XIV

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Dezembro, 1502.

Depois de um longo banho para tirar a sujeira que o treinamento com Renée havia me causado, caminhei rapidamente até a biblioteca do castelo, sabendo que as servas haviam deixado uma taça de sangue para mim lá. Elas sabiam que eu adorava ficar entre os livros, mesmo que eu não soubesse ler ou escrever, mas adorava tentar decifrar as palavras em várias línguas diferentes enquanto aproveitava a vista das grandes janelas.

Entrei na biblioteca sem cerimônias, sentindo o cheiro do sangue de longe, e caminhei até ele, percebendo que eu não estava sozinha ali. O outro vampiro, Ezekiel, estava sentando em uma cadeira com um livro em mãos. A taça com o sangue estava ao lado das velas que iluminavam Ezekiel para que ele pudesse ler, e logo ele me notou, levantando os olhos levemente.

Engoli em seco, sentindo a intensidade do azul dos olhos dele parecer querer entrar em minha mente. Ele geralmente passava conforto, mas algo ali estava diferente, e eu sentia que eu não era exatamente a pessoa que ele desejava ver.

Caminhei até a mesa, curvando levemente a cabeça para ele em respeito, e peguei a taça, vendo-o voltar seus olhos para seu livro. O encarei, interessada, vendo que ele lia um dos livros que eu adorava folhear porque tinha algumas gravuras estranhas e o que pareciam ser mapas de algum lugar estranho que me chamavam a atenção. Ezekiel pareceu perceber que eu o encarava, e logo seus olhos se voltaram para mim novamente.

"Posso ajudar, senhorita?" sua voz saiu um pouco dura, e senti vontade de dar alguns passos para trás, mas me mantive parada

"Eu só... Sobre o que é o livro? Eu vejo imagens nele de demônios, anjos e homens, mas não sei o que é..."

Ele franziu o cenho, piscando algumas vezes, mas logo pareceu perceber algo e sua expressão suavizou, me fazendo sentir mais confortável ao redor dele.

"Se chama Divina Comédia. É a viagem de um homem pelo inferno, purgatório e céu." ele apontou para a cadeira em frente a ele, do outro lado da mesa, pedindo para que eu sentasse

"As palavras são estranhas. Eu conheço algumas palavras, mas as desse livro parecem ser complicadas..."

Ezekiel sorriu levemente. "O livro está escrito em dialeto toscano, o dialeto que alguns italianos usam. O autor quis fazer diferente e usar sua língua nativa ao invés de usar o latim. Essa é uma das primeiras cópias do livro."

Olhei para o livro mais uma vez, vendo as palavras nele e franzindo os lábios. Eu não sabia sequer ler inglês, e meu francês ainda era ruim, falar outra língua parecia impossível para mim. Ezekiel me encarou por uns segundos e sorriu levemente.

"Se quiser, posso ler para você alguns trechos depois."

Eu sorri levemente, assentindo. Ele sorriu de volta mas logo seu rosto se tornou sério novamente, seus olhos pareceram escurecer um pouco em meio à parca luz das velas. Franzi o cenho, me perguntando o que o estava deixando daquele jeito, mas não foi preciso que eu perguntasse. Ele fechou o livro, o colocando em cima da mesa, e esfregou as mãos uma na outra, antes de olhar para mim, ainda parecendo sério.

"Como vão os treinos com Renée?"

Eu entendi no mesmo momento porque seus olhos pareciam me julgar quando me viram entrar na biblioteca, seu tom de voz e seus olhos diziam tudo. Balancei a cabeça e sorri para ele, um sorriso cansado que parecia estar se tornando cada vez mais comum para mim.

"Bem. Evoluí muito desde que cheguei aqui."

Ele assentiu, olhando para os cantos do cômodo, ainda parecendo nervoso, apertando os próprios dedos, com as mãos em cima da mesa. Coloquei minha mão sobre as dele e seus olhos encontraram os meus no mesmo momento. Lembrei das milhões de vezes em que Renée falara de Ezekiel para mim.

Races - Livro 2: Ninphs (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora