A Morte dá Bom Dia

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Arthur, um dos atores mais aclamados pelo público e critica teatral da nova geração, estava deitado em seu divã favorito. Em suas mãos algumas folhas de ofício encadernadas e um cigarro de canela já pela metade.

– "A fútil vaidade, abutre insaciável, depois de consumir todas as reservas, devora a si mesma. Este augusto trono de..."

– Senhor? – um homem vestindo um terno alinhado demais para um simples empregado entra na sala.

– Leon – diz Arthur largando o texto sobre o colo – Você sabe que tenho que decorar essas falas até o fim da semana.

– Sinto muito, senhor, mas é urgente. Seu carro foi encontrado.

O carro de Arthur, um magnífico Sunbeam Alpine 1953 azul claro, idêntico ao usado pela Grace Kelly no filme Ladrão de Casaca, fora roubado do estacionamento da Ópera Municipal há três noites. Não havia testemunhas e ninguém soube explicar o sumiço do mesmo.

– Por Zeus, homem, que notícia maravilhosa! E você com essa cara de quem veio de um velório.

Leon, o fiel braço direito de Arthur nos últimos sete anos, tira uma caderneta do bolso, na esperança de se tornar mais fácil ler do que simplesmente pronunciar as palavras como viessem à sua mente, então, declarou:

– "O carro foi encontrado esta madrugada, próximo ao litoral. No porta-malas estava o corpo de uma mulher nua, morta a facadas e com sinais de violência sexual". 

– Que horror, Leon! – disse o ator, ao se levantar às pressas e indo fechar as cortinas que davam para o jardim – a imprensa já sabe?

– Ainda não. Mas a polícia não é muito discreta, você sabe como são. É provável que a notícia vaze até o final do dia.

– E quem era a mulher?

– Não tinha identificação, só se sabe que estava amarrada e amordaçada.

– Pobrezinha! Isso será um escândalo. Já consigo até ouvir a voz de gralha do diretor dizendo "Art, vou acabar com você por isso!". Ligue para o meu agente, imediatamente. Precisamos saber o que fazer.

– Já fiz isso. Ele mandou o senhor não falar com ninguém e negar tudo.

– Negar o quê? – gritou histérico - Do que está falando, Leon?

– Bom, o senhor não tem álibis para os últimos dois dias. Esteve desaparecido desde a noite na Ópera e a polícia lhe tem como o principal suspeito da morte da garota de programa.

– Eu? Eu estive aqui nos últimos dois dias. Você sabe melhor do que ninguém que sempre venho para cá, para me isolar quando preciso me preparar para um papel. 

Arthur, tremolo, serve para si uma dose de uísque sem gelo, bebe um gole e para alguns instantes olhando uma parede sem decoração.

– Diga-me, Leon, como você sabe que ela era uma prostituta?  


***

Nota: A peça que Arthur lê no início do conto é Ricardo II, do William Shakespeare, na tradução de Oscar Mendes, minha favorita.

Desafio #9 (28/01/2017)

Desafio #9 (28/01/2017)

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