Capítulo 3

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Guilhermo chega correndo até os outros no playground do lado de fora do prédio. Os cabelos lisos e loiros balançando ao vento.

-Vai chegar mais um menino!

-O que? Mais um? - Ouvem-se mais respostas no meio do burburinho enquanto os outros se aproximam.

-Eu ouvi o seu Caetano falando no telefone, mas parece que ele é doente! Falaram alguma coisa que não entendi!

Dois dos olhos mais curiosos eram os de Jaime. Cabelos ruivos e sardinhas. A voz mais aguda que a maioria dos outros meninos. Três anos menos que Guilhermo.

-E será que ele vai ficar com a gente?

-Eu ainda não sei! Parece que ele está conversando com o tio Bernardo! Acho que sim!

-Falando de mim?

Bernardo se aproximava, após falar com o senhor Caetano. Vinha dar as notícias, mas parece que alguém já tinha feito o trabalho por ele.

-Já não disse que é feio ouvir as conversas dos outros, Guilhermo? - Repreendeu.

-S-sim, tio.

-Ótimo, espero que não aconteça de novo!

Guilhermo baixou os olhos. Os demais olharam todos para ele, com os olhos curiosos.

-A família dele sofreu um acidente de carro. Ainda não sei muito sobre. Sei que ele perdeu ambos os pais e agora está em tratamento no hospital. Não sei exatamente quando ele vem, mas parece que ele tem alguma deficiência. Vocês vão me ajudar a cuidar dele, não vão?

As crianças se entreolharam. A cidade era pequena. Era raro receberem mais crianças, mas quando chegavam eram sempre bem vindas. No entanto, um deficiente causava certo estranhamento, ainda mais quando nem sabiam de que deficiência se trata, e, portanto, nem teriam chance de se preparar para ela. Mesmo assim, era uma criança, com um sapato que também lhe apertava, e cada um ali sabia do seu.

-Vamos! - Um tímido sorriso de Jaime.

-Sim! - Gabriela.

-Tá bom. - Guilhermo, a contragosto, sem olhar Bernardo nos olhos, somente porque Gabriela também concordou.

E em seguida, os outros, um a um se manifestando em favor do garoto, ainda que alguns só o tenham dito para não contrariar Bernardo.

-Ótimo! - Sorriu. - Tenho certeza de que ele vai ser muito feliz aqui, assim como vocês, e sei que vamos gostar dele! Mas não sei ainda o dia exato que ele vem! Depende de como ele se recuperar no hospital! Sei que não conhecemos ele, mas, por favor, vamos rezar por ele até lá, ta bom?

Se entreolharam.

-É uma criança enferma, pessoal! Lembram do que o senhor Caetano sempre diz? Não devemos lembrar só de nós em nossas orações, mas de todos aqueles que precisam de ajuda de alguma forma, sobretudo pessoas inocentes e quem precisa de perdão!

-Ele não tem culpa de ter se machucado! - Disse o ruivinho.

-Isso mesmo, Jaime! Ele não tem culpa! Mais uma razão para a gente rezar por ele, não é?

Ele sabia o que significava ensinar uma fé para as crianças. Sabia que muita gente fora do orfanato desaprovaria isso. Mas não o senhor Caetano. Eles mesmos se questionariam mais tarde se queriam seguir acreditando em Deus ou não, como muitos o fazem na sociedade. O importante naquele momento, é que acreditassem em algum tipo de justiça, maior do que o que as pessoas sabem que existe por certo nesse mundo. E também porque isso as ajudava a aceitarem sua condição. Certo ou errado, isso as estava ajudando.

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