Capítulo 10

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O sol do meio dia queimava as costas de todos que passavam pela velha estrada até Greenhills. Sombras se projetavam pela grandiosa floresta e uma doce brisa caminhava pelos galhos das árvores. A floresta se permanecia em silêncio, todos os animais estavam quietos e somente o som do farfalhar dos galhos era escutado.

Uma corça desbravava sozinha a beirada da floresta procurando um pasto farto para se deliciar. Sua pele brilhava a luz do sol, mostrando o quão pura era. O animal pastava, despreocupado, pois seus predadores estavam dormindo e nenhuma ameaça havia sido notada.

Arbustos farfalhavam, a brisa se tornara mais forte e então parara de repente. Silêncio tomou conta da floresta. Naquela tarde até os pássaros resolveram se deleitar com as sombras e descansar. Mas, nem todos os predadores estavam dormindo e a corça estava sendo vigiada.

Um pássaro cantou e a corça ficou alerta. Seu predador tinha se movido, seu bote seria fatal. Estava com fome, muita fome. O som de uma flecha cortando o ar foi escutado. Logo depois de metal e madeira entrando na carne.

Um urro de dor do animal foi escutado e o eco se espalhou pela floresta acordando todos de seu sono. Pássaros em debandada alçaram voo. Arbustos se mexeram e o predador paciente pulou no pescoço do animal quase abatido.

Novamente o som de metal se enfincando e rasgando a pele da corça foi escutado, sangue espirrou e o animal caiu. O predador olhava para sua caça com ar de vitória.

- Finalmente – disse Keeran.

Clarke descia de uma árvore próxima. Com o arco e flechas em mão sorria para seu irmão, satisfeita pela primeira caçada bem-sucedida.

- Conseguimos – respondeu Clarke observando o animal.

Keeran se aproximou do animal e o pendurou em suas costas. Seu olhar pesava, e a cada segundo que se passava se arrependia de ter matado o pobre animal.

- O que o papai faria se nos visse fazendo isso? – perguntou Keeran.

Clarke não sabia o que responder e nem como responder. Ela já tinha esquecido, a caçada a tinha feito esquecer. O pai deles. Estava morto e eles não podiam fazer nada quanto a isso.

- Não sei o que ele... Pensaria ou... Faria. – Clarke olhava para a copa das árvores tentando engolir o choro.

Em silêncio os dois começaram a andar de volta para casa. Culpa e dor era o que sentiam e nada podiam fazer. Estava sendo difícil, principalmente na ultima semana, eles mal conseguiam caçar e roubar comida estava cada vez mais difícil.

Para piorar eles não estavam sozinhos, tinham uma irmã pequena para alimentar. Se fosse somente os dois seria tudo mais fácil, não precisariam de uma casa fixa e nem de pensar se deixa-la sozinha era uma boa ideia. Mas ela dava uma razão para eles voltarem todos os dias, dava uma razão para eles continuarem. Pensar o quão feliz a irmãzinha ficaria ao ver a caça, a primeira caça, fazia tudo no mundo parecer uma brincadeira.

...

Ao chegar à casa de pedra Clarke soou o sinal e Cerridwen abriu a porta. Vendo o resultado da caçada do dia ela sorriu de orelha a orelha. Comida, finalmente eles conseguiram comida sem necessitar de roubar.

- Vocês conseguiram! – os olhos da pequena brilhavam.

- Conseguimos Cer – Clarke estava feliz de ver que a irmãzinha estava animada, mas ter que deixa-la sozinha a preocupava – vamos fazer um grande banquete e ainda sobrará.

Pensativo Keeran entrou na casa com a caçada.

- O que fazemos com isso? – perguntou Keeran - Não sabemos preparar a carne e muito menos como remover a pele.

- Não sei... – respondeu Clarke.

Keeran largou o animal morto no chão, um longo minuto de silêncio se passou. Até que Cerridwen disse:

- Dianna deve saber o que fazer. Deveríamos levar a ela.

- Pode ser uma ideia ruim... – respondeu Keeran.

O silêncio retornou e depois de um tempo pensativa Clarke disse:

- Ela é a única pessoa da cidade que pode nos ajudar e se não levarmos a caça até ela tudo o que fizemos terá sido em vão.

Keeran apenas assentiu. Ele estava cansado, o dia tinha sido longo. Mais uma vez ele pegou a corça e colocou nas costas. Todos saíram da casa, que também funcionava como salão de treinamento para caçada. Ninguém os ensinou, tiveram que aprender sozinhos. Esse tinha sido um milagre, era a primeira vez que tinham conseguido caçar algo.

...

Dianna cortava a carne da corça. Keeran a observava preparar a carne e tirar a pele, que seria vendida no dia seguinte. Clarke brincava com Cerridwen na sala. Dianna estava quieta e pensativa, e logo perguntou aos irmãos como tinham conseguido caçar, onde aprenderam e onde estavam morando. Eles logo responderam com a mais pura verdade, talvez tenha sido um erro revelar tantas informações, mas eles confiavam em Dianna. Ela os havia ajudado quando chegaram à cidade, esse voto teria que valer a pena.

Anoitecia quando Dianna terminou o trabalho. Markus chegou ao exato instante em que a esposa terminou de preparar o jantar, ensopado de corça. Todos se sentaram a mesa e comeram a vontade. A última vez que os irmãos comeram uma refeição tão boa foi quando chegaram à cidade, quando Dianna os ajudou.

Depois disso ou a comida era roubada e pouca ou eles procuravam no lixo que não era muito agradável, então eles preferiam evitar a última opção.

Todos estavam em silêncio enquanto jantavam.

- Estava uma delicia! Obrigada Dianna. – disse Clarke, ao terminar de comer o ensopado.

Dianna sorriu em resposta. Clarke e Keeran se entreolharam e Keeran desviou a atenção para a janela mais próxima. A noite havia caído e eles precisavam ir para casa.

- Obrigado pela comida Dona Dianna, mas está ficando tarde, temos que ir.

Eles se levantaram e cumprimentaram a mulher e seu esposo com um leve aceno de cabeça.

- Tomem cuidado crianças. – disse Dianna.

- Não se preocupe. – afirmou Keeran.

Os três saíram da casa e adentraram a rua escura. A lua brilhava e iluminava o caminho para eles.

...

Eles se apressavam pelos becos, observando qualquer movimentação estranha. As ruas estavam silenciosas. Nem se via o sinal de bêbados. O que era estranho.

Keeran havia parado de repente e Cerridwen se agarrara no braço de Clarke. Como se fosse um mal pressagio as nuvens cobrem a lua deixando a cidade cada vez mais escura.

As crianças ficaram tensas e observam a rua a frente. A boca do bueiro se abria e nenhum som era emitido. Paralisadas elas observavam uma figura emergir da escuridão. Não dava para saber se era humano, mas não se portava como um. Ele deu poucos passos para frente até que outro como ele se levantasse das trevas.

A primeira figura que parecia montar guarda enquanto esperava seu parceiro olhou diretamente nos olhos de Keeran como se soubesse que ele estava lá. Um calafrio percorreu a espinha de Keeran. Aquelas coisas eram sobras em uma cidade de escuridão.

Eles precisavam se mover, precisavam sair da li. Estavam tão perto de casa e mesmo assim tão longe. Um beco só necessitavam passar por mais um beco e então estariam seguros, despistariam aquelas coisas.

Logo depois que a segunda figura saiu do bueiro a primeira se moveu da sua posição de guarda e caminhou até onde eles estavam. Medo percorria as veias das crianças. Por sorte do acaso a figura parou como se alguma coisa tivesse puxado ele.

Sem esperar mais nenhum segundo Keeran segurou a mão de Clarke eles três correram pelas ruas e o beco seguinte, carregando a carne da corça que sobrou. Os irmãos Havenblade não pararam até chegar na casa de pedra.

FelipeTheWriter & Midoky.

Espero que tenham gostado. Muito obrigado por terem lido. 😊

A Cidade da EscuridãoOnde histórias criam vida. Descubra agora