Capitulo 3

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Eu gosto da Beatriz, talvez ela seja a base feminina que eu nunca tive. Toda a minha adolescência passei comprando roupas de acordo com o que meu pai vestia, até que eu me mudei de escola e comecei a ver como as meninas de minha sala se vestiam, e foi ai que comecei a me basear em algo feminino e me vestir como tal. Só ali que eu percebi que não me sentia confortável com as roupas que eu roubava de meu pai, ou comprava junto com ele.
  A Beatriz é a mulher que eu nunca tive para me espelhar, eu a acho uma mulher incrível, acho que é um bom exemplo, eu gosto da companhia dela e gosto de ver como meu pai ficar feliz ao seu lado; mas nunca parei para pensar nela como... Mãe. É estranho. Eu só tive mãe até os seis anos de idade; foi quando ela sofreu a ultima dor de sua Artrite Reumatóide.
  Acabo de perceber que pensei tudo isso em meros segundos enquanto observo a Beatriz escolher um óculos enquanto meu pai julga cada um deles. Procuro o Lucas com meus olhos e percebo que ele também está quase dormindo. Meu pai não vai sair da loja sem a Beatriz, não quero o Lucas comigo, apesar de achar que meu responsável não me deixará sair da loja sozinha eu vou la tentar:
  - Posso dar uma rodada sozinha?
  - Sozinha? - Ele mal me olha.
  - É. - Sou seca.
  - Não.
  - Eu tenho 17 anos, aqui eu já sou maior de idade. Não se preocupe, se eu cometer um crime você não irá preso.
  Finalmente ele me olha. E me olha feio. Entendo o recado.
  - E se eu for com o Lucas?
  - Okay, então. - Responde.
  Pego alguns dólares na carteira do meu pai vou para fora da loja o mais rápido que consigo, eu sei que o Lucas está tentando me alcançar.
  - O que vamos fazer? - Ele pergunta quando finalmente consegue se manter ao mesmo passo que eu.
  - Eu vou comer alguma coisa, e vou te dar um tempo pra você comer... Uma vagina.
  Ele ri, eu estava falando sério. Não era para ser engraçado, homens / meninos gostam disso, talvez desse jeito eu o mandasse para longe. Ignorei a risada dele, o que eu não consegui ignorar é que ele ainda estava atrás de mim.
  Sentei em uma mesa de uma hamburgueria que me pareceu interessante... E o Lucas senta em minha frente, ainda com o sorriso no rosto. Vestígio da risada que deu 1 minuto atrás.
  - Do que está rindo? - Pergunto mesmo sabendo a resposta.
  - Do que você disse.
  - Achei que fosse gostar da oportunidade. - Falo.
  - Eu gostaria se eu não fosse virgem.
  Minha expressão muda completamente. Essa é a vez de eu gargalhar, gargalhar de verdade. Até minha barriga doer e meus olhos lacrimejarem.
  - Ta rindo do que? - Ele pergunta.
  - Do que você disse. - Respondo ainda rindo.
  - Não to brincando. - Ele está serio, talvez não esteja de brincadeira. Quando penso nessa possibilidade eu paro de rir e congelo.
  Não me diga que você está esperando pelo casamento. É o que eu quero perguntar, mas se a resposta dele for "sim", minha pergunta pode soar um tanto preconceituosa.
  - Sério?
  - Sim.
  - Mas já teve orgasmo, certo? Tipo, se masturba...? - Não. Não tenho vergonha de fazer perguntas desse tipo, acho que ninguém deveria ter.
  - Hã... Aham. Mas nunca fiz sexo. - Responde.
  - Por que?
  - Quero esperar a pessoa certa.
  Quero rir. Droga. Não posso rir. Eu não quero parecer estar 'gastando' da decisão dele.
  - E você? É virgem? - Nessa ele me pegou.
  Eu só transei uma vez na minha vida, foi um experiência horrível, já tem dois anos que eu não faço sexo e honestamente, não me faz falta. Não sei se porquê minha única experiência sexual foi desprezível - apesar de eu ter arrasado - ou porquê eu realmente não sinto vontade. Apesar desses fatores, eu não tenho mais meu hímen, um penis entrou em mim; então não.
  - Não. Não sou virgem.
  - Seu pai sabe?
  Nunca parei para pensar sobre isso. Eu não havia contado, mas pela minha idade acho que ele já deve ter constatado que eu já fiz. Desde meus 15 anos ele deve pensar isso, quando eu namorei um de meus colegas de classe. Meu único namorado, o único menino que beijei. É. Eu também não beijo a dois anos.
  - Honestamente não sei.
  Chamei o garçom e pedi o maior hambúrguer, e o Surrado pediu um suco de laranja.
  - Vai comer tudo isso? - Ele pergunta quando meu sanduíche chega.
  - Comeria dois desse.
  - Como? Você é tão magrinha e pequenininha.
  - Sabe como é... Os melhores perfumes vem nos menos frascos. E os maiores estômagos também.
  Dou uma mordida que tira uma grande pedaço do sanduíche. Acho que assustei o Lucas, dou risada com seus olhos arregalados. Minha intenção não era manter ele longe, distante ou com medo de mim, mas se aquilo fosse deixar ele a uma distância agradável... Eu estava fazendo meu trabalho bem.
  - O que quer fazer depois de comer? - Ele pergunta.
  Penso um pouco. Não parei para pensar nisso, saí da loja sem nada na cabeça; enquanto eu andava bateu a fome, e eu não sinto a necessidade de comprar alguma coisa para mim. Nem sei se os dólares que eu peguei serviriam para algo além de um lanche.
  - Queria ir para a praia. - Falo. - Depois daqui.
  - Por que não vamos agora? Tem uma prainha perto la de casa que é quase que só nossa, não tem ninguém lá.
  - Como você sabe?
  - Andei de madrugada. - Responde.
  - Okay.
  Deixo dez dólares em cima da mesa e vamos avisar ao meu pai que vamos sair. Ele confia em Lucas, me deixou sair se primeira, sem pestanejar. Eu não entendo o porquê.
  Pedimos um UBER para nos levar até em casa para o Lucas se trocar, espero ele sentada na sala de estar. Quando o vejo descendo as escadas me surpreendo, sua regata faz com que seus músculos bem definidos fiquem de fora, seus cabelos dourados estão à mostra agora, e ele pela primeira vez me surpreendeu.
  - Vamos?
  - Aham. - Falo.
  Ele disse que a praia é perto de casa, mas na verdade fica à uns 15 minutos à pé. 15 minutos na companhia de Lucas, um silêncio ensurdecedor que pela primeira vez me incomodou. Ele puxava assuntos aleatórios as vezes, mas eu não queria falar sobre meu filme preferido, ou como eu me divirto quando estou sozinha; são coisas minhas. Não quero compartilhar com o meu "meio" meio-irmão. Não quero que ele me conheça. Além do mais, até chegarmos na praia ela foi tudo que eu conseguia pensar, e quando meus pés tocam a areia e eu sinto o sol queimar minha pele não penso em mais nada.
  Lucas não está mais do meu lado, não sinto e não ligo para a sua presença. Tiro o meu short e a minha blusa enquanto corro para o mar.
  A água gelada causa um impacto engraçado em minha pele, mas é algo bom. Quando mergulho e fico submersa sinto a correnteza me levar com ela; eu amo o mar. Me sinto em casa. Gosto de como o sal gruda na pele, gosto das cócegas que a areia me causa e gosto de quando estou debaixo d'água e sinto algo tão grande, que me sinto apenas uma formiga. Gosto de ser lembrada de que há uma força maior, gosto de me lembrar que eu sou apenas eu.
  Volto a respirar. A água bate na altura de meu peito, e é perfeita. Já não é tão gelada, mas não é quente ao ponto de ficar na temperatura ambiente. Como eu definiria a temperatura ambiente?  Algo como calor do inferno.
  Quando me viro para procurar Lucas, eu o vejo catando minhas roupas e as dobrando. Ele é cuidadoso, com todo mundo. O tão pouco tempo que passei com ele me mostrou isso; talvez seja por isso que meu pai goste dele. Meu pai deve achar que ele cuida de mim. Quando o vejo estendendo uma canga embaixo da sombra da maior palmeira e colocando minhas roupas dobradas no canto, o único pensamento que invade minha cabeça é: e ele cuida.
  - O que ta olhando? - Ele pergunta tímido sentando na canga.
  - Nada.
  - Posso... - Pigarreia. - Posso ir para a água com você?
  - Eu não sou Deusa da Água, a água não é minha. Claro que você pode. - Respondo.
  Ele tira a camisa e vem vindo até mim. Sinto minhas bochechas corarem, ele tem um corpo lindo. Como se fosse esculpido por algum artistas de mãos divinas. Mas com as roupas que ele usa, nunca fica evidente que seu corpo seja assim, para quem ver ele vestido com suas calças jeans e sua blusa de moletom ele só é... Largo.
  De um minuto à outro ele já está do meu lado, me fazendo ficar mais sem graça ainda.
  Eu sei que ele está me olhando, não fixamente. Está me olhando de canto de olho, eu não consigo olhar para ele, aliás, não consigo olhar para ninguém fixamente, não por mais de 1 minuto.
  - Eu... Eu tenho medo de você. - Ele fala.
  Okay, agora eu realmente quero olhar para ele.
  - O que? - Me forço a abrir um sorriso para parecer talvez um pouco simpática.
  - Eu tenho medo de você. - Ri nervoso. - Você é doidinha. Fala o que quer, e me intimida.
  Sorrio.
  - Você mal tem 2 dias comigo. - Eu digo.
  Ele sorri e me olha meio distraído.
  - É, eu sei. Quando eu completar dois dias eu poderei ter medo de você então?
  Suspendo a sobrancelha.
  - Me diga você amanhã.
  - Se você for legal comigo... Quem sabe eu perca o medo.
  - Ei! - Chamo sua atenção. - Eu sou legal com você.
  - A coisa mais legal que me disse até agora foi para eu comer uma vagina.
  Nós dois rimos.
  - E a pior coisa?
  - A pior coisa foi demonstrar que não quer minha presença. Isso machuca.
  Agora eu me sinto culpada.
  - Não é que eu não queira sua presença - na verdade é isso. - É que eu gosto de ficar sozinha... 
  Ficamos em silêncio por uns instantes.
  - Já comentei que a melhor coisa que você me disse foi para comer uma vagina?
  Rimos novamente.
  - Okay... Você venceu. - Me rendo.
  - Talvez devêssemos tentar ser amigos. Pelo sei pai e a Beatriz.
  Parece justo. Quero a felicidade do meu pai, ele já se sacrificou por mim, talvez eu deva sacrificar a minha e falar com o Lucas. Não pode ser tão ruim.
  - Ta bom. - Falo concordando com ele.
  - Abraço de "meios" meios-irmãos.
  - Não. Sem abraços. Não gosto de abraços. E não conheço você.
  Quando eu começar a conhecer... Por favor, não seja tão abaixo das minhas expectativas.

A (mar)-loOnde histórias criam vida. Descubra agora