Passei algum tempo até que conseguisse dormir sozinha novamente, todas as vezes que fechava meus olhos podia ver aquele brilho vermelho invadindo minha mente, trazendo medo. Algumas vezes ao olhar pela janela tive a impressão que alguém estaria me observando entre as árvores e demorei um pouco para me convencer que aquilo era apenas fruto da minha mente.
As histórias que minha mãe contava antes de eu dormir foram mudando de rumo, em vez de ouvir sobre caças a lobisomens e demônios, minha mãe começou a me contar sobre princesas, castelos e fadas, fui aos poucos sendo moldada para me tornar uma menina padrão, apaixonada por rosa, vestidinhos e princesas, mas nada tirava da minha cabeça os dragões, anjos e demônios.
O tempo passou voando desde a noite do meu sonho, os meus pesadelos foram diminuindo a cada dia que ia embora. Ainda sim a sensação de que estava sendo vigiada não me abandonava, mas aprendi a não me importar com isso.
No meu aniversário de 9 anos ganhei dos meus pais um arco com flechas de verdade com a promessa que iriam me ensinar a caçar, esse foi o presente mais legal que tinha ganhado em toda a minha vida. E a promessa foi paga, todos os finais de semana íamos a florestas treinar em alvos feitos com tinta em árvores, minha pontaria foi se aperfeiçoando rapidamente, e em menos de 6 meses atirava tão bem quanto meu pai, o que não era de se impressionar já que ele era péssimo naquilo. Minha mãe por outro lado tinha a melhor pontaria do mundo, ela me contou alguns dos seus truques com muita insistência, após eu jurar de dedinho que não contaria nada ao meu pai, era o nosso segredo de meninas.
Faltando apenas uma semana para meu aniversário de 10 anos fui acordada por um morcego que acabou errando seu trajeto e bateu na janela do meu quarto, que para a infelicidade dele estava fechada fazendo um estrago enorme no vidro, que rachou e ficou todo sujo de sangue. Não consegui dormir após aquilo, então decidi que iria beber um copo de água na tentativa de trazer de volta o meu sono. Ao voltar para o meu quarto percebi uma figura masculina parado na frente da minha cama, ele parecia estar me esperando alí. Seu corpo estava coberto com um casaco preto, e seu rosto por capuz. Permaneci parada na porta e fechei os meus olhos, tentando fazer com que o homem desaparecesse, eu estava sonhando novamente.
-Estou sonhando, você não existe!
Repeti para mim algumas vezes, porém ao abrir os olhos o homem não havia desaparecido. Apesar de não conseguir ver seu rosto, tive a impressão que ele olhava firmemente para mim.
-Você é igualzinha ao seu pai, sabia?
Poucas pessoas concordariam com aquilo, exceto minha mãe, que sempre achou que eu parecesse mais com meu pai do que com ela. Eu havia herdado o mesmo castanho escuro dos cabelos do meu pai, e seu tom de pele, mas todos os delicados traços do meu rosto lembravam a minha mãe.
A voz do estranho era rouca e parecia pertencer a alguém com mais idade que o seu corpo aparentava ter. O homem se aproximou um pouco mais da minha cama e tirou o capuz, revelando seu rosto completamente. Ele tinha cabelos totalmente grisalhos e uma parte do seu rosto parecia ter sido tocada por um ferro quente.
-Não se lembra de mim?
Um sorriso sem muita forma invadiu seu rosto e o homem deu um passo a frente, aquilo parecia ter sido planejado há tempos por ele.
-Aurora, não acredito que seus pais não falaram de mim pra você, estúpidos... Acharam mesmo que poderiam fugir de quem são?
Sua voz se tornou agressiva e alta, pude sentir o ódio dele se espalhando pelo meu quarto e seus olhos se tornaram completamente vermelhos. Percebi naquele instante que aquela não era a primeira vez que havia visto o homem, nem a segunda, ele me acompanhara por muito tempo tentando achar o momento perfeito para que pudesse agir, e esse era o seu momento perfeito.
-Eu não tenho medo de você!
-Deveria ter.
O homem disse pausadamente e fez menção de se move, comecei a correr no mesmo instante. O quarto dos meus pais ficava no final do corredor, mas o rapaz não havia vindo atrás de mim. Ao chegar no quarto fui surpreendida pela cena que pude ver, meu pai estava deitado próximo a porta com uma faca cravada em suas costas. Me aproximei dele e seu corpo já estava sem vida, gelado, como se tivesse morrido a dias. Lágrimas começaram a inundar meus olhos e logo começaram a escapar, pude ver no canto da cena minha mãe encostada ao criado mudo. Ela ainda se mexia. Me aproximei da mulher e ao olhar com mais atenção vi uma faca cravada em sua barriga.
-Vai ficar tudo bem mamãe, o papai vai ficar bem!
Eu deitei em seu ombro colocando sua mão sobre minha cabeça, seus dedos fracos tentaram fazer carícias como em todas as vezes que eu ficava com medo. Afastei lentamente minha cabeça do seu ombro para poder ver seu rosto mais uma vez, e pude ver o brilho dos seus olhos indo embora lentamente enquanto sua respiração falhava cada vez mais e seu coração enfraquecia. Minhas mãos sujas de sangue tocaram seu rosto ainda quente e acariciaram sua bochecha mais uma vez enquanto ainda estava aqui.
-Não me deixe, por favor...
Minha voz saiu fraca e baixa, sendo interrompida por soluços e mais lágrimas saltaram dos meus olhos. Com um tanto dificuldade ela levou suas mãos até minhas bochechas secando as lágrimas.
-Você sabe que nunca te deixarei, minha pequena. Vai ficar tudo bem
Sua fala foi dita de forma suave e calma, como se estivesse me acalmando de um pesadelo. A única resposta que consegui lhe devolver foi um aceno positivo com a cabeça. Pude ver o exato momento em que ela partiu, tive a impressão até de tê-la visto deixando seu corpo. Passei então a mão sobre seu rosto, fechando seus olhos já sem vida e a deitei no chão. Fiquei então alí, parada naquele quarto vendo as duas pessoas que eu mais amava jogadas no chão, sem vida.
O homem então surgiu novamente na porta do quarto, eu estava sentada na cama e não me movi um músculo ao notar sua presença. Pude sentir o ódio dele me corroendo, e eu não fiz nada para o impedir.
-Surpresa!
Disse o homem com sorriso sarcástico ao me ver sentada na cama, ainda com lágrimas no rosto.
-Desculpe, não queria que tivesse sido tão rápido, mas eles não quiseram colaborar.
-Você é um monstro!!
Não consegui esconder minha voz de choro ao gritar para ele aquelas palavras, que não o afetaram nem um pouco.
-Eu sou um demônio.
Seus olhos vermelhos se revelaram novamente enquanto ele caminhou até mim e se sentou ao meu lado da cama.
-Monstros existem, não dá pra simplesmente fugir de quem somos, Aurora. Seus pais tentaram fugir da verdade e olha como eles terminaram... Caçadores... Acham que podem mudar o mundo, mas a verdade é que não conseguem nem se salvar.
Meu rosto começou a ficar quente e vermelho, levantei da cama rapidamente e fui copiada em meus movimentos pelo homem.
-O que está esperando para terminar com isso?
A expressão séria e ríspida do rapaz logo foi substituída por um sorriso ainda maior que o esboçado em meu quarto ao ouvir minhas palavras.
-O que? Acha que vou te ferir?
Ele caminhou até a porta sem olhar para trás. Tentei ir atrás dele, mas ao tentar me mexer ele fechou sua mão, fazendo com que eu ficasse paralisada naquele lugar e então pude ouvir a suas palavras finais antes que fugisse:
-Esse não será o nosso último encontro.
O demônio desapareceu no ar como se nunca tivesse existido realmente. Demorei algumas horas até me convencer que aquilo tudo havia realmente acontecido.
Fui embora antes que o sol tivesse nascido, não fiquei para ver a policia descobrindo o corpo do meu pai enquanto eu era interrogada sobre o que aconteceu aquela noite. Levei comigo algumas roupas, uma faca e uma única foto da minha família.
Após alguns dias de caminhada pela floresta, eu já estava sem água e comida quando fui surpreendida por uma senhora. Ela estava colhendo algumas frutas distraidamente e ao notar minha presença esboçou um doce sorriso.
-Você está perdida, criança?
Respondi que sim com a cabeça. Não era totalmente verdade, já havia passado por ali antes. Coloquei minha mão para trás do corpo tocando na faca que eu havia pego na cozinha antes de sair quando vi ela se aproximar um pouco. Ela parou tentando espiar em que eu estava mexendo e logo sorriu.
-Não vou te machucar
A senhora colocou a cesta de frutas um pouco mais a frente e se afastou.
-Eu me chamo Anastácia, como você se chama?
Soltei a faca e fui andando em direção a cesta. Abaixo e pego uma maçã sem tirar os olhos da mulher.
-Kira
Um suspiro me escapa.
-Me chamo Kira.
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Hunter
FantasyCresci ouvindo histórias dos meus pais sobre o sobrenatural. Haviam histórias sobre lobisomens, demônios, vampiros, ghouls e muitos outros seres que talvez você nunca tenha ouvido falar. De todos os personagens criados por eles, o que mais me impres...