Estava perdida. Fato. Sentia-se como marinheiros em águas revoltas numa neblina densa e palpável. Amana estava perdida. E não era pelo fato de saber que estava numa encrenca daquelas, mas por saber que não teria coragem para voltar e fingir que nada aconteceu. Não poderia olhar para si mesma e negar os fatos e o motivo disso tudo?
Depois que Ibira e pajé Enaré se foram, a índia pulou no rio e nadou até ter se afastado completamente da aldeia. Já era noite cerrada quando caminhou pela margem do rio, sentindo o vento frio sob sua pele ainda molhada e seus pés tocando a água. Caminhou a esmo, sem querer chegar a lugar nenhum. Magé a encontraria, sempre a encontrava. Caminhando sem saber o que pensar, estava com o arco na mão , os braços cruzados sob o peito nu.
A lua tentava permanecer impassível a medida que descia sob a copa das árvores. A madrugada era fria, mas Amana não parecia sentir frio. Sempre com a água até os tornozelos ela caminhava na margem, apenas esperando. Sombras se projetam vagarosamente e depois sumiam, várias vezes. Ele estava brincando com ela, com o seu medo e com as sua emoções. E o pior era saber que apesar da determinação inicial, agora a índia temia por todos que amava. Se morresse ninguém mais iria proteger sua tribo, sua aldeia, sua família.
Olhando para o nada pode sentir ondas fortes, como se alguém caminhasse ao seu lado, alguém que conhecia muito bem e que se calava. Sentia vergonha e não gostava de sentimentos tristes, isso lhe deixava melancólica. Agora Mãe-Iara parecia querer lhe falar algo, estava na duvida se era o certo ou não.
— Podia me dar um lição agora. Sei que ocê quer. — caminhamos sem olhar para o lado — Tá decepcionada, num é?
— Não mermo. Ocê é minha aiyra, e eu num tenho de pensar assim. E nem ocê.
— Mar oia o que eu to fazendo Mãe-Iara. tô me entregando.
— Não ta. Amana, olha para mim. Ocê acha que eu me entreguei? Eu fugi e nem por isso me chama de fraca, muito pelo contrário. As pessoas me temem.
— Mar eu num quero ser temida. Quero ser amada.
— Uma mártir? Todos temem ocê desde que chegou lá. Vê se entende, aiyra.
— Quer que eu seja como ocê?- a índia parou e olhou para a mulher que agora caminhava, olhou para as pernas da índia — Eu nem sei contra o quê estou lutando.
— Ocê ta lutando contra todo o mal que existe nesse mundo. Eu num sou má, sou boa, sim. As pessoas temem o que vêem e eles temem o seu poder, e isso é bom, aiyra. Ocê pode proteger os mais fracos e eu sei que vai.
— O que eu sou, Mãe-Iara?
— Ocê é como eu. Uma sereia. Uma icamiaba. Precisa lutar, e isso não significa que tenha que usar a força.
— Então como?
Iara pegou a mão livre da índia e a levou em direção ao rio, a parte funda. Mesmo com medo, e sem saber o que precisava, Amana sempre se deixava levar pela sereia. Não pelo encantamento, mas pelo o que ela tinha de mais próximo de uma mãe. Amana não ignorava tudo o que a índia Guacira fizera por ela, era só o fato de que a sereia já foi como Amana, e agora podia guiá-la e Amana se deixava guiar até as águas mais profundas.
— Eu sei que ocê ta confusa, eu tamém estava. Hoje num to mais e ocê ainda tá perdida.
— Eu sempre estive perdida, Mãe-Iara. E sozinha.
— Num ta não, eu tô aqui. E o que ocê precisa agora é entender de uma vez o que ocê já tava destinada a ser. Uma sereia e uma heroína.
— Mar como?
— Mergulha. As repostas sempre vem quando menos esperamos, Amana. Elas sempre vem quando mais precisamos e nunca quando queremos.
A índia mergulhou devagar, sem fechar os olhos. Pode visualizar uma imensidão verde. Suas luzes tremulavam na água do rio. Em seguida viu o rosto encantador de Iara, sua cauda reluzia para voltar a ser apenas as escamas escuras e bem difusas na água. Amana se sentia bem e, apesar de poder respirar debaixo d'água, só agora percebeu que prendia a respiração. Inalou calmante com a mesma sensação da primeira vez, primeiro a queimação e depois o alívio. Mãe-Iara sorriu e depois apontou para as pernas da índia que detinha a maior parte de sua luz.
Deixa fluir. Suas pernas pareciam ter um imã e eram atraídas uma para outra. Mesmo sabendo que não se afogaria, Amana parecia relutar para por fim aceitar e não impedir a atração de sua pernas que, assim que se juntaram, foram adquirindo escamas. Amana também percebeu que adquirira brânquias no pescoço e membranas entre os dedos da mão. Seu cabelo parecia mais bonito. E era assim que se sentia. Mais bonita.
De repente, tudo parecia fazer sentido e pode ver o rosto da mulher que a deixara no rio. Airumã. Sua mãe. sentia o coração dela bater, estava viva e esperando pela sua menina. Olhava nos olhos de Mãe-Iara com uma súplica singela, ao modo que Mãe-Iara riu e assentiu. Usando a força de sua nova cauda, Amana se impulsionou subindo o rio. Voltando para a sua nascente. Voltando para casa. A sua verdadeira casa preparada por sua mãe. Mãe-Iara.
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Universo Zero: Amana - Filha de Iara #1
Fantasy"Todos nascemos, crescemos, vivemos da melhor forma possível e depois morremos. Comigo foi diferente. Eu nasci, morri, renasci e cresci para viver, não para mim, não da melhor forma possível... Descobrir quem sou pode chocar algumas pessoas, mas f...