Capítulo 3

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Os dias foram se passando numa lentidão angustiante. Estava cada vez mais insuportável a convivência com Luís. Se antes, conviver com ele, já era um inferno, agora estava mil vezes pior. E eu morria de medo que ele tentasse ferir o meu irmão, simplesmente pelo prazer de me fazer sofrer. Eu quase não dormia mais, tinha que ficar preparada para qualquer ataque repentino.

Certo dia, quando eu voltava da escola, vi uma grande movimentação na casa que ficava ao lado da minha. Já fazia mais de um mês que aquela casa estava vazia, com uma plaquinha de “vende-se” na fachada.

Havia um caminhão de mudança parado na rua, e pessoas entravam e saíam da casa carregando malas, objetos e móveis. Vizinhos novos!, pensei.

A residência era bonita e contrastava demasiadamente com a minha. Enquanto aquela estava completamente reformada, parecendo nova, a minha estava descascada e parecendo mais antiga do que realmente era.

Tirei a chave do bolso e coloquei no portão, tentando abri-lo. Neste momento, vi um rapaz saindo da casa vizinha. Ele foi até o caminhão, pegou algumas bolsas e voltou a entrar na residência. Ele não reparou em mim, mas eu o reparei muito bem...

Ele aparentava uns dezessete anos, tinha a pele morena, cabelos castanhos e um rosto inesquecível. Nunca, em toda a minha vida, vi um rapaz tão bonito como aquele.

Senti um tremor nas pernas e meu coração bateu mais forte. Finalmente consegui abrir o portão e entrei no quintal de casa. A partir daquele momento, comecei a me sentir diferente. Fiz o almoço com tanta alegria que nem reparei quando Luís chegou.

Não parava de pensar naquele rosto bonito. Precisava saber quem era aquele menino. Precisava saber seu nome. Precisava ouvir sua voz.

Naquela noite, deitada na cama, abracei meu irmão fortemente, até vê-lo adormecer em meus braços. Mas eu não consegui dormir e, desta vez, não era porque estava com medo de Luís, mas porque o vizinho novo não saía da minha cabeça.

Alguns dias depois, numa manhã nublada, dei um beijo no rosto de Betinho e o vi sair pra mais um dia de aula. Assim que ele saiu de casa, terminei de me arrumar, peguei minha mochila e também saí. Mas, ao chegar ao colégio, a diretora veio avisar que a professora estava doente e não daria aula naquele dia. Como aquela seria a única aula e não tinha mais nada para fazer, saí de lá e comecei a andar meio sem rumo pela rua. Ainda era cedo, por volta de sete e meia da manhã. Meus pés me levaram até uma pracinha simpática que ficava não muito longe do colégio.

Sentei num dos bancos embaixo de uma árvore frondosa e fiquei observando as pessoas que passavam por ali. Muita gente passava apressada para ir trabalhar, enquanto outros pareciam ir para a faculdade, então comecei a pensar no que seria da minha vida depois que terminasse o colégio. Eu ainda estava no primeiro ano do Ensino Médio e, tudo o que eu mais queria, era me tornar independente. Fazer faculdade de Ciências Contábeis, conseguir um bom emprego e ter meu próprio dinheiro, pois isso me possibilitaria ter um pouco de conforto, algo que eu nunca tive na vida.

Eu sabia que tinha capacidade suficiente para entrar numa boa universidade e estava decidida a prestar vestibular. Sabia que conseguiria, pois, tratando-se de estudos, nada era difícil demais para mim.

Ao voltar para casa, passei lentamente em frente à casa vizinha, mas estava tudo fechado e no mais absoluto silêncio.

Já fazia mais de uma semana que aquele rapaz bonito estava morando ao meu lado, mas ele nunca havia me visto. Parecia que eu era invisível aos seus olhos. Ele nunca olhava na minha direção e nunca havia sequer percebido a minha presença.

Naquela manhã, fiquei sozinha em casa, enquanto Luís estava na oficina, e Betinho, na escola. Não tinha nada pra fazer, então deitei um pouco na cama e liguei a televisão. Como havia passado muitas noites em claro, comecei a sentir muito sono. No início, tentei resistir, mas o sono era tão forte que acabei cedendo. Fechei os olhos e entreguei-me a um sono profundo.

Não sei por quanto tempo dormi, mas, ao abrir os olhos, fui tomada de um verdadeiro pavor. Luís estava sentado na beirada da cama, olhando fixamente pra mim, com uma terrível malícia em seus olhos vermelhos.

— O que você está fazendo aqui? — perguntei alarmada.

— Só estava admirando o sono de beleza da minha filha...

— Eu não sou sua filha e não quero que entre no meu quarto.

De repente, senti uma de suas mãos acariciar minha perna. Imediatamente, me levantei, mas Luís me derrubou em cima da cama e jogou todo o seu peso sobre o meu corpo, ficando bem em cima de mim!

— Sai de cima de mim!

— Não quero e não vou sair! Pensa que me esqueci do dia em que você me ameaçou com uma faca? Agora você vai ter o que merece!

— Eu só fiz aquilo porque não queria que você machucasse o meu irmão!

— Pois, agora, quem sairá machucada será você!

Luís começou a beijar meu rosto com fúria, ao mesmo tempo em que puxava meu cabelo. Depois, imobilizou minha cabeça e colou seus lábios aos meus.

Consegui agarrar seu cabelo desgrenhado e afastei sua cabeça pra trás. Mas ele era muito mais forte que eu! Eram os meus 44 kg contra os seus 150 kg.

Ele podia até ser mais pesado e mais forte, mas eu não me entregaria tão facilmente, eu não me renderia. Eu iria lutar enquanto houvesse vida em mim!

— Durante muito tempo, eu quis te tocar, mas eu me segurei. Sendo que agora você vai sentir a força do meu desejo!

— Seu crápula! Tá pensando que vai ser fácil?! Eu vou lutar até o fim!

Com muito esforço, consegui agarrar o abajur e taquei na cabeça dele.

— Ai! — ele gritou de dor.

Aproveitei que ele tirou suas mãos de cima de mim para colocá-las na cabeça, devido à dor que estava sentindo, e levantei rapidamente da cama. Depois, peguei um pequeno vaso de cerâmica que estava no rack e nem pensei duas vezes, simplesmente quebrei o vaso na cabeça do homem que quase conseguiu me estuprar. 

No início, eu achei que ele desmaiaria, mas não foi isso o que aconteceu. Um corte se abriu em sua cabeça e começou a sangrar, mas ele ainda continuava consciente, tentando recuperar-se do susto e da pancada.

Então fiz a única coisa que poderia fazer, simplesmente comecei a correr. Abri rapidamente a porta da sala, corri para o quintal, abri o portão, saí pra rua, e aí, sem querer, esbarrei violentamente no meu vizinho novo...

Eu te olhava pela janelaOnde histórias criam vida. Descubra agora