O botão vermelho de troca de turno bipou pela terceira vez, era a última chamada para o capitão Waite se apresentar na sala de controle. As portas para o corredor, nas costas do segundo-capitão Natsume Tsushima se abriram silenciosamente. A iluminação alaranjada do corredor – simulando um pôr do sol – fez com que o contorno da sua sombra se projetasse sobre os botões e mostradores da mesa.
– Capitão Waite, conseguiu dormir? – perguntou Natsume, sem precisar se virar e olhar quem vinha. Só os dois tinham acesso àquela área da nave.
– Ah, ainda não. Mesmo com a luz artificial alguma coisa dentro da minha cabeça sabe que onde estamos não tem noite e dia. Que configuração você usou?
– "Final de tarde no Caribe", um pouco exagerado, não?
– Romântico demais para mim, mas os passageiros devem estar gostando. Especialmente os casais. O que acha de algo mais nórdico no horário do jantar?
– Algo com auroras boreais? Ok, vou deixar pré-programado. Essas coisas me parecem um pouco ridículas.
– A mim também. Mas eles estão indo para Gliese 832 c, vão passar o resto das suas vidas trabalhando para transformar um lugar inóspito em lar para os bisnetos, deixe que se divirtam com champanhe e chuvas de estrelas cadentes até lá.
– Tem razão. Pronto, pode assumir os controles – Natsume apenas pulou da cadeira principal para a de assistente, enquanto Waite, que ainda aguardava de pé, assumiu seu posto – Estamos viajando há 73 horas, em breve vamos bem passar perto da lua, correto?
– Sim, essa é sua primeira viagem em que isso acontece?
– É.
– A cena é magnifica. Tsushima, aproveitando o momento de calmaria, queria parabenizar você pelo ótimo serviço que tem feito, acho que todos estão surpresos com seu amadurecimento e força de vontade. Lembro que ouvi falar de você há três anos, quando se alistou no serviço de viagens especiais, sua ficha era desastrosa. Você se redimiu, garoto.
Natsume sorriu.
– Eu não tinha objetivos naquele momento. Precisei parar, colocar uma meta na minha cabeça e começar uma jornada. Bom turno, capitão!
–Você é um sujeito interessante. Realmente só precisava de uma missão e um pouco de responsabilidade para tomar juízo. Bom descanso.
Três horas depois acendeu o alerta de incêndio na mesa de controle. Waite abriu na tela principal a planta da nave, o desenho de uma chama apareceu sob o retângulo que indicava os alojamentos dos funcionários. Ele acionou o canal de voz ligado aos aposentos:
–Tsushima, o que houve? Está fumando no quarto outra vez, não é? Apaga esse cigarro antes que a base receba a informação.
–Waite, ela linda!
–A lua? É sim.
–Achei que ela poderia não existir de verdade, que a lua não estaria lá. Ela estava lá, quem diria? – Natsume ficou em silencio por algum tempo – Já ouviu David Bowie? Ele fazia músicas antes da primeira Era Especial.
–Isso é de antes das guerras de Hubert?
–Também. Um dia eu estava bebendo em um bar e tinha um cara tocando violão num canto, sabe, ele não era um artista se apresentando, era só um homem qualquer e estava tocando uma música linda, me disse que era desse David Bowie.
–Nunca ouvi falar. Você está bêbado?
–Me escuta. A música falava sobre um homem, um astronauta, se comunicando com o Controle de Solo. Ele conta que a vista do espaço é bem diferente, manda dizer que ama a esposa e que a nave sabe seguir sozinha dali. Então eu saí do bar, olhei para o céu e pensei: quero ver se a lua é de verdade, só isso. A letra terminava com o astronauta dizendo "Aqui estou eu flutuando na minha lata, bem acima da lua. A Terra é azul e não tem nada que eu possa fazer".
–Não faça nenhuma bobagem, Natsume!
– Adeus, capitão.
***
¹ A música é Space Oddity, do David Bowie.
#Desafio 16 (06/02/2018)
VOCÊ ESTÁ LENDO
OPEN 24H
Historia CortaDrama, comédia, terror, suspense, fantasia, distopia, ficção científica e contos de fada escritos diariamente durante um mês. Os temas e personagens são escolhidos através de sorteio, então pode vir qualquer coisa (qualquer coisa mesmo). Mais detal...