Alma Selvagem

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– Alô, Melissa?

– Bruno, o que aconteceu? Fiquei preocupada.

– Me desculpa por ter desligado. A bateria terminou e só agora consegui carregar.

– Onde você está?

– Numa rodoviária, almoçando. Devo chegar em Bagé de noite. Ainda está zangada?

– Por você estar fazendo uma tour por todo o estado sem mim? Imagina.

– Você que não quis vir. Lembra disso? Eu lembro. Posso repetir tudo que você falou, quer ouvir?

– Tá, para. – Melissa suspirou no telefone, sabia que tinha perdido a discussão outra vez e o Bruno não voltaria correndo para casa – Como está o trabalho?

– Modéstia à parte, está ficando muito bom. Já pintei cinco paisagens, assim que chegar no hotel finalizo elas e mando umas fotos para você ver. Vou desligar, a garçonete está vindo com o meu pedido. – falando com a garçonete – Obrigada, pode me trazer catchup e mostarda?

–Você chegou a conhecer o Wagner?

– Não – a resposta saiu enrolada por ele estar mastigando alguma coisa.

– Fomos colega no segundo grau e ele mora em Bagé, sempre me pedia para enviar dvds que não encontrava para vender na cidade. Posso ligar e ver se você pode ficar na casa dele. Acho que o Wagner não se incomoda.

- Seria ótimo. Se ele responder, me manda mensagem, porque vou estar dirigindo.

- Está bem, te amo.

- Também te amo.



A casa de três peças do Wagner era afastada do centro, na zona rural. Quando cheguei fui recebido por um homem alto, loiro, de olhos claros e sorriso simpático. Na sala havia vários pôsteres de filmes de terror. Não reconheci a maioria deles: The Howling, The Werewolf, Romasanta... Sentamos no sofá para comer o macarrão que ele preparou para o jantar e ouvir um disco do Leornad Cohen.

- A Melissa disse que você está viajando para pintar quadros – ele puxou o assunto.

- É, estou fazendo uma série de imagens pastoris. É meio antiquado, eu sei, mas me identifico com esse tipo de arte. E você gosta de filmes de terror, não é?

- Especialmente os antigos, e os de lobisomens também.

- Legal. Acho que só vi aquele com o Bela Lugosi, o da ilha.

- Sei. Ele não é um lobisomem, é um homem-fera, é outra espécie. – Ele se levantou do sofá - Fica à vontade pela casa, eu tenho um laboratório no fundo do terreno, depois das árvores, fico lá até tarde, então pode dormir no meu quarto, se quiser.

- Obrigado. Em que está trabalhando, pode falar?

- Ainda estou na fase inicial dos testes, mas vai ser algo grandioso para minha comunidade. Vai mudar tudo para nós.

- Os bageenses agradecem a sua dedicação – levantei o copo de suco de laranja num brinde imaginário.

- Quem? Ah sim! – sorriu – Até mais tarde.

E o Wagner saiu pela porta dos fundos, sumindo no meio da escuridão.



Quando amanheceu ele ainda não tinha voltado. Preparei um sanduíche e fui procurar algo para ler, os canais da TV não pegavam direito. Quase todos os volumes que encontrei pela casa estavam na mesa de cabeceira dele e eram sobre bruxaria, folclore e tratados mágicos. Peguei um ao acaso e era num idioma estranho, lembrei que vi um dicionário ao lado dos dvds, talvez fosse para fazer a tradução. Fui busca-lo e quando abri, caiu um papel de dentro, nele estava escrito à mão:

"A maldição afeta o sétimo filho homem e ela não pode ser transferida, porém pode ser atenuada com a morte dos seis primeiros filhos.

André    Miguel    Mauricio    Flávio    Bruno   Jorge"

Os nomes André e Flávio estavam riscados com tinta vermelha.

Decidi ir imediatamente embora. Guardei minhas coisas de volta na mochila e fui procurar o Wagner para dizer adeus. Me embrenhei no meio das árvores do patio e caminhei por algum tempo, não consegui achar o laboratório e muito menos o caminho de volta. Um cheiro pestilento de carniça infestou o ar à minha frente, e lá estavam uma pilha de cadáveres de gatos, cachorros, ovelhas e humanos destroçados por algum animal, cobertos por um repulsivo lençol de moscas varejeiras. Vomitei nos meus sapatos e essa foi minha última lembrança daquele lugar

Acordei no meio da tarde, sentado no meu carro, estacionado numa praça pública. Com os sapatos ainda sujos de lama e suco gástrico. Liguei o carro o mais rápido possível e fui embora.

É melhor não contar para a Melissa sobre isso.   


***

Desafio #2 (20/01/2018)

Desafio #2 (20/01/2018)

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