3 - Surpresa

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Mariah acordou com uma terrível dor de ca¬beça. Experimentou abrir um olho, devagar, e o fechou em seguida com um gemido. Por que o sol tinha que brilhar tanto?! Puxou o cobertor sobre a cabeça e relaxou um pouco sob a aquecida escuridão. Por fim, tomou coragem para tentar de novo. Apertando os olhos, tirou o cobertor do rosto.
O sol ainda emanava seu brilho cegante. Passando os dedos pelos cabelos, Mariah sentou-se recostada à cabeceira e olhou em volta. Tinha a vaga lembrança de al¬guém dormindo a seu lado durante a noite. Tess? Sim, Tess. Quem mais além da perfeita Tess poderia levantar e arrumar a cama sem fazer o menor ruído? Mas outra lembrança, mais nebulosa, lhe veio à mente. Referia-se a lábios quentes e sensuais. E pertenciam a... Como era mesmo o nome dele? Ford. Sim, isso mesmo. O vermelho de seu sutiã chamou-lhe a atenção e ela levantou o cobertor para ver o que estava vestindo. Da extremidade de suas longas pernas nua, os pés envoltos em meias soquetes lhe acenaram um bom-dia.
Oh, não, pensou com um sorriso travesso. Teria se despido diante do tal Ford? Dunning. Era esse o sobrenome. Ford Dunning. Mariah quis sorrir, mas o esforço foi demais para sua ressaca. Segurando a cabeça, ela escorregou até a borda da cama. Ergueu os olhos para os pôsteres do Kiss e do Led Zeppelin na parede à frente.
Ao lado, havia um quadro de cortiça com outras lembranças de adolescência pregadas com tachinhas: fotos, cartões, adesivos plásticos. Mariah levantou-se, vestiu a calça de couro e o suéter e encaminhou-se à penteadeira que ficava entre as camas. A fita adesiva preta, desgastada pelo tempo, ainda descia pelo meio do espelho, da superfície da penteadeira, seguia pelo chão e subia a parede oposta. Um lado do quarto era organizado à perfeição, o outro era um caos absoluto. Da parte caótica da penteadeira, Mariah pegou um vidro de esmalte vermelho endurecido.
Lembrava-se, como se tivesse sido ontem, do dia em que seu pai dividira o quarto em dois, para acabar com as briga intermináveis das irmãs. Ela sorriu, apesar da dor de cabeça. Nada fora alterado no aposento desde que as duas o deixaram, Tess para casar-se e ela para correr o mundo. Seu pai mantivera tudo exatamente igual. Seu pai. Ele estava morto. Porque a tristeza a ameaçava de novo e porque havia a promessa de uma aspirina lá embaixo, Mariah passou a escova de Tess nos cabelos, pegou os óculos escuros para proteger-se da claridade e saiu do quarto. Encontrou Éden no lugar esperado.
— Sempre tento imaginá-la em outra parte que não seja a cozinha, mas não consigo. Éden virou-se ao ouvir a voz da irmã. Tinha um avental preso à cintura e espuma de sabão nas mãos. Uma sincera alegria iluminou-lhe os seus olhos verdes como os de Mariah, embora bem mais escuros. Sem palavras, as duas se abraçaram.
— Fiquei preocupada com você — Éden disse por fim, enxugando inesperadas lágrimas. Os olhos de Mariah estavam molhados atrás dos óculos escuros, mas sua voz não traiu a emoção. — Você se preocupa demais, Éden. Não sabe que nada irá me acontecer? — Mariah achava que, se repetisse sempre aqui¬lo, acabaria por convencer a si própria.
— Jo diz que você é à prova de acidentes.
— E tem toda a razão. Por falar nela, onde está nossa de¬fensora de causas? Salvando baleias ou coletando contribuições para os órfãos da cidade?
—Eu a deixei dormindo. E sua nova causa é vegetarianismo.
— Abaixo a carne, longa vida à soja!
— Não fale assim — Éden a repreendeu, embora também sorrisse. — Sua irmã leva a sério o propósito de melhorar o mundo.
— Eu sei. — Mariah ficou séria de repente. — E o mundo precisa de todas as Jos que puder arrumar, para compensar as Mariahs.
Mariah já se acostumara ao fato de estar sempre brigando com Jo. Ambas pareciam gostar de provocar-se mutuamente: Mariah pelas causas de Jo, e Jo pelo que considerava a irres¬ponsabilidade de Mariah. Apesar de tudo, Mariah respeitava muito a irmã. Às vezes invejava sua disposição para lutar por objetivos. Contudo, havia algo mal resolvido sob a superfície do relacionamento das duas que sempre as acabava levando a se desentenderem. Ambas reconheciam a existência desse espinho, mas recusavam-se a confrontá-lo.
— E Tess?— Lá fora, caminhando.
— Como anda o divórcio dela?
— Deve sair logo. — E ela, como está?
— Quem pode saber? Ela guarda tudo para si mesma. Éden enxugou as mãos e verificou a chaleira no fogo.
— É verdade. Água para o chá? — perguntou Mariah, acomodando-se junto à mesa redonda de madeira, lembrando as centenas de vezes que já havia se sentado ali, sempre com a esperança de que seu pai a notasse.
— É. O que vai querer para o café?
— Apenas uma bolsa de gelo e duas aspirinas. Não neces¬sariamente nessa ordem. Oh, Éden! — gemeu, ao súbito as¬sobio da chaleira. Levou as mãos à cabeça e fechou os olhos, na tentativa de aliviar a dor.
No mesmo instante, Tess entrou pela porta dos fundos, ves¬tindo um abrigo de ginástica. A manhã fria avermelhara seu nariz e fizera as faces morenas reluzirem como maçãs. Apenas os cabelos castanhos haviam escapado da fúria do vento, pro¬tegidos por um gorrinho turquesa. Ao entrar na cozinha, ela tirou o gorrinho e sacudiu os cabelos.
— Ora, ora — comentou. — Vejo que está colhendo os frutos do pecado.
Mariah levantou os olhos. Tess sempre fora um enigma para ela. Apesar de ser intrinsecamente sensível às pessoas, costumava mantê-las a uma certa distância... assim como fazia com tudo o mais na vida. Ela e o pai sempre haviam partilhado algo especial. Mariah às vezes sentia inveja da maneira como os dois passavam horas juntos, sem dizer nada, apenas mirando seus mundos interiores.
Desde seu quinto aniversário, Mariah dedicava um profundo amor a Tess. Fora naquele dia tão esperado que seu pai, dando início ao que viria a se tornar um hábito, fizera um breve aparecimento em sua festa e, então, trancara-se no quarto e bebera até cair. Magoada, Mariah também fugira para o próprio quarto. Tess a seguira e, ainda com chapéu de festa e rosto sujo de sorvete de chocolate, sentara-se ao lado dela na cama e segurara-lhe a mão. As duas permaneceram ali, de mãos dadas e em silêncio, por um longo tempo.
— Não precisa ficar tão satisfeita com isso — Mariah pro¬testou, ainda apoiando a testa.
— Como queria que eu ficasse? Tive que aturar você virando e gemendo na cama a noite inteira. Imaginei que não iria querer que eu a acordasse para uma caminhada matinal.
— Ai, nem me fale nisso.
Tess sentou-se diante de Mariah e segurou-lhe a mão. O silencioso aperto de seus dedos dizia mais do que mil palavras. Minutos depois, Éden colocava uma xícara de café em frente a Tess e outra de chá junto a Mariah. A esta última, seguiu-se uma bolsa de gelo e duas aspirinas que ela tratou de engolir depressa, prometendo a si mesma nunca mais beber. Com uma das mãos, levou a bolsa de gelo à testa e, com a outra, a xícara de chá aos lábios. O gosto de maçã tocou-lhe a língua. Quente como o sol da manhã. Quente como um beijo.
— Quem é Ford...
— O que é isto? — uma voz soou de repente da porta. Mariah fez uma careta com o grito e ergueu os olhos para Jo, que, carregando seu casaco de pele, parecia um dragão soltando fogo pelas ventas diante da vítima encurralada.
— É um prazer vê-la também, Jo. — Com a bolsa de gelo na testa e profundas olheiras lhe escurecendo o rosto, Mariah estava abatida demais para discutir.
— Como está se sentindo? — Jo indagou, procurando cor¬rigir sua entrada pouco cordial.
— Péssima.
— Ótimo.
— Sua compaixão me comove.
— O que deu na sua cabeça para ficar bêbada desse jeito? E onde se meteu ontem quando deveria estar aqui?
— No purgatório. Ele também atende por aeroporto de Atlanta. — Não acredito! E depois chega bêbada e com essa roupa de couro...
— Ouça, Jo, poupe-me do sermão. Pelo menos até eu re¬cobrar a consciência. Seria uma pena desperdiçar suas sábias palavras.                                                            
— O que é isto?— Jo repetiu, voltando o assunto para o casaco, que sacudia diante de Mariah. Parecia um grande urso negro espreguiçando após a hibernação.
Mariah resmungou da tenacidade da irmã. Levou os óculos à ponta do nariz e examinou a peça na mão de Jo.
— Assim à primeira vista, eu diria que é um casaco. O que você acha?
— Acho que é um casaco de pele. Mariah franziu a testa e demorou um instante para entender a zanga da irmã.
— Ah, já percebi. Sua causa atual é a defesa dessas adoráveis criaturinhas sintéticas.
— E imitação?
— E eu tenho dinheiro para comprar um autêntico?
Ao constatar o engano, Jo logo deu um jeito de não se sair muito mal.
— Bem, fico contente por ver que alguma coisa que eu disse entrou na sua cabeça. Tess e Éden trocaram sorrisos. Até Mariah não pôde evitar um leve movimento dos lábios.
Depois de um desjejum que Éden insistiu em preparar, mas que Mariah apenas beliscou e Jo criticou por causa do veneno que era o bacon, as quatro permaneceram à mesa, conversando diante de xícaras adicionais de chá e café.
— Eu... Eu sinto muito por não ter comparecido ao enterro ontem — Mariah murmurou.
— Seguramos o pastor por quase duas horas, esperando que você chegasse
— Éden contou, sem tom de censura.
— Sinto muito — Mariah repetiu.
— Foi uma cerimônia simples — Tess interveio. — Acho que papai teria gostado.
— O ataque cardíaco foi fulminante? — Mariah já sabia a resposta e não imaginava o motivo da pergunta. Talvez na esperança de que tivesse havido tempo de ele deixar um recado para a filha mais nova, dizendo que sempre a amara.
— O médico falou que ele, provavelmente, nem soube o que o atingiu
— Jo respondeu. — Acho que essa é a melhor maneira de morrer, não?
— É — Tess murmurou.
— A melhor maneira — Éden concordou, com lágrimas nos olhos.
Mariah não disse nada. No melancólico silêncio que se seguiu, as quatro irmãs de¬ram-se as mãos, como que buscando apoio mútuo.
— Fico contente por você estar de volta, Mariah — Jo declarou.
— Eu também. — Mariah sorriu. Para sua própria surpresa, sentia-se mesmo feliz por estar ali. Mais tarde, depois do almoço, a companhia aérea entregou a bagagem de Mariah. Ela e Éden estavam sozinhas em casa e levaram juntas a mala até o quarto.
— Por que não fica aqui por algum tempo? — Éden per¬guntou. — Você demora tanto para aparecer e, quando chega, é sempre para dar uma espiada e ir embora. Se quiser trabalho, pode ajudar na madeireira. Estamos precisando de uma recep¬cionista para meio período. Tenho tentado atender o telefone eu mesma, mas ando tão ocupada conferindo os livros, con¬versando com o capataz...
— Pensei que você estava tomando conta de crianças.
— Precisei parar um pouco para cuidar da madeireira. Mas pretendo voltar a ser babá assim que puser as coisas em ordem.
Éden Calloway adorava trabalhar com crianças. Dizia-se que ela havia trocado as fraldas de muitos dos residentes em Calloway Corners.
— Mariah, na verdade estou lhe pedindo para ficar porque não queria ficar sozinha na casa, agora que papai morreu. Jo vai voltar para Baton Rouge, Tess para Dallas e... Acho que não quero ficar só. Era um sentimento que Mariah compreendia bem. O mundo parecia estar se tornando cada vez maior, e ela menor... e mais solitária.
— Vou pensar — prometeu, surpreendendo a si mesma pela segunda vez no dia.
— Faça isso. Ah, o pastor vem jantar conosco hoje.
Mariah soltou um gemido. Sua cabeça ainda doía e a última coisa de que precisava era uma noite maçante com um pastor.
O frango com a pele apetitosamente tostada, as batatas douradíssimas e as ervilhas refogadas e reluzentes permaneceram quase intocadas no prato de Mariah. O motivo que lhe tirava o apetite era o mesmo que a impedia de falar: choque. E co¬meçara no instante em que o pastor entrara na casa. O pastor. Ford Dunning. Todos pareceram surpresos com sua surpresa. Isso é, todos menos Ford Dunning, que apenas sorrira. Mariah esmagou uma batata com o garfo, como se atribuísse a ela a culpa pelo seu engano. Como iria saber que o homem que a levara para casa era um religioso?
Ele não parecia nem um pouco um pastor com aqueles cabelos macios, os ombros largos, os quadris esbeltos dentro de jeans justos, os olhos cor de uísque que eram capazes de deixar uma mulher tonta se os fitasse por muito tempo.
— Mariah?
O chamado penetrou-lhe as divagações. Era Éden, segurando a travessa com o frango. Mariah piscou, reparando que estivera com a atenção fixa nos olhos cor de uísque, os quais também voltavam-se para ela, como vinha ocorrendo várias vezes ao longo da noite.
— Não, obrigada — Mariah recusou.
— Você não está comendo.
— Estou, sim. — Mariah enfiou um pedaço de batata na boca.
Estava quente... Como um beijo. Seria o beijo a base de seu desconforto desde que vira Ford Dunning entrar de novo em sua vida? Em outras situações, teria achado a descoberta engraçada.
Naquele momento, porém, sentia-se soterrada por uma avalanche de emoções que não tinham a ver apenas com sedução, mas com algo bem mais poderoso. Necessidade. E isso ela não podia admitir com tran¬qüilidade, porque era bem mais fácil e seguro não precisar de nada e de ninguém. Nem de uma mãe. Nem de um pai. Ninguém. No entanto, tinha a vaga e perturbadora lembrança de ter precisado daquele homem na noite anterior, para preencher um tenebroso vazio dentro de si. O vazio da morte.
— Ainda está com as sessões de aconselhamento na casa paroquial? — Tess indagou. Como o ex-marido dela era psi¬cólogo, Ford e Tess sempre acabavam falando de psicologia.
— Sim, duas noites por semana. Também tenho trabalhado como voluntário uma tarde por semana no Centro de Apoio Familiar. Lá eu trato principalmente de adolescentes com pro¬blemas.
— Ainda leciona na escola local? — Jo perguntou.
— Só um curso neste semestre, mas estou dando aulas no colégio de Haughton também.
— Minha nossa! — Éden exclamou. — E o que você faz da meia-noite às seis?
"Resgato donzelas em apuros", Mariah pensou, procurando uma vez mais os olhos de Ford. Por que ele não parava de fitá-la? E por que ela também não conseguia conter a curio¬sidade de observá-lo?
— É quando escrevo meu sermão de domingo — ele res¬pondeu, impassível, como se não tivesse sido afetado pelos olhos verdes de Mariah. — Garanto que meus sermões me dão sono antes de fazer vocês dormirem na igreja.
Todos riram, exceto Mariah. Éden empurrou a cadeira.
— Se todos terminaram, vou buscar a sobremesa.
— Deixe que eu pego — Mariah ofereceu-se, levantando.
— Não precisa...
— Você já fez o jantar. E acredite que minhas habilidades culinárias incluem fatiar tortas de maçã.
— E as minhas estendem-se a servir café — Ford acres¬centou, antes de também ficar de pé.
— Mas você não... — Mariah ergueu os olhos da louça que recolhia.
— Preciso fazer alguma coisa para retribuir a deliciosa re¬feição — ele insistiu.
Mariah não disse nada. Encaminhou-se à cozinha, onde o aroma de café recém-coado misturava-se ao de maçãs cozidas. Enquanto colocava os pratos na pia, ouviu passos masculinos atrás de si e logo o perfume de loção após-barba superou todas as outras fragrâncias. Ela virou-se, com as mãos apoiadas nos quadris.
— Por que não me contou?
O olhar de Ford subiu da minissaia de couro preta para o blusão branco e preto. Um largo cinto negro moldava a cintura e meias de seda revestiam as pernas e penetravam os sapatos de salto alto. A única brecha na severidade branca e preta eram as jóias douradas e o batom vermelho nos lábios. Lábios que Ford não conseguira tirar da cabeça a noite toda, embora assegurasse a si próprio que sua reação a eles não fora nada além de uma manifestação normal da natureza masculina.
— Você não perguntou.
— Como não? Você me disse que era psicólogo!
— Creio que mencionei "entre outras coisas."
— Sim, mas achou conveniente não mencionar essas "outras coisas", certo?
— Isso porque você ficou enjoada e dormiu em seguida.
Ele a encarou por mais um instante e, então, abriu o armário à procura de xícaras e começou a servir o café. Mariah não teve outra escolha senão cortar a torta e colocar uma bola de sorvete de baunilha sobre cada fatia. De repente, virou-se e afastou do rosto uma mecha de cabelo.
— Ouça, a noite de ontem ficou um pouco confusa para mim.
— Aposto que sim. — O brilho dos olhos âmbar revelava que a situação o divertia.
— Eu disse ou não que você era sexy?
— Disse.
— Eu tirei a roupa na sua frente?
— Até ficar só com aquelas chocantes rendas vermelhas. — O sorriso dele alargou-se.
— Eu... Beijei você?
— Beijou.
— E você... ?
— Sim. Mariah jogou o pano de pratos sobre a mesa, zangada.
— E como é essa história? Pensei que vocês fizessem votos ou coisa assim.
— De castidade?
— Por exemplo.
— Alguns religiosos fazem. Eu não fiz. Pastores protestantes não são obrigados a isso. Embora procurasse disfarçar, Mariah sentia-se cada vez mais perturbada. Não só por causa do beijo, mas pela sensação de ter-se mostrado emocionalmente vulnerável diante dele. Isso era... Assustador.
— Mas que tipo de pastor iria retribuir o beijo de uma mulher?
— Um pastor, solteiro, homem e muito humano — ele res¬pondeu, com um tom provocante proposital. Encarou-a com tamanho calor que, por fim, obrigou-a a desviarmos olhos e voltar-se para as fatias de torta. Alguns segundos de incômodo silêncio se passaram. — Você está preocupada por causa do homem ou do pastor que a beijou?
— Não estou preocupada — ela mentiu.
— Eu achei que estava. — Ouça, não há muita coisa que eu já não tenha feito ou que não faria, mas seduzir um pastor é algo um pouco radical até mesmo para mim.
Ford a observou, lembrando de seu estilo de vida e ciente de que pessoas tão desapegadas e agitadas como Mariah cos¬tumavam ser, no fundo, solitárias. Lembrou-se também da in¬tensidade do beijo e do que julgara estar por trás dele.
— Talvez seja isso que a incomode — afirmou, decidido pôr à prova, com diplomacia, a sua tese sobre Mariah. — Talvez o beijo tenha sido mais do que sedução.
— Não sei o que está falando.
Mas Ford notou que seu tiro no escuro acertara bem no centro do alvo.
— Lembro como é a sensação de perder alguém.
Mariah reparou na súbita emoção da voz dele e imaginou a quem ele teria perdido. Sem dúvida, fora alguém de quem gostara muito. Porém, mais importante do que divagações na¬quele momento era a necessidade de proteger a si própria.
— Olhe aqui, reverendo, guarde sua análise para alguém que a queira ouvir!
— Ei, desculpe. — Ele ergueu as mãos, cedendo. — Chega de análises, chega de sermões. Certo? — Ford sorriu, ao ver. que ela não respondia. — Vamos, me dê uma chance, está bem?Ela também sorriu, incapaz de resistir.
— Certo, mas não quero mais saber...
— De análises ou sermões. Eu prometo.
— Tudo bem. E eu prometo que vou pagar aquele vale.
— Não estou preocupado. Você me disse que é uma mulher de honra.
— Inúmeras vezes, imagino. — O sorriso dela alargou-se.
— Quem estava contando? — Ele a encarou por longos e silenciosos instantes. Era capaz de ler nos olhos de Mariah muito mais do que ela gostaria de revelar.
— Amigos? — perguntou, estendendo a mão.
De repente, pareceu-lhe impor¬tante que a resposta fosse afirmativa. Ela hesitou um segundo antes de aceitar o aperto de mãos.
— Amigos — murmurou.
— Ei, vocês dois precisam de ajuda? — alguém gritou da sala.
No mesmo momento, Mariah afastou-se dele e virou-se para os pratos sobre a pia. — Estamos indo!
Calmo como sempre, Ford ergueu a bandeja com as xícaras de café e dirigiu-se para a porta. Antes de sair, porém, fitou-a uma vez mais.
— A propósito, amiga, você tem pernas fantásticas.
Mariah o observou caminhar para fora da cozinha e viu se forçada a tirar duas conclusões: em primeiro lugar, mesmo sóbria, continuava a achá-lo muito sexy. Talvez até mais. E dois: embora não lhe fosse agradável admitir, ele penetrara seu santuário interior. Vira uma parte dela que ninguém mais havia visto. Não podia permitir tal invasão de sua alma outra vez. Nem por aquele homem nem por qualquer outro.

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Espero que estejam curtindo

MARIAH - Quatro Destinos 1Onde histórias criam vida. Descubra agora