Eu estava sentado em uma das cadeiras brancas da clínica, todo o resto ali era branco. Uma enfermeira passou com roupas brancas, típico. Um homem com crachá de psiquiatra estava de branco, normal. Uma moça com produtos de limpeza vestia branco, questionável. Uma paciente estava olhando pro teto e sorrindo, com roupas brancas. Eu já imaginava qual seria a cor do meu uniforme.
Ao pensar que essa clínica foi palco da maior tragédia de Dumbwood, não consegue-se entender a harmonia do local agora. Pessoas tranquilas, tirando os pacientes internados ali que pareciam ser difíceis de cuidar. De qualquer forma, eu estava preparado.
Uma moça bonita veio em minha direção anotando em uma prancheta:
- Luke Williams?
- Sou eu.
- Terceira porta a direita nesse corredor, Eduardo está te esperando para a entrevista.
- Obrigado. - "até que não demorou tanto", eu pensei.
Caminhei no corredor passando pelas portas e paredes brancas mas ao abrir a porta eu logo percebi, aquele homem, o Eduardo, não estava de branco. Ele se levantou e esticou o braço em sinal de cumprimento, eu abri um sorriso e cumprimentei. Eduardo tinha uma aparência de pessoa simpática, olhos azuis observadores. Fez perguntas sobre mim, um tanto quanto pessoais, e eu tentava não travar em algumas respostas, um tanto quanto conturbadas.
- Você tem o perfil pra trabalhar aqui, eu acredito que nem vou chamar outros candidatos. Você está contratado.
Ok, eu não esperava por isso.
- Me siga, vou te apresentar ao paciente e dizer o que vai precisar fazer.
Passamos por algumas salas espelhadas, outras com paredes de vidro e algumas trancadas, os pacientes estavam marcados por códigos. O código do paciente que eu ficaria responsável era II B escrito de vermelho, alguns eram amarelos e outros azuis, mas aquele era vermelho e isso me assustou.
- Antes de entrarmos preciso te contar sobre ele. O nome do paciente é Bernardo, ele precisa ficar o tempo todo a base de remédios enquanto estiver com ele, é só aplicar uma seringa que faz o corpo dele se manter bem e alimentado, ele não poderá se mover mas permanecerá consciente. Parece rude, mas é o procedimento que o tratamento exige. Esse homem teve um distúrbio e matou seus pais e a irmãzinha de cinco anos de idade com um machado, foi pego pela Polícia antes de tentar fugir, e o diagnosticaram com transtorno mental. Foi internado aqui e preciso de alguém pra cuidar dele, mas você precisa prestar atenção nisso, de maneira alguma pode esquecer de aplicar a dose de remédios.
Olhei para aquele homem que olhava para um ponto qualquer, olhos azuis e pele branca, cabelo castanho claro que não era cortado há um tempo, assim como a barba. Senti algo como um calafrio, eu que havia enfrentado o meu irmão psicopata assassino imagino o que a criancinha de apenas cinco anos sentiu ao ver seu irmão vindo com um machado em sua direção. Eu senti algo mais confuso em relação aquele homem frio e desumano, eu senti pena.
Algumas pessoas tem uma vida inteira de pura sanidade e bons comportamentos, nada disso gera um bem interior, apenas elogios externos. O que levou esse homem a tirar a vida da própria família é uma prova de que a parede que separa a sobriedade da insanidade é muito fina, e de fácil acesso.
Esse trabalho seria mais difícil do que eu poderia ter pensado, mas eu já estava ali. Se as coisas piorarem, e sempre pioram, eu já estou mais forte que antes.
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O Cerco II - Recomeço
Mystery / ThrillerLogo após os eventos traumáticos que Z causou, Dumbwood acreditava que seria uma cidade pacífica agora. Mas o mal continuaria surgindo, não importa o quanto lutassem. Dessa vez, o inimigo é outro. A crueldade foi dobrada e o número de mortos...