Eu estava sentado ao lado da cama dela, com aquelas flores na mão. A olhava enquanto dormia, eu estava cuidando dela mas ao mesmo tempo sentia-se protegido. Karoline Konshakova, uma linda russa alta e maravilhosamente destemida que se tornou uma garota frágil e doente, considerada louca foi internada em um manicômio em uma cidade próxima à Dumbwood. Ela estava acordando.
- Desculpa se te acordei, mãe. - eu disse.
- É tão bom acordar olhando pra esse lindo rosto. - Ela disse com um sotaque que agradava os meus ouvidos. - Mas você não pode vir a essa hora, Konstantin chegará a qualquer momento.
- Eu não me importo com ele. Estava com saudades de você.
- Mas é perigoso Dylan, eu não quero que fique perto daquele monstro.
- Eu vou te tirar daqui mãe, ele vai pagar pelo que está fazendo contigo.
Os olhos dela encheram-se de lágrimas e ela segurou firme a minha mão.
- Você significa tudo pra mim.
Ouvi aquilo e encostei minha cabeça no colo de Karoline, meu choro era tão profundo que nada mais se ouvia naquele quarto. O silêncio terminou quando a porta se abriu e Konstantin Konshakov adentrou o local, lançou um olhar firme e frio em mim que logo levantei assustado.
Karoline se despediu de mim e eu saí do quarto, ela estava doente mas a tratavam como louca e isso me irritava.
Mas naquela noite, eu não fui embora. Fiquei ali no carro do meu pai, o esperando.
Konstantin ficou cerca de duas horas no quarto de sua esposa e certamente foram duas horas de angústia e sofrimento para Karoline, apesar do quanto ela o amava era difícil ficar na presença de alguém tão nojento.
Ao sair do local, Konstantin logo me viu com uma blusa preta e as mãos no bolso encostado em seu carro, olhando para algum lugar que não transmitia estímulo nenhum.
- Por que não foi embora ainda? É muito tarde pra uma criança estar na rua. - disse Konstantin.
- A criança nessa pergunta sou eu ou você?
Sempre respeitei meu pai, embora fui humilhado todos os dias na presença dele, só que desde que fugi de casa e fui morar sozinho em Dumbwood, o respeito terminou. E Konstantin não admitia desrespeito.
- Eu não te criei pra agir com tanta insolência moleque mimado!
A forma com que Konstantin falava bufando e lançando um olhar raivoso sempre me deixava trêmulo mas hoje eu permaneci intacto, encarando com esses olhos azuis a alma apática de meu pai.
- A verdade é que você não me criou, tudo o que fez foi me alimentar, me manter vivo se é que eu posso chamar aquilo de vida.
Konstantin bateu com força a mão direita na porta do seu carro, pertíssimo do meu rosto, pulei de susto e demonstrei a primeira reação, o medo. Aquele medo que tive com quatro anos quando meu pai me agrediu a ponto me deixar inconsciente apenas porque derrubei seu relógio de parede. O mesmo medo que tive com sete anos de idade quando meu pai me obrigou a andar de bicicleta em uma descida sem as rodinhas, caí e o resultado foi a quebra de meu ombro e maxilar. Um medo que senti com onze anos de idade quando minha mãe traiu meu pai e acabou parando em um manicômio sendo chamada de louca por todos. O medo que eu tive com quinze anos de idade quando fugi de casa e tive que viver escondido em uma cidade remota e pacata desde então. Eu não queria mais sentir esse medo.
- Eu fiz tudo por você e sua mãe e o que vocês devolvem é ingratidão.
- Internou ela e cuidou tão mal de mim que precisei fugir de casa, ah é, fez muito por nós.
- Sua mãe precisa de cuidados, eu a Internei pro bem dela.
- Não finge que se importa com alguém além de você!
Nesse momento eu atravessei a linha de paciência de Konstantin, e o homem alto me empurrou com força sobre o carro e colocou as mãos em meu pescoço. Eu estava sem ar e tentava tirar as as mãos de meu pai dali, mas o esforço era inútil. Meu pai me enforcava com tanta raiva que poderia me matar, e iria. Uma lágrima escorreu do meu olho enquanto comecei a falar com dificuldades:
- Eu tentei dar o meu melhor pra dar algum motivo de orgulho pra você, com seis anos eu treinava por horas diárias durante um tempo de cento e vinte dias pra vencer aquele torneio de natação que você nem se quer foi assistir, eu estava preparado pai, eu iria vencer e sei disso. Enquanto os meus adversários estavam fazendo suas provas eu aguardava a sua chegada mas você nunca veio, eu fui o último a participar e estava tão frustrado com sua falta que nem pude terminar a prova. Tirei notas altas durante todo o Ensino Fundamental e você nunca foi em uma reunião, sempre era minha mãe, mas na oitava série quando tirei minha primeira nota ruim você estava lá pra me agredir e humilhar, dizer que não sou nada como se aquela única nota ruim definisse quem eu sou.
Me esforçava pra falar enquanto o ar ficava limitado, minhas forças estavam se esgotando e meus olhos quase fechavam. Konstantin bateu minha cabeça com força sobre o carro me fazendo despertar.
- Você nunca foi motivo de orgulho pra mim, sempre o garoto que fazia tudo errado e sempre vai ser o mesmo inútil. Nunca ficou satisfeito com nada do que eu fiz e sempre queria mais.
- Não, tudo o que eu queria era um pai, todo garoto quer alguém pra chamar de herói, meu pai foi o vilão. Desculpe, mas eu não posso ser perfeito.
Reagi dando uma joelhada na barriga de Konstantin e lançando o rosto dele sobre o vidro do carro, a sensação é de que ambos se quebraram. Eu havia feito aulas de Muay-Thai com Liv e o motivo era esse momento, nunca mais deixar meu pai me agredir. O problema é que essa reação gerou um ódio incontrolável em Konstantin que veio pra cima de mim me jogando ao chão, logo me levantei e o chutei contra o carro. Konstantin direcionou um soco a mim mas desviei e segurei o braço do meu pai, o torcendo e quebrando seu dedo menor. Dei joelhadas no rosto do maldito e um soco em sua cabeça, Konstantin cambaleou e caiu, ao abrir seus olhos eu estava sentado sobre ele o enforcando. A minha raiva era tão inimaginável naquele momento que não pude parar.
- Eu nunca fui bom o suficiente pra você e nunca serei. - lágrimas escorrerem do meu rosto. - Essa é a única maneira de que eu e minha mãe nos livraremos de você, eu sinto muito.
O corpo de Konstantin foi parar no porta-malas de seu próprio carro. Estava frio como sempre esteve, sem vida. Matei meu próprio pai e fugi com seu carro, enterrei o corpo do homem em algum local remoto na floresta e deixei o carro afundar no Lago.
Aquela noite não alterou muitas coisas, eu continuei sem pai da forma que sempre estive.
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O Cerco II - Recomeço
Mystery / ThrillerLogo após os eventos traumáticos que Z causou, Dumbwood acreditava que seria uma cidade pacífica agora. Mas o mal continuaria surgindo, não importa o quanto lutassem. Dessa vez, o inimigo é outro. A crueldade foi dobrada e o número de mortos...