Estava deitada em minha cama repassando tudo o que havia dito há poucas horas atrás.
Após a discussão com minha mãe, não senti fome. Me tranquei no quarto e fiquei encolhida sobre minha cama torcendo para que o sono viesse logo. Como um traidor, ele não veio. Ergui meus olhos até o relógio de ponteiros sobre o criado-mudo ao lado de minha cama. Já haviam se passado quatro horas desde que me deitara e ainda revirava como se tivesse acabado de acordar.
Eu não queria magoar minha mãe. Também não queria magoar meu pai. Não queria mentir para ela e não podia jogar no lixo a confiança que meu pai depositara em mim. Como escolher sem que eu pudesse machucar um dos dois? Procurei, mas não encontrei alternativa.
Sobre a maioria das coisas em minha vida eu não tinha o direito de escolha. Quando eu era criança sonhava em dançar como minha fazia pelos corredores da nossa antiga casa – bem maior que a atual -, mas meu tipo físico e minha visível falta de elasticidade nunca me deixariam. E as castas também afirmavam isso, uma vez que os Cinco eram os únicos responsáveis por toda beleza artística que restava em nossa monarquia.
A Elena jovem que meu pai conhecera dançava com uma Companhia de ballet e tinha uma vida confortável comparado ao caos que estivera o país durante a guerra. Ela devia ter sido famosa, já que constantemente sua companhia dançava em apresentações para nosso antigo governo. Quem havia me contado isso fora meu pai numa dessas noites onde eu pedi para que ele me cobrisse antes de dormir. Minha mãe havia passado uma tarde inteira ensaiando, como se para se certificar de que ainda lembrava todos os passos. Com minha curiosidade instigada, perguntei ao meu pai sobre como se conheceram.
Ele havia me dito que trabalhava num hotel quando mais novo e a Companhia de minha mãe havia se hospedado lá. Ele era encarregado do pessoal do hotel. Uma das moças da companhia de ballet viera reclamar com ele sobre uma funcionária. Logo depois minha mãe o procurou para explicar melhor a história, temendo que a funcionária fosse despedida por um caso tão banal. Meu pai se acendeu ao conhecê-la daquela forma; linda, elegante e humilde. Ele me disse que não sabia ao certo o porquê daquela mulher ter aceitado ficar ao seu lado. Eu sabia.
Nunca ouvi o ponto de vista da minha mãe sobre esse encontro dos dois. Meu pai pediu segredo e mais que tudo eu obedeci. Amava minha mãe tanto quanto amava meu pai, mas havia uma diferença gritante nos relacionamentos que eu mantinha com ambos. Com minha mãe eu recebia carinho, o aconchego de um colo quente e um sorriso de apoio. Mas meu pai parecia meu igual; ele me ensinava coisas como se eu não fosse mais fraca ou mais nova. Ele me tratava mais como amiga do que filha. Eu o compreendia e ele à mim, às vezes sem precisarmos sequer falar qualquer palavra.
Era como se eu tivesse saído de dentro dele e não de minha mãe.
Toc, toc.
Duas batidas. Era George. Suspirei aliviada e corri para destrancar a porta.
Meu pai só me encarou durante poucos segundos do lado de fora do corredor. Sua expressão era cansada e as rugas em sua testa só acentuavam ainda mais isso. Abri mais a porta e lhe dei espaço para entrar. O vi dar um passo incerto, com receio de estar invadindo minha privacidade.
Uma vez no meio do quarto, ele olhou para os lados. Fechei a porta atrás de mim e me virei para ele bem a tempo de vê-lo esconder as mãos nos bolsos da calça de algodão gasta. Sorri, achando graça; aquele era um sinal de que ele se sentia desconfortável.
Ofereci a cadeira da escrivaninha a ele, que se sentou. Me sentei na beirada da cama, virada pra ele.
- Eu sei o que fez – ele começou. – Me desculpe por isso também.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Chess Game
FanfictionBritânia realmente achou que o maior problema pelo qual passaria era ter que escolher entre sua mãe e seu pai. Mas quando ela é uma das Selecionadas, percebe que o que deveria ser simples é muito mais complicado. Enquanto ela precisa fazer Damon - o...