Estive o resto da minha infância e adolescência fugindo de lares adotivos como era de se esperar. Passei por algumas famílias e em todas acabava sempre da mesma forma, no fim eu ia embora. Não queria ser um problema para ninguém, eu não queria arruinar a vida de famílias com a mancha que minha linhagem traria, por onde eu passasse sangue seria derramado e isso era inevitável, só queria garantir que esse sangue não fosse de mais pessoas inocentes, não podia ser.
Quando completei 19 anos consegui um emprego de meio período em uma loja de CD's e DVD's. Nunca consegui entender o motivo daquela loja existir, sendo que as pessoas podiam acessar a filmes e músicas de graça sem sair de casa com apenas alguns cliques.
Usava o tempo em que não estava no trabalho para treinar em uma das poucas florestas ainda existentes no local, sem contar o tempo em que tirava para dormir, é claro.
Certa vez acabei me empolgando um pouco com os treinos e quando me dei conta faltava menos de uma hora para escurecer. Enquanto caminhava de volta para a estrada pude ouvir passos pesados de alguém rondando o local, logo imaginei que seria um guarda procurando mais uma das crianças que desapareciam todos os dias e nunca seriam encontradas. Me escondi atrás de uma árvore para certificar-me que tudo estaria ok, a última coisa que precisava era ser vista por um guarda passeando na possível cena de um crime sem motivos algum.
O homem que surgiu entre as árvores não parecia ser um guarda, seu rosto era bem mais jovem, talvez ele tivesse a mesma idade ou pouco mais que eu. O garoto carregava nas costas uma mochila que aparentava estar bem pesada e caminhava com uma faca na mão, que ao observa-la com mais atenção pude perceber que haviam alguns desenhos e escrituras gravadas em latim. O rapaz pareceu notar que estava sendo observado e parou por alguns segundos observando em volta para garantir que ninguém estava alí, logo em seguida retomou a fazer seu caminho, não pude evitar segui-lo, ninguém tão jovem costumava se aventurar na floresta a essa hora sozinho.
Após alguns minutos de caminhada seguindo o garoto percebi que estavamos andando em zigue-zags aparentando, provavelmente perdidos. Ele resolveu parar um pouco para consultar o seu mapa perto de algumas árvores e ao observar com mais atenção o local pude perceber que estavam marcadas com sangue. Não consegui evitar olhares distraídos ao ficar ali parada em meio aquela exótica paisagem, e ao voltar meus olhos para o local em que o garoto estava não pude localiza-lo. Para minha infelicidade logo pudemos nos encontrar novamente de uma forma não muito agradável.
-Por que está me seguindo?
Ouvi sua voz ao ser surpreendida covardemente pelas costas, o rapaz segurava a mesma faca que antes chamara minha atenção perto do meu pescoço, bem mais próxima do meu do que eu gostaria de ter visto.
-E-eu estou perdida
Minha respiração havia começado a desregular de forma proposital e pude sentir a faca em sua mão afrouxar um pouco, apesar disso ele ainda não havia me soltado.
-Não minta para mim
-Estou perdida!
Dessa vez pude sentir sua mão livre pousar lentamente sobre o meu ombro, não houve resposta da minha parte.
-A floresta não é lugar para garotas como você estarem.
Pude ouvir desdém em sua frase, ele tocou a lâmina em meu pescoço sem a intenção de me ferir e abaixou sua arma. Assim que pude me virar para ele, lancei um chute em um de seus joelhos sem que ele estivesse preparado, derrubando o garoto na grama. Sua faca caiu a poucos metros de seu alcance, e antes que ele pensasse em tentar recuperá-la derrubei um frasquinho inteiro com água benta em seu rosto, em seguida deixei que uma faca de prata tocasse sua pele, ambas coisas não tiveram nenhum efeito em seu corpo.
-A floresta não é lugar para pessoas como você
Disse me virando ao confirmar que ele não era um monstro, não era nenhuma ameaça, só mais um adolescente esquisito tendo aventuras em florestas.
-Espere
Dados alguns passos para ir embora o garoto se levantou mancando um pouco e pude senti sua mão pegando o meu pulso. Virei depressa na intenção de me soltar e antes que eu pudesse fazer isso ele levantou uma parte da camisa mostrando uma tatuagem feita na barriga, notei no mesmo instante o que aquilo significava, ele pareceu notar também, pois levou os seus olhos até o meu pulso e afrouxou um pouco sua mão revelando a mesma tatuagem sobre minha pele, um símbolo que nos protegeria de possíveis tentativas de possessões demoníacas.
-Você é uma...
-Não devemos falar sobre isso
-Me encontre amanhã nesse local e lhe levarei a um lugar
Ele se virou até a mochila pegando um pedaço de papel e uma caneta onde anotou um endereço.
-Por que não anota logo o endereço de onde pretendemos ir?
-Não posso fazer isso, provavelmente seria morto.
Guardei o papel no bolso e me virei para ir embora.
-Você não me disse o seu nome
Gritou o garoto enquanto estava já a alguns metros de distância.
-Kira
Respondi friamente evitando olhar em seus olhos.
-Okay, me chamo Ezio
Finalmente segui meu caminho para casa levando comigo uma lembrancinha, a faca que eu havia visto na mão do garoto, ele provavelmente só havia sentido falta daquilo quando já era tarde.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Hunter
FantasyCresci ouvindo histórias dos meus pais sobre o sobrenatural. Haviam histórias sobre lobisomens, demônios, vampiros, ghouls e muitos outros seres que talvez você nunca tenha ouvido falar. De todos os personagens criados por eles, o que mais me impres...