3. De Quem é Este Filhote? ✅

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JÁ HAVIAM SE PASSADO QUATRO DIAS DESDE QUE O VIRA PELA ÚLTIMA VEZ

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JÁ HAVIAM SE PASSADO QUATRO DIAS DESDE QUE O VIRA PELA ÚLTIMA VEZ. Ela estava aliviada, não teria que ver o lobo outra vez. Suas patrulhas agora pareciam mais calmas e menos sufocantes e desesperadoras.
— Como está a rota A? Câmbio. — A voz de Aiko mecanizada lhe fez pegar o rádio que ficava na parte de trás do casaco pesado.
Levando-o a boca, ela respondeu:
— Estranhamente vazia. Está assim fazem quatro dias seguidos. Câmbio.
— Ótimo. — Suspirou aliviada. — Suponho que a grade permanece intacta? Câmbio.
Isabelle se aproximou da grade, se agachou, tirou da mão direita a luva preta e passou o dedo por ela. Estava tudo normal.
— Sim senhora. Tudo em seu perfeito estado. Devo continuar a olhar as grades nas outras rotas? Câmbio.
— Pode ir. Ainda temos tempo antes do anoitecer. Câmbio.
— Okay. Câmbio desligo.
Guardou o rádio no bolso traseiro do casaco, vestiu novamente a luva preta e respirou fundo, torcia para que não houvesse nenhuma surpresa no meio do caminho. Ela pôs o capuz na cabeça quando a neve voltou a cair do céu.
Com passos firmes ela percorreu a rota Z, que era seguindo a grade, mas aquela rota era  permitida apenas para os  guardas florestais e autoridades e paramédicos em caso de emergência, na maioria das vezes as pessoas não podiam seguir por aquele caminho, por isso era necessário um supervisor de área, e naquele momento Belle era a pessoa que supervisionava as rotas, mesmo que preferisse ficar apenas passeando pelos locais públicos onde havia gente e segurança.
O vento fazia barulhos engraçados quando passava pela grade e pelas árvores, um som suave e assombroso. Um leve assobiar. As folhas farfalhavam enquanto algumas delas caíam no chão e ficavam por lá.
Faltavam apenas alguns passos para ela terminar a patrulha na rota Z, a zona morta, onde apenas o pessoal autorizado se encontrava. E logo depois daquelas grades, uma porta ficava entre o parque florestal e a reserva natural, onde os humanos não pisavam, mas para toda regra havia uma exceção. Belle sabia que do outro lado morava apenas uma pessoa, mas nunca chegou a ver quem, Aiko sempre a proibira de passar pela porta que emendava os dois terrenos.
— Apenas pessoas autorizadas podem passar. Você me entendeu Belle? Nem todos possuem a capacidade de lidar com os animais que existem do outro lado do parque florestal. — Lembrou-se ela.
Ela parou em frente a porta. Olhou através da grade e reparou em várias árvores derrubadas, a neve grossa em volta delas e pegadas por todos os lados. Pegadas pequenas.
— Lobos? — Se perguntou em voz alta.
Obviamente não houve resposta, mas ela gostaria de que alguém estivesse ao seu lado.
Belle pegou o rádio mais uma vez, respirou fundo e então disse:
— Tudo está em seu perfeito estado, supervisora Aiko. Câmbio.
— Ótimo. Pode voltar. Câmbio.
— Okay. Câmbio desligo.
Ela devolveu o rádio para o bolso traseiro.
Um cheiro forte de sangue invadiu suas narinas. Ela parou. Olhou a sua volta e nada via. Estranhou.
O cheiro não vinha do parque florestal, era do outro lado, na reserva natural.
— Oh caralho. — Apertou seus olhos com força, aquilo não podia acontecer, não em seu turno, não quando era a sua responsabilidade o cuidado com a humanidade, com as florestas e principalmente com os animais selvagens. — Não, não, não, não.
Eu consigo. Eu consigo. Disse a si mesma enquanto pegava do bolso esquerdo um molho de chaves. O molho de chaves escorregou por suas luvas escuras e caíra na neve fofa. Retirou rapidamente a luva da mão direita e pegou velozmente as chaves que estavam na neve gelada. Pegando-as para si ela olhou cada chave e lia em sua mente cada etiqueta de chave até encontrar "reserva f.".
Seu coração acelerou.
Não acreditava que teria que verificar.
Pegou o rádio e disse:
— Código 4. Câmbio.
— O quê? Você tem certeza?! — A voz de Aiko saiu desesperada e preocupada, Belle podia jurar que até mesmo a viu se levantar da cadeira e sair correndo do escritório. — Câmbio.
— Completamente. O cheiro de sangue está muito forte, e não tenho certeza de quem é. Espero que não seja nem um e nem outro. Câmbio.
— Vai devagar. Câmbio. — Ela parecia mais calma.
Isabelle enfiou a chave na fechadura e a girou para a esquerda, um click suave avisou de que abrira a porta. A empurrou devagar, deu um passo à frente entrando na reserva florestal, agora estava completamente desprotegida.
Ela continuou a andar, indo em direção as árvores caídas que vira minutos atrás.
— Não se afaste muito das grades, caso o faça o sinal poderá...
O rádio chiou, a frequência havia sido perdida.
Ela rapidamente olhou para trás onde a porta permanecia aberta.
Mas se ela voltasse agora, poderia perder de vista o que tinha logo à frente. Deu apenas mais dois passos em direção as árvores caídas, ela voltou a olhar para a porta que permanecia intacta, e então olhou novamente para as árvores.
Manchas de sangue lhe chamaram a atenção. O cheiro se intensificou e ela ergueu-se na ponta dos pés para que pudesse espiar o que havia dentro e entre as árvores.
Um corpo.
Um corpo ensanguentado, porém, vivo.
Gemidos baixos a fizeram saltar para trás no susto, no medo de ser pega por alguma coisa, mas era apenas um gemido, o som do ar passando por seus lábios entreabertos. Era uma mulher.
Talvez fosse uma jovem garota, mas o sangue que lhe banhava o corpo, tornava difícil o reconhecimento. A mulher possuía longos cabelos brancos, que agora eram pintados de vermelho. Se não fosse branco, talvez fosse um loiro claro.
— Caralho. — Tapou a boca quando percebera o que dissera. — Como você se enfiou aí?
A mulher não respondeu, apenas gemeu com a dor e fechou seus olhos.
Isabelle voltou para a grade, onde estava a porta, e pegou seu rádio.
— ...teceu? Você está bem? Câmbio.
A voz de Aiko atravessou o rádio no mesmo segundo que chegara na grade, o sinal havia voltado, e então rapidamente ela disse:
— Código 3. Código 3. Câmbio.
— Equipe médica a caminho. Câmbio desligo. — Aiko respondeu no mesmo segundo.
Belle correu de volta para as árvores caídas e olhou por cima, encontrando a mulher, agora de olhos abertos.
— A ajuda está vindo. Não se preocupe. Vai dar tudo certo.
A mulher estava com as roupas rasgadas e o sangue a cobria por inteiro.
— O-onde e-estou? Meu bebê, onde ele está? — Sua voz falhara, mas Belle a entendeu, ela parecia perdida e seus olhos não conseguiam focar em nenhum ponto.
— Você está na reserva florestal. — Ela olhou em volta e não via nada. — Não há bebê. Você reconhece este lugar? Como chegou aqui?
Ela franziu a testa e continuou a olhar em volta do ambiente.
— Eu não sei onde estou. O que está acontecendo? Onde está o meu bebê? — Voltou a perguntar, estava confusa.
— Está em Joensuu, Finlândia. Parque florestal. Consegue se lembrar de mais alguma coisa? O seu bebê não está aqui.
Os olhos da mulher piscaram várias vezes, e a dúvida ficou: ela era cega?
Um carro parou do outro lado da grade, era a ambulância da empresa. Rapidamente desceram do carro com uma maca em mãos, passaram pela porta e pararam onde Isabelle estava.
— Ela está presa entre as árvores. — Disse com o cenho franzido, ainda em curiosidade sobre como ela parou ali.
— Iremos retirá-la dali e a levaremos para um hospital.
— Okay.
Os homens trabalharam rapidamente, não moveram a árvore, mas mexeram na mulher. Seu corpo estava todo cruzado sobre a árvore, ela não sabia como a jovem se enfiou ali e muito menos saberia explicar como a retiraram de lá.
Quando a levaram embora, outro som lhe chamou a atenção. Dentro daquela bagunça, onde estava a mulher, havia um filhote de lobo branco. Os olhos do filhote estavam abertos e ele a procurava.
— Ah merda. Por que essas coisas só acontecem comigo?
Isabelle fechou os olhos por alguns segundos, pensava no que deveria fazer. Ela não poderia simplesmente pegar um filhote, mas não parecia haver escolhas.
Se inclinando sobre as árvores caídas, ela mergulhou dentro daquele buraco perigoso, e puxou o filhote por sua pelagem em excesso, ele se mexeu e tentou latir, mas não conseguiu, talvez fosse pequeno demais para isso. Belle o envolveu em seus braços o aninhando perto de seu peito, o cobriu com seu casaco e só então notou que ele possuía sangue em sua pelagem.
Belle correu para a grade, atravessou a passagem e a trancou. Pegou seu rádio e transmitiu a informação para Aiko Oosawa.
Os lobos uivaram. Uivaram por minutos, por horas, mas nada da loba retornar com seu filhote. O filhote de lobo branco havia se perdido, e a loba branca também.
O alfa estava com as orelhas pontudas que alfinetavam o céu, seus dentes estavam a mostra e então ele direcionou sua raiva em seu uivo profundo e angustiado. Sua alfa não retornara.
Eles estavam sendo perseguidos por uma matilha de lobos nativos, e acabaram por se separar, e agora o seu filhote não havia retornado, embora os outros dois estivessem com a Beta de sua alcateia.
Ainda que dois estivessem com ele, o último e mais novo não retornara e sua companheira também não.
O lobo branco de olhos azuis os observava, estava a cinco quilômetros de distância, mas ele compreendia os uivos, e queria estar lá para dar o seu apoio, mas não podia e nem devia. Seu alfa unia toda a raça dos lobos brancos, e ele não podia fazer nada a não ser se deitar e esperar seu ciclo terminar, para só então voltar para seu lar e sua família.
Ele só precisava de mais um dia, e então ele voltaria para eles. Cinco dias de seu ciclo haviam passado, o último não o atrapalharia.
A sua esquerda uma voz familiar lhe chamou atenção. Não fazia muito tempo que havia se encontrado com a loba alfa, a loba que lhe satisfazia e o tirava do horror de seu ciclo, ele possuía forças para se arrastar até onde a mulher humana estava.
Ele se arrastou até a perigosa parede de metal, e a viu.
A humana segurava em mãos um filhote de lobo branco. Ela sorria, mas ao mesmo tempo em que parecia feliz, também parecia preocupada e assustada.
Novamente aquela mulher conversava com uma caixa preta em mãos, e de dentro desta caixa uma voz lhe respondia, ela conversava com a mesma voz, com a mesma pessoa de dias atrás. Ele não entendia muitas coisas, mas sabia que falavam do filhote de lobo branco.
Se ele fosse um beta, ele poderia fazer alguma coisa, mas era apenas um ômega fraco e frágil, não podia lutar e nem conseguia ganhar de outro ômega.
O que ele poderia fazer?
Então rosnou para a mulher.
A mulher se virou para a grade tropeçou para trás, procurou por ele, e seus olhos se encontraram brevemente. Ela deu alguns passos para trás ao notá-lo, ele parecia assustá-la. Ele se pôs de pé, suportou o cansaço e a dor, e então voltou a rosnar ferozmente para ela.
Os olhos da humana passaram dele para o filhote que se aconchegava contra sua roupa de frio, e então novamente para ele que perdia os motivos de rosnar. Se o filhote se sentia bem ali, o que ele poderia fazer?
Não. Ele precisava recuperar o filhote das mãos da mulher humana, e então levar o filhote para os lobos de sua alcateia.
Rosnou mais uma vez.
A mulher abraçou o filhote com mais força, então ele a ouviu dizer.
— Você não vai comer esse filhote. — Sua sobrancelha enrugou no meio da testa, e ela realmente pareceu brava. — Lobo mau.
O lobo inclinou a cabeça para a esquerda e soltou um som confuso. Latiu baixo esperando que ela dissesse algo a mais.
A humana estranhou. Ele parecia lembrá-la de alguma coisa, ela sorriu e se agachou perto da grade.
— O quê? Você quer cuidar do filhote? — Ela riu, mas estava nervosa e com medo.  O cheiro da mulher veio ao encontro de seu nariz e novamente ela o agradou. — Eu não vou deixar ele nas suas mãos. Nem ferrando. Já sou otária o suficiente para conversar com um lobo, mas não sou idiota de o entregar a você. — Ela suspirou aliviada. — Ainda bem que existe esta grade.
O lobo rosnou, ficando com raiva da demora de seus atos e por falta de compreensão e entendimento.
A mulher caiu para trás, o filhote abriu seus olhos e encarou tudo a sua volta, e mais uma vez o lobo branco rosnou e latiu baixo, esperava que o filhote o ouvisse e viesse para a sua direção, mas ele não o fez. O filhote olhou para a humana e latiu para ela. Ele não quis voltar para a sua raça, ele havia negado os lobos brancos.
Ele fez o que Lupino queria ter feito.
A humana sorriu para o filhote e o abraçou, escondendo-o da vista do lobo de olhos azuis.
— Não é por nada não, mas é melhor eu verificar o filhote, depois eu prometo devolvê-lo onde o achei. — Apontou para o emaranhado de árvores em um canto, e o lobo viu.
Ela saiu apressadamente, e logo se encontrara com outra humana que corria em sua direção, completamente preocupada. As duas olharam mais uma vez para o lobo branco de olhos azuis e então saíram rapidamente.
Seguindo para onde a humana havia apontado, o cheiro de sangue acertou seu focinho, com cautela se aproximou e então reconheceu o cheiro de sua alfa. A loba havia se transformado em humana para proteger seu filhote, mas falhara. Não completamente, talvez os humanos fossem mais sensíveis a cuidar do filhote do que uma matilha de lobos inimiga.
O lobo marcou o território em volta da porta de metal e a protegeu, ninguém iria se aproximar daquela porta, apenas ele e sua matilha, ele iria garantir a segurança do filhote, pelo menos ele esperava conseguir fazer aquilo.
— Você tem certeza de que pode ficar com ele? O veterinário mora na vila, então não tem problema de o filhote ficar com ele.
Belle negou mais uma vez.
Olhou para o filhote que bebia na mamadeira e disse:
— Eu posso cuidar dele por um tempo, até que ele fique bem e saudável, e então eu o devolvo onde achei, talvez a mãe o encontre novamente.
Aiko assentiu, mas disse baixo.
— Não acho que a mãe irá voltar.
Isabelle franziu o cenho.
— E o que aconteceu com a mulher? — Perguntou ao se lembrar da mulher e ignorou o que Aiko dissera.
Ela suspirou.
— Ela desapareceu do hospital. Não sabemos quem ela é. Não sabemos de nenhum bebê também. — Seu ombro se mexeu em descontentamento. — E não sabemos onde encontrá-la, talvez ela pudesse nos dizer o que aconteceu. — Apontou com a cabeça para o lado. — A polícia não ficou feliz.
Belle olhou para eles no canto.
— O que vieram fazer aqui?
— Vieram te levar para a delegacia. Querem pegar o seu depoimento. Disseram que é necessário.
Ela mordeu o lábio inferior, mas assentiu.
— Okay.
— Eu a encontrei entre as árvores. Estava cheia de sangue e não tinha visto o filhote de lobo.
O homem a sua frente anotava o que ela falava e assentia esperando que ela continuasse a falar.
— Daí eu falei com a supervisora Aiko através do rádio. Os paramédicos vieram, levaram a mulher que falava de seu bebê, mas não havia nenhum bebê. — Seus ombros mexeram. — Ainda não sei como ela entrou na reserva florestal.
O homem anotou algumas coisas, pôs a caderneta na mesa metálica e então se recostou na cadeira de plástico.
— Okay. Muito obrigado senhorita Korhonen. Caso se lembre de mais alguma coisa, por favor nos avise.
Ela concordou avidamente.
— Não se preocupe, eu irei.
Os dois se levantaram e ela foi guiada por um dos policiais para fora da delegacia.
Aiko a encontrou do lado de fora.
— Como foi?
Respirou fundo.
— Não sei. Eu disse tudo o que me lembrava, mas não sei por que ela fugiu.
Aiko a abraçou de lado, a preocupação ainda estava presente, ela havia prometido aos pais de Belle que cuidaria dela.
— O importante é que você está bem. Essa mulher irá voltar. Pode ter certeza. — A apertou ainda mais. — Quando ela aparecer, você terá que falar com ela.
Belle franziu o cenho.
— Como assim?
— Esquece. — Ela sorriu de lado. — Apenas me chame.
Belle assentiu devagar, um pouco desconfiada.
— Irei te levar para casa.
— Okay. — Disse devagar.
Aiko não disse nada, e nem Isabelle que segurava a caixa de papelão que continha um filhote de lobo branco. Embora em si ele não fosse completamente branco.
Divagando.
Era só isso que elas faziam.
— Uhm... você vai encontrar o Mika?
Ela assentiu devagar.
— Eu disse sobre o filhote, ele ficou empolgado em ver.
Aiko sorriu de lado, achava o garoto divertido, uma pena ele ser mais novo que ela.
— Eu já disse que se ele fosse mais velho eu o pegaria? — Brincou.
Isabelle riu.
— Sim. Essa é a terceira vez que você fala isso. E ele já disse o mesmo de você. — A provocou.
Aiko aumentou seu sorriso.
— Você deveria nos apresentar de novo.
— Já fiz isso duas vezes. Uma terceira seria para dar esperanças ao pobre coitado.
Aiko riu balançando a cabeça, era verdade, mas ela continuaria insistindo até que aquilo fosse acontecer.
Parando em frente à casa de Belle, ela a olhou demoradamente.
— Não fique sozinha hoje. Peça para o Mika dormir aqui, ou eu posso ficar aqui. — Olhou para a casa.
Belle suspirou.
— Se você sempre fizer esse discurso eu juro que compro aquele carro. — Franziu a testa e a fez se lembrar.
Aiko mordeu o lábio inferior, mas assentiu.
— Tudo bem. Eu não falarei mais nada.
— Ótimo.
Belle desceu do carro e levou o filhote consigo. Acenou rapidamente com a mão direita, e entrou para dentro de casa.
Trancou a porta e pôs a caixa de papelão no chão, tirou o filhote de lobo e o deixou no piso de madeira. Belle caminhou até o lado direito da lareira e montou a cama do filhote cinza, pôs a coberta que estava dentro da caixa de papelão ali mesmo, pegou o pote que recebera do veterinário e pôs ali também o enchendo de água. O veterinário havia lhe dito que deveria dar leite até os dois anos, e aparentemente o filhote iria completar em breve dois anos, e poderia ficar perigoso cuidar dele. Isabelle não se importou muito com aquilo, ela sabia que o filhote não era um animal de estimação, era um animal selvagem, e ela cuidaria dele até onde pudesse.
O filhote mordia a coberta e se enrolava nela, girava para lá e para cá, até uivava baixo e latia.
Belle sentou no sofá que ficava de frente para a lareira e esperou que Mika viesse.
Seu celular vibrou no bolso do casaco pesado que ainda usava. Retirou o celular de dentro dele e jogou o casaco na poltrona do lado esquerdo.
— Alô?
Silêncio.
Belle afastou o celular do ouvido e olhou para o identificador de chamada, cujo nome estava "Desconhecido".
Seu coração acelerou.
— Alô?
Ninguém respondeu.
— Oh caralho. Por que essas coisas só acontecem comigo? — Disse em voz alta.
Ela se lembrava bem de quando as pessoas lhe contavam histórias de terror, e era natural que no momento do medo você começasse a falar sozinho e alto para que afastasse os maus espíritos, e ela fazia exatamente aquilo, mesmo que não acreditasse em espíritos bons, maus e em deuses, constelações, horóscopo e seja lá o que havia no mundo afora.
— Seu viado. Responde a merda da ligação. Por que está me ligando então? Porra, merda, caralho, filho da puta, vagabundo. — Dizia enquanto olhava em volta da sala, o filhote de lobo brincava tranquilamente com a vasilha de água que acabara de derramar, enquanto que ela acreditava estar cercada por sabe-se lá o que. — No caso de ser uma mulher, então... hã... vadia, filha de uma cadela vira-lata, hã... caralho eu não sei mais o que dizer. — Desligou o celular e o arremessou na mesma poltrona em que seu casaco estava.
Batidas leves na porta a fizeram escorregar para o chão.
— Belle?
Outra vez as batidas se repetiram, e quando ela teve certeza de que era Mika ela saiu em disparada na  direção da porta e a abriu puxando-o para dentro, trancando-os novamente.
— Mas o que...
— Shh. — Ela pôs o dedo indicador entre eles e o fez se calar. — Eu to me cagando de medo. Porra. — Abaixou o tom de voz e começou a sussurrar. — Alguém me ligou, mas não havia nome nenhum, apenas estava escrito "desconhecido" e eu fiquei falando sozinha. Mika, eu to quase me mijando de novo.
Ele a olhou por alguns segundos e então soltou uma risada alta e bem problemática para ela. A sua mão cobriu sua boca e o riso foi abafado, o que fez com que ele risse ainda mais alto.
— Seu viado. Pare de rir. Estou falando sério.
Mika se inclinou para frente enquanto ria e a mão direita batia em sua perna enquanto a risada parecia se tornar mais alta e mais escandalosa.
— Eu sabia que você era maluca. Sério. Só não achei que ficaria pior. — As lágrimas escorreram enquanto ele ria e as limpava, mas não parecia acabar.
— Você é ridículo. — Se afastou dele e retornou para o sofá em frente a lareira desligada.
Ele soprou e balançou a cabeça para o lado, se aproximou da lareira e a ligou.
— Você deveria deixar essa coisa pré-histórica ligada. — Ele mexeu os ombros com um suspiro exaustivo, ele havia rido demais, agora sua barriga doía como se tivesse feito cinquenta abdominais. — Por que você não começa a ouvir Aiko? Ou a mim? Deixe essa casa, sério. Me preocupo toda vez que você me liga de noite. — Ele sentou ao seu lado, puxou suas pernas para o alto e olhou o fogo queimar as toras de madeira.
— Não irei. Ela é perfeita. Tudo bem que eu sou medrosa, mas eu amo esse lugar, ainda mais no verão.
— Então por que não aluga essa casa, e aí no verão você volta? Turistas amam lugares diferentes, radicais e mortais. Você ganharia bem. Morar comigo ou com a Aiko seria bem melhor e mais seguro que essa espelunca.
Ela revirou os olhos.
— Eu gosto de viver aqui, okay? E estou bem. Se o problema é eu morar sozinha, pode deixar que eu cuidei disso. Agora eu tenho um filhote de lobo. — Disse estufando o peito.
Lembrando-se que foi exatamente por esse motivo que ele foi parar ali, ele saltou do sofá se pondo de pé rapidamente e indo em direção ao filhote de lobo que estava na extrema direita ao lado da lareira, que agora estava ligada.
— Se é filhote de lobo branco, por que ele não é branco? — Franziu a testa confuso.
Belle deu de ombros.
— O veterinário explicou, mas não lembro o que ele disse.
Mika riu baixo.
— Ele é até bonitinho.
— Também achei. Só espero que ele não me coma mais tarde.
Mika negou.
— Dizem que eles gostam de carne boa. — Lhe deu um olhar divertido.
Dando-lhe um tapa de leve, ela sorriu.
— Sorte sua então.
Os dois voltaram para o sofá e se encararam por um tempo. Mika foi o primeiro a falar.
— O que vai fazer com o filhote?
Ela deu de ombros.
— Cuidar até que me digam para parar, ou até que ele me mate. — Mostrou-lhe a língua e ele sorriu de lado.
— Não acho que isso seria bom.
Ela riu.
— Eu também acho que não.
Do lado de fora, o lobo branco observava a casa. Sua matilha ficava por perto, o território de caça era naquela região, se não, na vila que ficava a dois quilômetro e meio de distância. Não sabia que havia uma casa por ali, e muito menos imaginaria que aquela humana morasse logo a sua frente, e agora o filhote estava à vista, ele poderia salvá-lo e seu Alfa ficaria contente por reencontrá-lo.
Mas como ele faria aquilo?
Talvez se ele fosse...
Sim, aquilo fazia sentido. Ele tinha um plano. Só precisava ter certeza de ela estar por perto quando aquilo acontecesse.
Se ele se transformasse perto dela, ela o salvaria, e em sua pele humana ela não hesitaria.


Myra N. Lacerda
20/01/18

1. Os Reis da NeveOnde histórias criam vida. Descubra agora