M de Memórias

Entre Barueri e Alphaville

Separados por um rio sujo
Por uma rodovia, e pelo capital
Dos dois lados seres humanos
Tentando ganhar a vida antes do natal
Olhando através do muro
"A vida do outro, olha que legal..."

João Pedro, dezesseis
Tenta a vida no ITB
Órfão de pai e mãe
Pai na cadeia, mãe na bebida
Olha do outro lado
Pela janela do buzão
O garoto na Land Rover
Em melhor situação
Deseja a liberdade
De quem tem a vida garantida
A Facul no Canadá
Um pai rico pra pagar
Virar advogado
Medico, publicitário

João Pedro, dezesseis
A caminho do Mackenzie
Órfão de pai e mãe
Pai no escritório, mãe no hospital
Olha do outro lado
Pela janela da Land Rover
O garoto no buzão
Em melhor situação
Deseja a liberdade
De quem não tem nada pra garantir
Sem facul no Canadá
Liberdade pra voar
Virar surfista
Músico, artista

O João Pedro do buzão
Ontem só comeu arroz e feijão
Dinheiro pra mistura
É luxo pra sua situação
João Pedro de Alphaville
Ontem só comeu arroz e feijão
Os amigos no Outback
E ele no quarto, na depressão
Realidades diferentes
Uma mesma situação
No apartheid social
Eles, unidos pelo mesmo chão

O vazio de barriga, de futuro
De alma e significado
E aquela sensação
De que algo está errado
Aquela amargura
De quem nega a própria sorte
Agradeçam pela vida!
Eles desejam a própria morte
E tanto lá como cá
Talvez Darwin esteja certo
"O mundo é para os fortes!"

Separados por um rio
Uma rodovia e o capital
Nenhum doa nossos dois garotos
Chegaram vivos ao natal
Um deles se perdeu
Entre 57 pílulas de antidepressivo
O outro, briga de facções
Levou 17 tiros
Talvez se encontrem em algum lugar
E vejam quanto eram unidos
Filhos da mesma falta de amor
Que matam tantos outros filhos

O que falta é o amor
O que falta é o amor!
Do lado de lá como do lado de cá
Quem pregará o amor?
Quem é o Pai de todo o órfão?
Quem entende cada drama?
Quem entende cada dor,
Nesse mundo sem amor?
Quem alivia corações
Neste mundo de horror?

#Um verso e um café, bem quentes,
de BrunoAnastacio