Capítulo I: Receperint ad vitam.

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Deitado em minha cama ouvindo uma playlist no Spotify do velho e "Bon" Jovi, a poucos dias de precisar realizar a minha viagem para uma pequena cidadezinha do interior de São Paulo, estou a refletir.

Durante a minha infância sofri de um vício que meu avô, meu pai e qualquer outro homem do bairro com certeza deve ter sofrido. Para exemplificar, criei um nome científico para tal: qui diligit Oceanum. Mesmo sabendo que não faz sentido um vício possuir nome científico, e que isso também não seria aprovado na comunidade, eu criei.

Nomes científicos sempre me encantaram. Eu diria que o "x" da questão encontra-se no latim, uma língua infelizmente morta, mas que maravilhosamente gerou muitas outras. E que inclusive eu faço uso despretensiosamente, sem saber muito suas regras gramaticais.

Traduzindo para nosso português, temos: "Aquele que ama o oceano." Não é lindo? É com certeza o melhor vício que alguém poderia ter, se observarmos sob meu ponto de vista, é claro. Eu vejo o mar como uma mistura de diversos tons azuis esverdeados que se preenchem com a transparência do melhor e mais rico líquido de nosso planeta - a água - e desde pequeno isso tem me feito um bem danado.

Por outro lado, até esse momento da minha vida sei que as principais histórias que poderei contar aos meus futuros filhos, caso eu não seja estéril e nem passe a vida inteira sozinho (isso soou um tanto dramático, mas confesso que eu sou mesmo), é de como meus antepassados conheciam ou foram grandes marinheiros que se entregavam verdadeiramente as ondas e sofriam terríveis naufrágios, assim nunca mais sendo vistos.

Naquela época vícios levavam a paixões, e as paixões ao desaparecimento de si mesmo.

Afirmo isso sobre as paixões, pois gostei muito de uma garota uma vez, e foi perfeitamente um fiasco sem sentido algum. Ouso dizer que quase desapareci também. Garotas, garotas... Nem sequer podem ser comparadas à incrível praia que me fazia acordar cedo todos os dias, a fim de contempla-la até à tardinha.

Com isso digo que o oceano foi meu verdadeiro amor até os dias atuais, mas nunca tive coragem de navegar por entre tuas ondas, como meus antepassados. E sim, eu inventei um vício com nome científico que reflete o amor ao oceano, tenho antepassados marinheiros... Mas a verdade é que eu não passo de um marinheiro de meia tigela, sempre brinquei com barquinhos de madeira na lagoa próxima a minha antiga casa e era isso, nunca nem cheguei a entrar em um barco e a navegar pelo oceano.

Eu diria que da praia à lagoa, Sir Capitão Marco viveu por muito tempo e não tinha do que reclamar (a não ser da época em que ventava tanto que eu mesmo me juntava ao mastro e a vela dos meus brinquedos e saía voando por aí).

Com exceção dos ventos que me deixavam maluco, o outono era a melhor estação do ano, eu adorava observar essa época de transição. Transição pois a primavera tão doce e viva nos presenteava com toda a doçura e vivacidade de suas criações: plantas, folhas, flores, frutos...

Todos eles muito bem feitos e formosos, prontos para lutar com o tão quente verão. E aí a guerra chegava ao fim com a chegada do tão melancólico e tristonho outono, e as então gloriosas criações começavam a ressecar, mochar, morrer.

O vento só se fazia presente para mostrar que podia levar embora qualquer coisa que quisesse, e o único esforço seria para medir a intensidade de sua força. As folhas caíam e criavam um lindo mar de cores que começavam a morrer...

"Estes lamentos
Dos violões lentos
Do outono
Enchem minha alma
De uma onda calma
De sono.''

As Ondas Me Levam A Você. Onde histórias criam vida. Descubra agora