Capítulo 1

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Rio de Janeiro, 17 de março de 2007.

Rodrigo pediu ao taxista para que o deixasse em frente à casa de seu pai e, ao sair do carro, a primeira coisa que fez foi olhar para a casa vizinha, aquela que ficava bem ao lado. O simples fato de olhá-la, já foi suficiente para ser inundado por uma torrente de emoções.

Já fazia muitos anos que havia ido embora daquele lugar. As casas daquela rua estavam muito diferentes, todas haviam mudado para melhor, exceto aquela, pois estava com a mesma aparência de anos atrás, porém, muito mais acabada, já que estava abandonada há pelo menos dez anos.

Ainda olhando para a casa vizinha, tocou a campainha e logo seu pai apareceu. Pedro sorriu para o filho e os dois abraçaram-se fortemente.

— Como foi a viagem?

— Foi boa. — Ele não precisava dizer que ficara tenso durante toda a viagem, por saber que logo estaria de volta ao lugar onde sua vida havia sido marcada para sempre.

Há dez anos, logo após vivenciar uma tragédia, Rodrigo achou melhor sair dali e começar uma nova vida em Portugal, ao lado dos avós maternos que tanto amava. O rapaz não chegou a conhecer a mãe, ela falecera no momento em que lhe dava à luz.

Durante todos aqueles anos em que esteve fora, jamais conseguiu esquecer Amanda, a pobre garota que havia morado naquela bendita casa vizinha...

Onde estaria ela? Será que ainda estaria viva? Nunca, em toda a sua vida, havia conhecido alguém como ela. Amanda era uma guerreira. Uma garota inesquecível.

— Filho, venha ver o seu quarto. Ainda se lembra de como ele era?

— Claro que lembro!

Os dois pegaram as malas do rapaz e Rodrigo subiu as escadas logo atrás de seu pai. Ao entrar em seu velho quarto, sentiu novamente aquela emoção dentro de si. Não por estar dentro daquele cômodo onde havia passado momentos bons e solitários, mas por poder olhar novamente a casa vizinha através da janela. Naquele momento, foi impossível ficar calado. Precisava dizer alguma coisa em relação àquilo! E seu pai sempre fora um grande amigo.

— Tenho ótimas lembranças dessa janela... Lembro que eu ficava muito tempo aqui, olhando a casa da Amanda... Na esperança de vê-la nem que fosse por um momento. Às vezes eu conseguia vê-la sentada na varandinha ou andando pelo quintal...

— Esquece essa garota, filho, pelo amor de Deus — pediu Pedro, em seu jeito manso habitual, mesmo sabendo que não havia a menor possibilidade de aquilo acontecer. 

— É impossível e o senhor sabe o motivo. A Amanda marcou a minha vida de todas as maneiras possíveis. — E respirou fundo. Sabia que seu pai estava certo, mas uma década não havia sido suficiente para esquecê-la, e mesmo que vivesse mil anos, ainda assim, a amaria. — O senhor teve alguma notícia dela?

— Não, ela nunca mais apareceu, a casa está abandonada desde aquela época. Mas acho melhor mudarmos de assunto. Pretende ficar quanto tempo aqui no Brasil?

Rodrigo olhou profundamente para ele, estava na hora de dar a grande notícia.

— Bem, voltei porque pretendo ficar aqui definitivamente. Vendi o consultório que eu tinha lá e em breve montarei um aqui, no Rio.

Depois que Rodrigo havia ido morar em Portugal, pelo menos uma vez por ano seu pai ia visitá-lo, pra passarem algum tempo juntos, e Pedro sempre soube que, mais cedo ou mais tarde, o filho tomaria a decisão de voltar, pois embora fosse bem sucedido lá fora, seu coração estava totalmente no Brasil.

— Que notícia maravilhosa!

Emocionado, Pedro o abraçou novamente, com os olhos marejados. Continuava o mesmo pai emotivo e carinhoso que sempre fora.

— Sei que já é um homem adulto e tem sua própria vida pra cuidar, mas eu ficaria muito feliz se você ficasse morando comigo. Me sinto muito solitário nessa casa.

— Eu pretendia alugar um apartamento, não que eu não queira ficar aqui com o senhor, mas é que não gostaria de voltar a morar ao lado da casa da Amanda.

— Eu entendo, mas não pense nisso agora, vamos curtir nosso momento juntos, temos muitas coisas pra conversar.

Durante todo aquele dia, ele bem que tentou pensar em outras coisas, mas não conseguiu. Amanda simplesmente não saía de sua cabeça e, toda vez que pensava nela, acabava pensando também naquele dia fatídico...

Logo após o almoço, o rapaz voltou para o quarto e ficou muito tempo na janela, olhando para aquela casa... Lembrando-se de várias cenas antigas... Amanda estendendo roupa no varal... Amanda sentada na varanda... Amanda varrendo a casa... Amanda indo pra escola... Amanda olhando pra casa dele, sem saber que ele estava olhando pra ela através de uma brechinha discreta na janela propositadamente fechada...

Parecia obcecado, mas estava verdadeiramente apaixonado por aquela garota.

Não suportando mais, Rodrigo decidiu que iria até a casa dela. Sabia que a residência estava vazia e abandonada, mas algo muito forte o impelia para ir até lá. Ele não tinha a chave, mas daria um jeito de entrar assim mesmo.

Rapidamente, o rapaz preparou uma pequena sacola plástica com algumas coisinhas úteis que iria precisar e foi até a casa vizinha. Pulou o muro que não era tão alto e, ao chegar ao quintal, sentiu seu coração bater mais forte. Entrou devagar na varandinha e ficou olhando a sua volta. Era emocionante demais estar ali. Logo a sua frente, estava a porta principal da casa. Durante alguns segundos, ficou olhando somente para aquela porta, a qual estava trancada havia anos. Se conseguisse abri-la, então poderia entrar na casa...

Rodrigo sorriu e abriu a pequena sacola que estava em suas mãos. Dentro dela, havia algumas ferramentas que havia selecionado especialmente para aquela missão: abrir a porta.

 Ele sabia que aquilo não era correto, mas estava doido pra entrar na casa em que Amanda havia morado. Somente uma pessoa igualmente apaixonada poderia compreender tal atitude.

De repente, sentiu uma pitada de remorso e pensou em desistir... Como poderia simplesmente entrar na casa alheia como um perfeito intruso? Que coisa feia...

Mas é por uma boa causa, essa casa faz parte da minha vida!, pensou ele.

Decidido, abriu a sacola novamente, pegou as chaves de fenda, o alfinete, o clipe de papel e, com muita habilidade, começou a fazer o que era necessário para destrancar aquela porta. Na verdade, chegou a pensar que talvez nem fosse conseguir, já que a única vez em que treinou aquilo foi nos tempos de adolescente, na própria porta de casa, mas, espantosamente, tudo acabou dando certo e, em poucos minutos, a porta se abriu.

O rapaz entrou devagar, sentindo o efeito de cada passo que dava. Durante todos aqueles anos, havia imaginado como seria voltar àquele lugar, depois que ele havia se tornado cenário de uma morte. E agora, ali estava ele, no local de uma morte.

O ambiente não estava nenhum pouco acolhedor. Os móveis estavam cobertos e os panos estavam cheios da poeira que havia se acumulado com o passar do tempo. Rodrigo foi até o quarto que um dia pertenceu à Amanda. Ainda podia vê-la bem ali, deitada na cama, pálida, ofegante, olhando pra ele completamente desesperada.

O rapaz abriu as gavetas da cômoda, mas as roupas da garota não estavam mais ali, ela as havia levado no momento em que partiu. No entanto, na última gaveta, escondido sob uma toalhinha de crochê, encontrou um caderno de capa rosa. Curioso, Rodrigo pegou-o e começou a folheá-lo, imaginando que encontraria algumas anotações das aulas de Amanda. Mas logo percebeu que aquele caderno não fora comprado com essa finalidade. Era um caderno especial, o qual ela havia transformado num livro de memórias, dividindo-o em alguns capítulos. Aparentemente não havia registro de datas naquele caderno, mas, mesmo assim, Rodrigo acreditava que os fatos narrados ali fossem todos do ano de 1997.

Sentindo a ansiedade tomar conta de si, enrolou o caderno na toalhinha de crochê e voltou para a sua casa. Ao chegar lá, subiu as escadas o mais rápido possível e trancou-se em seu quarto, sentindo-se novamente como um adolescente em busca de privacidade, depois, deitou na cama e começou a ler avidamente o livro de memórias de Amanda Diniz.

Eu te olhava pela janelaOnde histórias criam vida. Descubra agora