecer antes que acontecesse. Eu disse que não ia falar com ele, e mesmo assim, ele conseguiu me fazer quebrar minha palavra.

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